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Até que ponto a maternidade faz a mulher se despedir de quem ela era antes de engravidar? (Foto: Thinkstock)

Até que ponto a maternidade faz a mulher se despedir de quem ela era antes de engravidar? (Foto: Thinkstock)

O ditado diz que quando nasce um bebê, nasce uma mãe. Essa ideia me encanta, mas me assusta um pouco. Isso quer dizer que alguma parte minha precisa morrer? Levei o assunto à minha terapeuta e discutimos longamente. Sei que tudo muda quando um filho nasce. Acordar de noite, acordar bem cedo, acordar, acordar... Trocar fralda, amamentar, fazer arrotar, pôr pra dormir, trocar mais fralda, acordar para amamentar... Estou preparada para essa vida meio robótica, e bastante fisiológica, do começo da maternidade. Que venham as olheiras e os cabelos despenteados. Já estou pronta psicologicamente para o trabalho. Isso não me incomoda (pelo menos não agora. Mães, não me julguem ainda, nem me desejem noites sem sono infinitas!).

O que me pega é saber quem vou ser depois do nascimento do meu filho. Sim, uma mãe. Mas me refiro a essa ”eu” que costumei ser até hoje. Falo das coisas que fazem parte de quem eu sou, e muitas dizem respeito a hábitos, gostos e prioridades. Se me perguntassem tempos atrás ‘Quem é você?’, certamente, a carreira abriria essa resposta. Acho que vivi muito tempo para ela. Gosto do que faço, é óbvio. E me confundi por muito tempo com essa persona profissional que fui criando ao longo dos anos. Descobri, não faz tanto tempo, que a profissão não me define, mas ela ainda ocupa uma parte importante do que sou eu, certamente. Na sequência, falaria minha idade, que sou casada, o local em que cresci e as coisas que me dão prazer.

Gosto de sair à noite, de dançar, de ver filmes de drama, de ter muitos livros na estante e tempo para ler, de não ter horário rígido, de acordar tarde sem culpa, de viajar, de descobrir lugares novos, de escrever sentada no sofá de casa, de não ter muita rotina, de fazer aula de arte marcial, de estar com os amigos. E, caramba! Acho que vou ter de deixar de fazer boa parte dessas coisas.

Tenho medo de virar apenas mãe. Porque isso pode ser uma delícia tentadora, mas tem grandes chances de virar um fardo lá na frente, quando você deixar sua identidade de lado e adotar a de "mãe de fulano" apenas. É peso demais para seu companheiro, seu próprio filho e você.

Sempre digo para meu marido que a gente não precisa deixar de ser a gente quando formos pais. Acredito realmente nisso. Mas preciso confessar que, às vezes, me preocupo com essa quetão. É claro que nunca vi pai nenhum arrependido de ter filhos – numa estatística de quase 100%, todo mundo reclama, mas não trocaria pela vida de antes. Só que, é claro, nada é mais como era antes. Vou sentir falta daquilo tudo que descrevi. Sei que isso pode soar pequeno e bobo lá na frente – e talvez soe agora para quem já tem filho. No entanto, tenho receio – e medo é irracional, deem um desconto – de perder uma parte de mim. Porque eu sei que não vou querer mais trabalhar tanto, nem dançar tanto, nem vou preferir ler um livro se estiver um bebê lindo me esperando, e precisando dos meus cuidados. E aí pergunto: onde vão parar todas aquelas coisas? Onde meu "eu" de hoje vai ficar?

Do jeito que sou prática e pragmática, pode ser que nem lembre desses questionamentos quando for mãe, até porque a necessidade de cuidar impera sobre o tempo para filosofar. No entanto, não consigo me esquecer do relato de uma mãe, amiga, em um momento de extrema sinceridade sobre a maternidade: “Se eu tivesse planejado a gravidez, ia querer me matar agora”. O filho dela não tinha 2 anos na época. Ela estava cansada. Porém, o que mais a angustiava era ter deixado de ser "ela" para virar a mãe. Tinha saudades dela, daquela pessoa que costumava ser antes da maternidade.

Já ouvi outros relatos como esse. Essa perda de identidade que toda mulher sofre para virar outra coisa. Maior, melhor, mais intensa. Mas outra coisa. Cansativa, sobrecarregada, solitária e, claro, feliz. Mas outra coisa. Esse relato mexeu por muito tempo comigo, ainda mexe. Porém, recentemente, vi uma mensagem dessa amiga nas redes sociais. Falava de uma viagem que ia fazer sozinha depois de ser mãe. Aquilo que ela quis tanto, que gostava tanto, de repente, não fazia mais tanto sentido. Ela partia com vontade de ficar. Saía, mas queria voltar. Não é que não gostasse mais de viajar. Só estava gostando mais de ficar com seu filho. Não é lindo?

É no post dela que tento buscar conforto. Também na falta de arrependimento de todos os pais. E na vontade de experimentar essa nova vida e esse grande amor. Sei que vai ser bom, que vai ser muito bom. Mas talvez também tenha de ser um pouco ruim no meio do caminho. Só espero que eu possa me reconhecer nesse novo papel de mãe e que ele seja uma parte de mim, não meu todo. E, se alguma parte do meu "eu" precisar morrer, que seja para dar lugar a algo muito maior do que posso compreender agora. Sem saudades de mim. Sem saudades de qualquer pedaço que possa ser afastado, exilado, arrancado ou amputado de mim. Feliz com a nova "eu".

blog_aespera (Foto: Thinkstock)

À ESPERA...
...da hora certa para engravidar, de um filho, do parto, do primeiro sorriso, dos primeiros passos... A gente sempre está esperando algo, não é? Tenho 36 anos, sou casada e estou exatamente à espera de cumprir todos os itens desta lista. Venha me acompanhar nessa espera. Para falar comigo, escreva para redacaocrescer@gmail.com.

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