• Giovanna Forcioni
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Agrotóxico (Foto: Thinkstock)

Agrotóxico (Foto: Thinkstock)

“Ela já nasceu com dois dentinhos começando a aparecer. Com 3 ou 4 anos já trocava os dentes. Com 6, percebi que ela já tinha uns pelinhos na axila”, conta Luzivânia Bezerra, 35. Todas essas observações a levaram a procurar uma endocrinopediatra para investigar o que estava acontecendo com sua filha. Hoje, a menina, diagnosticada com puberdade precoce, faz tratamento hormonal para desacelerar o ritmo de desenvolvimento.

Não é incomum ouvir histórias como a de Luzivânia, na cidade de Limoeiro do Norte (CE). Moradores têm relatado que bebês da cidade estão nascendo com má-formação ou desenvolvendo puberdade antes do esperado. Especialistas buscam uma explicação. Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará  (FM - UFC) relaciona os casos ao uso abusivo de agrotóxicos na região.

Depois de acompanhar famílias da cidade, os pesquisadores concluiram que água, solo e alimentos consumidos na cidade apresentam índices de contaminação por agrotóxicos, uma herança da atividade agropecuária intensa na região. Isso porque a Chapada do Apodi (CE) é cercada por fruticulturas de larga escala, voltadas para a exportação. 

Ainda que os médicos não tenham determinado a causa da condição da filha de Luzivânia, a mãe acredita que a condição da menina pode estar ligada ao uso de agrotóxicos. “Eu acho que tem muita relação. A gente percebe que aqui na cidade tem muito mais casos de puberdade precoce, câncer, autismo… Eu me assusto com essas coisas, é aterrorizante”, conta.

O estudo revelou uma série de características em comum: todas as 8 crianças observadas eram filhas de homens com histórico de trabalho em áreas com contato com agrotóxicos e a presença da substância em amostras de água da casa. Segundo a endocrinologista Margaret Cristina Boguszewski, vice-presidente da Comissão dos Desreguladores Endócrinos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), essa “série de coincidências”, porém, não é suficiente para confirmar que os casos de Limoeiro do Norte (CE) são todos consequência do uso de agrotóxicos. “A puberdade precoce é uma situação que pode acontecer por várias razões. Pode ser consequência de uma característica genética, uma má formação no sistema nervoso central ou uma doença infecto-contagiosa que a mãe teve durante a gravidez. Mas na maioria dos casos não conseguimos descobrir a causa”, explica

Até a última atualização desta reportagem, a Secretaria de Saúde de Limoeiro do Norte (CE) não retornou as tentativas de contato da redação.

Por que crianças e bebês são os mais afetados?


Assim como os agrotóxicos, algumas substâncias e situações do ambiente podem interferir no funcionamento do organismo e, consequentemente, no sistema hormonal tanto de crianças quanto de adultos. São os chamados disruptores endócrinos.

A endocrinologista Margaret Boguszewski explica que, entretanto, as crianças costumam ser mais suscetíveis às mudanças provocadas por esses disruptores. “O organismo da criança é extremamente dinâmico, porque está amadurecendo, em fase de formação. A atividade metabólica é muito intensa e o contato com uma substância que altere esse funcionamento pode trazer um efeito negativo para o desenvolvimento”, afirma.

Além da infância, existem outras fases da vida em que uma pessoa pode estar mais sujeita a essas mudanças. A gravidez, por exemplo, também é considerada uma “janela de vulnerabilidade”. Isso porque, durante a gestação, a multiplicação de células é muito intensa. A lógica é simples: quanto maior o número de divisões celulares, maiores são as chances de ‘algo dar errado’. Segundo Margareth, mesmo na gravidez, a exposição a disruptores tende a trazer mais consequências para o bebê; para a mãe, isso, provavelmente, não vai fazer tanta diferença.

O fato de uma criança apresentar essas condições não significa, necessariamente, que será transmitida para as próximas gerações. “Se o pai ou a mãe tiveram uma exposição maior ao desregulador hormonal, pode ser que eles tenham absorvido, transmitido para o filho e feito com que ele viesse com alguma alteração. Mas essa característica nem sempre é assimilada ‘para sempre’ na composição genética da criança”, diz.

Agrotóxicos são perigosos?


Apesar de os casos de Limoeiro do Norte (CE) serem expressivos, os especialistas alertam que não há motivo para pânico em outros locais - pelo menos onde não há produção agropecuária expressiva. “Naquela região, as famílias vivem em condições muito específicas. Lá, pais, mães e crianças estão expostos continuamente a uma quantidade mais intensa de agrotóxicos nos alimentos, na água, no solo… Mas isso varia de lugar para lugar. Na grande maioria das cidades, a exposição a essas substâncias é muito pequena, geralmente o contato acontece só por meio da alimentação e, ainda assim, em níveis baixos e a curto prazo”, explica Margareth. Já nos locais onde o uso é intenso, é preciso buscar os órgãos reguladores e formalizar a denúncia. 

No entanto, isso não significa que devemos considerar os agrotóxicos substâncias inofensivas. “Não dá para dizer qual é a consequência a longo prazo do contato com agrotóxicos. Por isso, precisamos nos atentar às normas regulatórias e nos proteger, sempre buscando informação”, finaliza.

Rodapé Instagram OK (Foto: Crescer/ Editora Globo)

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