• Crescer Online com Jornal da USP
Atualizado em

O machismo também impacta o desenvolvimento de contraceptivos masculinos. Não é sem motivo que vemos tão poucos deles no mercado. Em entrevista ao Jornal da USP, o especialista em reprodução humana Rui Ferriani, professor e atual diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), comenta que a ciência vem trabalhando em novas tecnologias, porém, a cultura machista impede o avanço das pesquisas. A falta de voluntários é outro obstáculo, que aumenta a responsabilidade da mulher pela gravidez. "Há uma conotação de que fazer a anticoncepção masculina está ligada à virilidade e à impotência sexual”, afirma. 

Ao fazer um panorama histórico e social, vemos que a pílula anticoncepcional, presente na vida das mulheres desde 1960, trouxe uma opção para a prevenção da gravidez indesejada. Anos depois, tivemos a fertilização in vitro, desenvolvida em 1978, que garantiu ainda mais liberdade às mulheres na escolha do momento para engravidar. No entanto, a população feminina sempre esteve no centro das atenções quando o assunto é evitar uma gestação inesperada. De acordo com o documento Planejamento Familiar – Um Manual Global para Profissionais e Serviços de Saúde, publicado em 2018 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), existem 20 métodos contraceptivos catalogados pelo órgão, mas apenas dois são voltados para os homens: a camisinha e a vasectomia.

esperma_óvulo_espermatozoide_concepção_fecundação (Foto: Thinkstock)

(Foto: Thinkstock)

Com intuito de mudar esse cenário, a pesquisadora alemã Rebecca Weiss desenvolveu, em 2021, um novo método contraceptivo destinado aos homens. Com ele, a especialista recebeu o Prêmio James Dyson Awards, conhecido mundialmente por incentivar pesquisadores a desenvolverem iniciativas que solucionem problemas. Conhecida como Coso, a tecnologia foi premiada por mostrar uma nova forma contraceptiva para a população masculina, que funciona como um "banho de água quente" nos testículos, utilizando um ultrassom para impedir a mobilidade dos espermatozoides.

+ Qual a quantidade de esperma necessária para uma mulher engravidar?

Segundo Ferriani, o estudo “possui o princípio de qualquer método anticoncepcional masculino” e “é uma tentativa válida”, mas ainda não se pode dizer que ele será aplicado clinicamente, alerta o docente. Para se tornar um produto viável e disponível no mercado, o professor da FMRP-USP explica que ainda são necessários “estudos em um ano para ver qual a proporção de espermatozoides que ficam imóveis” e, dessa maneria, poder comprovar a eficiência do método. Por enquanto, é muito cedo fazer uma previsão de lançamento do método ou ter certeza de que realmente será utilizado amplamente.

Machismo: o principal vilão

Além dos obstáculos com os testes clínicos, a criação de contraceptivos masculinos esbarra em mais um problema que é o machismo cultural. De acordo com o professor, “os homens não estão preocupados com a gravidez pois o efeito é na mulher” e, além disso, há uma ideia de que a anticoncepção masculina está ligada à virilidade e à impotência sexual, o que dificulta o processo. 

Esses fatores sempre foram motivos de muita rejeição no público masculino, motivados por um cenário de cultura machista em relação à concepção, afirma Ferriani, que complementa dizendo que a gravidez é responsabilidade do casal, exigindo dos dois indivíduos a mesma preocupação.

O docente da USP diz, ainda, que “existem muitas pesquisas para o desenvolvimento de novos métodos”, inclusive no Brasil, mas do ponto de vista técnico, é muito mais difícil de se desenvolver anticoncepcionais masculinos, por existir “muita resistência de grupos voluntários de homens”.

Há uma preocupação, que acontece também com as mulheres, sobre os possíveis efeitos colaterais causados pelos métodos contraceptivos masculinos. Assim, mesmo com uma mudança de pensamento e mentes mais abertas, Ferriani acredita ainda ser muito difícil mudar esse paradigma, que muito atrasa o desenvolvimento de novas pesquisas.

Ouça a entrevista completa com o professor Rui Ferriani ao Jornal da USP Edição Regional neste link

Com informações do Jornal da USP, Vinicius Botelho

Saiba como assinar a Crescer para ter acesso a nossos conteúdos exclusivos