• Bruno Militão, com Vanessa Lima
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"mães que têm uma tendência a sentirem aquela pontinha de tristeza, tendem a ficar ainda mais tristes" (Foto: Thinkstock)

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Depois de um ano de declaração de pandemia da covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), já é possível analisar algumas consequências sobre o dia a dia das famílias isoladas dentro de casa. Um estudo apoiado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal revelou alguns dos impactos da pandemia da covid-19 na saúde mental materna e em crianças na primeira infância.

Realizada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, a pesquisa apontou, por exemplo, que 63% das mães participantes tiveram sintomas de depressão no último a no. 

Uma das responsáveis pelo estudo, a professora Maria Beatriz Linhares, associada do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP da USP e membro do Comitê Científico do Núcleo de Ciência pela Infância (NCPI), explica que, na verdade, já acompanhava as famílias mesmo antes da pandemia, em estudos sobre programas de parentalidade positiva.

“Quando a pandemia chegou, vimos que precisávamos fazer algo”, explica ela, em entrevista a CRESCER. A partir daí, foram iniciados os estudos específicos no contexto do isolamento social e do coronavírus. 

O objetivo é avaliar alguns dos públicos mais afetados por todas as mudanças que ocorreram no último ano: as mães e as crianças de 1 a 6 anos. Entre os dados obtidos, as pesquisadoras notaram também que 78% das mães relataram sentimentos de desconforto em relação ao vírus e 34% tiveram sentimentos negativos, como medo, angústia, ansiedade e insegurança, durante o período.

“Já acompanhávamos algumas mães com indicadores de depressão materna. Com a pandemia, 89% das mães continuaram apresentando esses indicadores, ao passo que, das que não tinham esses indicadores, 47% passaram a apresentá-los”, ressalta a professora.

Além dos sintomas depressivos, 41% das mães relatam ter dificuldades em lidar com os filhos durante a pandemia. É o que aponta um outro estudo, nos mesmos moldes, produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com as pesquisadoras da FMRP da USP. “Observamos que mães com sintomas depressivos e mais pobres tiveram mais dificuldades em lidar com os filhos que as demais”, aponta Maria Beatriz, que participou de ambos os trabalhos. 

O que podemos fazer pelas mães e pelas crianças?

Segundo Maria Beatriz, entre as mães que foram acompanhadas durante os estudos, aquelas que participaram anteriormente de um programa de parentalidade conseguiram ter mais habilidade para lidar com a pandemia. “Percebemos que esse era um importante fato, que protegia contra quadros de indicadores de depressão, ansiedade ou vulnerabilidade psicológica”, explica. “Vivemos uma situação de pouca segurança, o que deixa as crianças com medo, ansiedade, angústia, sem autonomia. Tudo isso afeta as competências de desenvolvimento da primeira infância.”

Para o enfrentamento desse momento de estresse tóxico, é preciso fortalecer redes de apoio formais – aquelas ligadas ao aparelho público, como redes de saúde familiar, assistências sociais e mesmo os programas de parentalidade – e informais.

“O primeiro investimento deve ser a primeira infância - e não podemos esperar essas situações de estresse tóxico, como é a pandemia, para começar a resolver esses problemas”, aponta ela. “Vimos que famílias que já vinham sendo acompanhadas pelos programas de parentalidade lidaram melhor com o isolamento.”

A pesquisadora e especialista da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal Elisa Rachel Altafim, que também participou do estudo que avaliou os indicadores de saúde mental durante o isolamento, afirma ainda que os programas de parentalidade têm efeito protetor sobre as mães que recebem instruções. “Especialmente em momentos de grande instabilidade na vida das famílias, como esse, esses programas são suportes fundamentais”, explica.

Segundo ela, as famílias precisam se adaptar a fim de garantir o bom desenvolvimento das crianças e o suporte para isso precisa vir por meio de investimentos de políticas públicas. “Esses programas auxiliam e apoiam famílias, seja com visitas domiciliares ou em grupos, e até mesmo remotamente”, aponta.

E dentro de casa, o que fazer?

A pandemia já tem um ano e provavelmente se estenderá por mais um tempo. Confira algumas dicas das especialistas, professoras e pesquisadoras Elisa Altafim e Maria Beatriz Linhares:

Tornar as tarefas da casa mais divertidas

Fica mais legal ajudar nas tarefas de casa ou até no trabalho dos pais se as atividades tiverem tom de brincadeira. “Quando uma criança realiza uma tarefa acima do que ela conseguiria fazer na realidade, ela dá um passo a mais no desenvolvimento cognitivo. As crianças adoram brincar de escritório, por exemplo, e essa é uma boa maneira de integrá-las à rotina dos pais”, aconselha Maria Beatriz. 

Recuperar memórias afetivas e estimular a imaginação

Crie condições para que seu filho tenha memórias boas, apesar do contexto: seja com fotos antigas, brinquedos  ou mesmo fazendo planos, o que estimula a imaginação.

“Uma das consequências do isolamento é a estagnação ou recrudescimento do desenvolvimento das crianças, por isso, qualquer atividade que estimule a imaginação, como desenhar, planejar viagens, tudo isso é muito importante”, diz a professora da FMRP.

Dentro de casa, sem máscaras (se for possível)

Atenção especial à expressão facial, que é prejudicada com o uso das máscaras de proteção. “A expressão facial traz indicadores para os bebês e as crianças, com as quais elas conseguem ler sentimentos e promover a empatia”, aponta a especialista. Então, caso ninguém na sua casa esteja contaminado ou com suspeita de covid, aproveite esses momentos para se comunicar com seu filho, sem precisar do acessório. É preciso também estimular as crianças a falarem e comunicarem seus sentimentos e emoções, que precisam ser escutados pelos pais.

Telas? Menos é mais

Este tem sido um dilema para os pais, que precisam trabalhar, com as crianças o tempo todo em casa. Sem contar as aulas remotas, que também necessitam dos aparelhos eletrônicos. No entanto, é preciso evitar tempo de tela excessivo. E atenção: a recomendação vale tanto  para os pais como para as crianças. “A comunicação face a face, olho no olho, precisa ser livre”, diz a especialista.

É um período estressante, então, mesmo sabendo que não é benéfico, em algumas ocasiões o único jeito de cumprir certas tarefas é por meio das telas. “Nesse momento, precisamos fazer balanços de riscos e benefícios", pondera.

A pesquisadora Elisa Altafim ainda alerta que também é preciso ter cuidado com a televisão ligada o dia todo. “Prejudica a atenção e, consequentemente, o desenvolvimento das crianças”.

Mais amor

Neste momento, mais do que nunca, é preciso que o clima emocional em casa seja regulado, sem conflitos nem violência. “Muito se tem falado sobre empatia, o que se encaixa aqui. Um adulto precisa regular o outro, desenvolvendo habilidades de relacionamento e negociação um com o outro, e dos adultos com as crianças”, aponta Maria Beatriz.