• Depoimento a Giovanna Maradei
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Tatiana Ubinha com Angelina, hoje com 7 meses (Foto: Arquivo pessoal)

Tatiana Ubinha com Angelina, hoje com 7 meses (Foto: Arquivo pessoal)

Meus partos dariam um livro. Primeiro, porque até agora são quatro filhos. Depois, porque o sistema obstétrico no Brasil só gera partos catastróficos. Nos três primeiros, sofri violência obstétrica, a começar pela desconsideração da data da concepção de minha primeira filha (que sei quando foi), resultando numa cesárea na 34ª semana. Mas escolhi narrar o último. Após três cesáreas, discussão no hospital e cinco dias de trabalho de parto, encontrei apoio de uma equipe humanizada e tive um parto normal bem-sucedido, o de Angelina.

Desde a primeira consulta, optamos pelo parto hospitalar, em função das cesáreas anteriores. Ninguém escondeu que, se houvesse ruptura uterina na cicatriz, seria caso de urgência. No entanto, também analisamos os riscos de uma quarta cesárea. Meus problemas com a anestesia aumentaram a cada procedimento cirúrgico. Meu último filho também teve problemas com anestesia. Tinha medo da cesárea pelos riscos de infecção, de hemorragia, de cortarem o bebê e pela experiência com a minha segunda filha, que ficou 12 dias na UTI neonatal – tive de cuidar dela com o corte na barriga, dois pontos rompidos e muita dor.

Pela primeira vez, senti-me amparada pela obstetriz e o obstetra. Eles me indicaram fisioterapia de períneo para evitar a episiotomia ou a laceração na expulsão do bebê, e aprendi a fazer massagens e exercícios, que foram complementados pela minha irmã, que é minha doula. A outra doula, psicóloga, acolheu-me nos medos dos partos traumáticos.

Tatinha e seus filhos (Foto: Rose Steinmetz)

Tatinha e seus filhos (Foto: Rose Steinmetz)

Pesquisei tanto que, no oitavo mês de gravidez, já sabia as porcentagens de risco de partos normais após cesáreas. Descobri que a quarta cesariana seria tanto oumais arriscada do que o parto normal. No dia 10 de setembro do ano passado, as contrações começaramà noite, mas perdiam o ritmo ao amanhecer. No dia seguinte, tinha só um centímetro de dilatação. No dia 12, às 5 horas da manhã, minha bolsa se rompeu. Os médicos costumam dizer que uma bolsa rota por mais de 12 horas coloca mãe e bebê em risco. Lembrei-me de vários relatos de parto com bem mais tempo que isso de bolsa rompida sem prejuízos. Estava tranquila, mas depois de 24 horas, achei prudente ir para o hospital. Tinha apenas 2 cm de dilatação.

Na manhã do dia 13, meu obstetra disse que Angelina estava bem. Mas o trabalho de parto não engrenava. Ele falou sobre o risco de infecção por causa da bolsa rota, mas que não dava para mensurá-lo e que havia controvérsia a esse respeito. Por volta das 10 horas, o obstetra foi chamado pela diretoria do corpo clínico para fazer logo a cesárea. Meu mundo caiu. A parteira foi quem me salvou. Ela disse: “Esse bebê não é para hoje”.

Diante de minha recusa, o obstetra abdicou do caso. A  diretora do corpo clínico me negou a possibilidade de ter parto normal no hospital. Depois de uma hora de discussão, ela cordialmente me expulsou dali. Assinei o termo de responsabilidade e fui para casa. Lá, as massagens das doulas, as respirações de ioga e a livre movimentação me ajudaram a me reconectar com meu corpo e o bebê. Nos intervalos das contrações, aproveitava o tempo com os outros filhos, caminhava, sentava na bola, ouvia música e entrava no chuveiro quente. Há momentos indescritíveis que nada têm a ver com hospital, medicalização, soro na veia.

No dia 16, com a ajuda da acupuntura, cheguei a 8,5 cm de dilatação e fomos para outro hospital. Angelina nasceu quase às 6 da manhã do dia 17, de parto normal, sem indução, com um mínimo de anestesia. Ela mamou toda a primeira hora. O neonatologista nos assegurou esse momento. Passei o dia todo com meu bebê. Mas Angelina tinha nascido como abdômen distendido, devido a uma espécie de tumor congênito, e passou por cirurgia no dia seguinte. Ficou 11 dias na UTI. Segundo os cirurgiões, minha filha reagiu bem à cirurgia graças à sua maturidade física, por ter nascido de parto normal. Não tive meu parto roubado e gostaria que mais nenhuma mãe e pai tivessem. Humanizar o parto significa sobrepor a ética aos interesses comerciais, ao medo e à vaidade.”

Saiba mais sobre a bolsa rota


Bolsa rota é o rompimento prematuro da bolsa amniótica, antes da dilatação ou das contrações. O quadro é preocupante, pois pode indicar a presença de bactérias causadoras de infecções no útero e até no bebê. Existem controvérsias quanto ao tempo de espera nessa situação. O ideal é que o obstetra acompanhe o desenvolvimento do parto individualmente, através da análise do líquido amniótico. No geral, se após o rompimento a dilatação progredir cerca de 1 cm por hora, é possível administrar a situação com antibióticos, prevenindo infecções. Sem a dilatação, o feto no canal de parto ou se forem identificados sinais de sofrimento fetal, a cesárea deve ser  considerada.

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