• Texto Fernanda Carpegiani
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Criança brincando de balanço no parquinho (Foto: Shutterstock)

(Foto: Shutterstock)

É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança. Isso é o que diz um provérbio africano, mas que dimensiona o suporte que nós, pais e mães, precisamos para criar nossos filhos. Afinal, educamos uma criança para a sociedade, para que, no futuro, ela possa transformá-la em um lugar melhor para viver. Nada mais justo que fôssemos acolhidos por ela. Mas vivemos tempos complexos, como disse o educador e professor Severino Antônio, em entrevista para o documentário O Começo da Vida: “Uma das grandes solidões do mundo contemporâneo é a perda da comunidade”. Criar uma rede de apoio realmente não é tão simples, as famílias não são mais numerosas como eram no passado [dados do IBGE mostram que o número de filhos por família vem caindo desde a década de 1960], nem vivem mais tão juntas como antes, com avós, tios, primos próximos. Sem contar que a rotina das grandes metrópoles pode ser uma barreira para olhar o outro com compaixão.

Para driblar esse cenário, mães e pais estão formando grupos para cuidarem uns dos filhos dos outros em diferentes cidades do Brasil. Eles se organizam em espaços alugados, públicos ou nas próprias casas. Esse é o conceito das creches parentais, também chamadas de cooperativa ou associação de pais, inspiradas no modelo francês (leia abaixo), que tem ganhado espaço no país como alternativa a babás e creches convencionais. Não há números no Brasil sobre esses locais e as famílias entrevistadas contam que optam por esse modelo por falta de vagas em creches públicas e até mesmo particulares, ou pelo alto custo das escolas e das babás. Há aquelas que buscam uma educação mais livre, com menos regras e mais envolvimento de pais e mães. Tem ainda quem procure uma rede de apoio e troca para deixar a maternidade e a paternidade menos solitárias e poder refletir sobre a educação que gostariam de dar para os filhos. A servidora pública Aline Correa Sobral Melo, 29 anos, da creche parental Nosso Ninho, que você vai conhecer nesta reportagem, afirma que poder estar presente e participar ativamente da rotina das suas filhas é uma das principais vantagens desse formato: “Na creche e na escola você só ouve ‘ele ficou bem, comeu isso, fez aquilo’. Quando está dentro do processo, você tem voz e liberdade para participar do desenvolvimento do seu filho”.

Não existe uma regra que resuma como as creches parentais funcionam, já que depende do grupo e das demandas, mas todas têm em comum a participação ativa e intensa das famílias em alguma etapa do processo, seja no dia a dia com as crianças ou em questões mais administrativas. Os pais também se organizam de acordo com sua profissão. Existem os que não trabalham ou são autônomos, mas mesmo quem tem emprego fixo e horários pouco flexíveis consegue encontrar uma forma de conciliar a rotina da creche. Em alguns casos, é possível outra alternativa, como pagar uma cuidadora (ou mediadora) para cobrir a sua escala (sendo que esta pode ficar junto com as famílias durante os turnos) ou negociar com o empregador e ter desconto na folha de pagamento pelas horas ausentes. Os encontros podem acontecer de duas a cinco vezes por semana e o custo tem grandes variáveis, chegando a R$ 600, por exemplo, segundo as creches que CRESCER conheceu para esta reportagem. A idade das crianças oscila bem, de 6 meses a 4 anos, embora, em alguns casos, haja membros de 6 e 7 anos.

Se chegar a um consenso com o seu companheiro sobre como criar o seu filho pode ser difícil aí na sua casa, pense o quanto é desafiador para essas famílias. Para elas, no entanto, esse é um exercício que as aproxima e vai além da rotina da creche parental. São pais e mães que se unem para criar os filhos em comunidade.

A cuidadora Tatiana Silva, 35, trabalha como auxiliar em dois projetos de creche parental no Rio de Janeiro e conta que seu papel é dar suporte na relação de coletividade entre as famílias. “Geralmente, os bebês exigem muito da mãe, e ele precisa sentir ali, na convivência com outras crianças, que essa mãe também precisa cuidar de outros bebês, não só dele”, diz. Ela cursou Pedagogia por um ano e meio, mas decidiu sair por entender que a experiência nos grupos era uma “faculdade viva”. “É uma riqueza enorme lidar com os desafios da diversidade. Cada família tem uma linguagem, sons e cheiros diferentes. A criança entende que o mundo é assim, e não um ambiente tão preparado como é a escola.”

Para Tatiana, esses movimentos são um resgate do instinto comunitário presente na nossa ancestralidade e há resistência nesse sentido. “Todo mundo acha interessante, mas a gente vive em um momento muito individualista e institucionalizado. A criança tem que ir para a creche, é uma premissa social.” Mãe de Acauã, 5 anos, e grávida de Íris, ela hoje se sente acolhida por muitas redes. “Estou mais segura de que o cuidado da criança não precisa e não vai ser só meu. Meus amigos falam: esse filho que você está esperando é meu também. E eu sinto que os filhos deles são meus. É desconstruir essa possessividade. ”

E A EDUCAÇÃO INFANTIL?

Apesar de acreditar que o movimento seja interessante e que os pais têm liberdade para decidir que tipo de educação querem dar aos filhos, para a educadora Gabriela Guarnieri de Campos Tebet, do Departamento de Ciências Sociais na Educação da Unicamp (SP), esses arranjos não devem substituir a creche convencional. “Educação infantil é uma coisa, espaço de convivência familiar é outra. São propostas distintas com objetivos distintos. Não podem nem devem ser tomadas como sinônimos”, explica a especialista, que é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação.

Ela afirma que, por definição, essa primeira etapa da educação básica deve acontecer em espaços institucionais não domésticos, como creches e pré-escolas, que cuidam de crianças de 0 a 5 anos. Isso é um direito, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. “A formação específica dos profissionais que atuam na educação infantil, o planejamento e a organização adequada do espaço da creche, assim como os materiais específicos, têm grande importância para o desenvolvimento infantil. É por isso que defendo que esse tipo de iniciativa de pais não pode substituir a educação infantil. Mas deve ser entendido como uma ação complementar em casos específicos e apenas quando essa for uma opção das famílias e não uma política pública”, pondera. Por isso, sugere Gabriela, “se os pais não estão satisfeitos com as opções oferecidas, eles deveriam se envolver em movimentos de luta por educação infantil de qualidade e organizações de pais que questionam e ajudam a equipe escolar a construir novas propostas para as creches”.

Outro ponto dessa questão legal é que a Emenda Constitucional no 59, de 2009, torna obrigatória a matrícula de crianças na pré-escola a partir dos 4 anos. Na prática, não existe uma punição estipulada para quem descumprir a regra, mas algumas creches parentais limitam a idade até 4 anos para não ter problemas. Como também não há uma lei que as regulamente, cabe às famílias entenderem e combinarem como vão lidar com a Justiça caso surja alguma questão nesse sentido.

Longe do Brasil...
As nossas creches parentais são inspiradas no modelo francês, que surgiu em meados de 1970 exatamente como as brasileiras, organizadas pelas famílias. O movimento cresceu e, 20 anos depois, o governo da França reconheceu, regulamentou e passou a financiar as creches parentais. A psicóloga, pesquisadora e escritora Carolina Pombo conheceu de perto essas iniciativas quando fez doutorado por lá. Ela conta que elas surgiram por falta de vagas nas creches públicas, mas também são um recurso para mães que têm receio de deixar os bebês por muitas horas em instituições. São associações registradas no órgão público local de saúde materno-infantil, que têm pediatra, psicólogo, diretora pedagógica e auxiliares treinados. A gestão fica a cargo dos pais, que se dividem em tarefas de tesouraria, secretaria e manutenção. Cada família precisa dedicar um tempo mínimo, que vai de um a quatro turnos mensais. “Como são regulamentadas e seguem uma série de parâmetros, são até um pouco mais caras do que as creches públicas, que têm o valor calculado de acordo com a renda da família”, explica Carolina.

Existe outro modelo de cuidado compartilhado na Alemanha chamado Tagesmutter. São famílias que abrem suas casas para cuidar de crianças de até 3 anos. É preciso fazer uma formação e a casa é inspecionada pelas prefeituras, que ficam responsáveis pela fiscalização e organização desse sistema. Segundo o Departamento de Estatística da Alemanha, dados de 2012 mostram que cerca de 43 mil pais e mães trabalhavam com esse cuidado coletivo. O serviço custa de 3 a 8 euros, de acordo com o site tagesmutter.com, mas é possível conseguir uma ajuda financeira do conselho tutelar se a família não tiver condições de arcar com esse valor.

“Cada criança  pertence à humanidade inteira.”

Jack Shonkoff, médico e pesquisador de desenvolvimento infantil em Harvard (EUA), no documentário O começo da vida.

EXPERIÊNCIAS DIVERSAS

Para o educador Vicente Góes, pesquisador nas áreas de sustentabilidade e transdisciplinaridade, a criação de redes de apoio entre famílias é uma forma interessante de oferecer experiências aos filhos. “Existe uma carência de espaços de autonomia da criança fora da escola e a rede é uma boa solução para isso. Na escola há pouca diversidade, elas são agrupadas por classe social e valores muito semelhantes”, explica.

Em 2013, ele começou a estudar educação não institucionalizada e foi um dos criadores de um grupo chamado Barro Molhado, em que 15 famílias e cinco educadores se encontravam em praças e parques de São Paulo para discutir a educação das crianças. Os eventos aconteceram por três meses, algumas vezes por semana, com diversas demandas. Hoje, o grupo cresceu. “São mais de 50 famílias, e a gente se entendeu como rede.”

Na visão de Vicente, as creches parentais fazem sentido na fase do puerpério, quando as mães acabaram de ter seus bebês e encontram mais disponibilidade para se apoiar. “Essa necessidade se dilui ao longo do crescimento das crianças. As famílias acreditam nisso como um sonho, mas têm dificuldades de empreender nesses projetos, trabalhar e tomar conta do resto da vida ao mesmo tempo.”

A seguir, conheça como algumas creches parentais se organizam no dia a dia.

CURITIBA (PR)

COOPERATIVA CASINHA

Com quatro anos de existência, a Casinha é referência no universo de creches parentais brasileiras e uma das experiências mais antigas em funcionamento. Atualmente, são cinco famílias e cinco crianças, de 2 a 4 anos, que se encontram de segunda a sexta-feira, das 13 às 18 horas, em uma casa alugada em Curitiba (PR). Cada dia é uma família que cuida das crianças e da alimentação, com apoio de uma educadora. Os pais que não conseguem participar da escala têm a opção de pagar uma cuidadora para ir em seu lugar, mas precisam se envolver de outras formas. É o caso da oficial de Justiça Lorena Tavares Contijo, 35, mãe de João Felipe, 4, e de Ana Laura, 2. Ela é uma das criadoras do projeto e esteve presente no dia a dia nos três primeiros anos. “Meu horário é flexível, mas, no ano passado, a rotina tumultuou pela idade da minha filha, então me afastei um pouco. Tem outra mãe que também não vai.” Com a diária da cuidadora inclusa, ela paga cerca de R$ 700 por mês. Este ano, João Felipe passou a frequentar menos porque entrou na escola e só a caçula é membro fixo da creche. Lorena conta que não concorda muito com a proposta do colégio, mas achou interessante o filho ter mais contato com crianças da mesma idade, já que, na cooperativa, os colegas são menores.

Antes de formar a creche, ela já pensava em criar os filhos em comunidade. E foi em um grupo de dança que conheceu outra mãe interessada. Entre maio e junho de 2013, ela e mais quatro mulheres formaram um primeiro grupo. Porém, a diferença de idade das crianças incomodou. “Meu filho tinha 6 meses e havia crianças de 3 anos. Ficamos uns dois meses até uma das mães encontrar uma casa para alugar com uma edícula.” Lá tudo recomeçou e é onde funciona a Casinha até hoje. Muita coisa mudou, ao longo desse tempo, mas o princípio básico continua o mesmo: acreditar na inteligência inata da criança.“Preparamos o ambiente externo e o nosso interno para estar tranquilo e aberto para ela explorar. Dar autonomia para brincar livre, sem ser conduzida, policiada, limitada.”

NITERÓI (RJ)

CASA VIVA

Morena tinha 1 ano e meio quando sua mãe, a turismóloga Liana Souza Freire, 29, visitou a creche parental Casa Viva em busca de um modelo fora do padrão. De cara, se encantou com as crianças. “Elas eram extremamente verdadeiras e gostei da forma como os adultos abordavam os conflitos”, lembra ela, que conheceu o projeto por indicação da cunhada, que trabalha com educação não convencional.

Liana se identificou tanto com a creche que a indicou para a amiga e administradora Rafaela Moreno Perlingeiro Nunes Neto, 26, que também procurava um lugar diferente para a filha Luma, da mesma idade de Morena. “Ela ficou duas semanas em uma creche comum, mas não gostei”, conta Rafaela, que levou a menina para a Casa Viva. Hoje, junto com Liana, faz parte da comissão de comunicação do local, que funciona de segunda a sexta-feira em dois turnos, manhã e tarde, com dez famílias e dez crianças de 1 a 4 anos. Os outros pais participam das comissões pedagógica, financeira, de eventos e de organização do espaço, e cada família precisa cobrir três turnos por semana. Até o ano passado, cada uma das oito famílias participantes pagava R$ 150 por mês. Agora, o valor subiu para R$ 500, tanto porque foram contratadas três cuidadoras que se revezam quanto para ajudar no caixa da creche, já o aluguel aumentou. Atualmente, o local é alugado e abriga também outros projetos, como um de equoterapia para crianças com deficiência, mas uma nova casa está sendo construída só para eles.

A dedicação das famílias na creche é um dos maiores desafios para Liana. “Exige muito tempo e não é só quando estamos lá. Sempre precisamos fazer alguma coisa fora do dia a dia, seja cozinhar, seja lidar com questões administrativas.” A convivência com os outros pais também demanda energia. “Temos muito em comum, mas existem divergências.” Mesmo com as dificuldades, os participantes se consideram uma grande família.

PARA CRIAR UMA CRECHE PARENTAL
Conhecendo as experiências brasileiras é possível ver que não existe padrão (nem legislação) na maneira como os grupos se organizam. Aqui vai um passo a passo por onde começar:

1. Pesquise: Leia tudo sobre o assunto. Além desta reportagem, existem grupos de Facebook que discutem cuidados coletivos e compartilhados.

2. Conheça experiências: Entre em contato com as famílias que têm creches parentais e, se puder, visite algumas para sentir na pele se esse arranjo faz sentido para a sua família.

3. Encontre interessados: Procure pais e mães da sua cidade, de preferência do seu bairro, que podem curtir a ideia. Talvez você tenha de explicar o que é e como funciona o modelo. O ideal é que vocês marquem reuniões presenciais. Se as pessoas não conseguirem tempo para se encontrar, dificilmente o projeto vai dar certo.

4. Definam como vai ser: Com o grupo formado, é hora de discutir detalhes práticos. O primeiro é onde vai ser a creche parental. Leve em consideração segurança, higiene, distância e estrutura adequada para as crianças. Se decidirem alugar um espaço, é preciso levantar os custos e as questões burocráticas envolvidas. Outra decisão é sobre quantas vezes por semana e em quais horários vocês vão se encontrar, levando em conta o tempo e o orçamento que cada família tem disponível.

5. Experimentem: O começo é sempre um pouco conturbado e leva um tempo até todo mundo se adaptar à nova rotina. Ao longo do processo, muita coisa pode mudar e tudo bem. O importante é que vocês conversem sempre e façam ajustes quando for necessário.

MARINGÁ (PR)

NOSSO NINHO

Faz quase três anos que a servidora pública Aline Correa Sobral Melo, 29, alugou uma casa com uma edícula nos fundos para fazer a sede da creche parental Nosso Ninho, em Maringá (PR). A mudança acompanhou uma transformação na sua maneira de criar as filhas. A mais velha, Alice, hoje com 9 anos, teve babá e entrou na escola aos 3, mas a experiência não foi boa. “Forçavam ela a dormir, a comida era ruim, as professoras brigavam e davam muita bronca. Quando engravidei da Amelie, agora com 2 anos, não queria passar isso de novo”, lembra ela, que também é mãe de Sara, 8 meses.

Foi em um grupo de apoio à maternidade que Aline questionou: e se a gente cuidasse uma dos filhos da outra? Pesquisando na internet, encontrou o modelo de creches parentais francesas e descobriu uma experiência parecida no Brasil. A conversa com as famílias da Cooperativa Casinha (que você já conheceu) inspirou a criação da Nosso Ninho. Começou com dez crianças de seis famílias, que se dividiam em dois turnos por família, podendo ser o pai, a mãe ou os dois. Aline e o grupo reformaram a edícula e o gasto de R$ 13 mil foi dividido.

O grupo buscou inspiração em correntes pedagógicas como Montessori e Waldorf e definiu como princípio o cuidado afetuoso. O espaço tem bastante área verde e as crianças fazem piquenique, brincam com os cachorros e colhem frutas do pé. “Nosso foco é o carinho. Queremos que elas fiquem à vontade e livres para brincar. Direcionamos para fluir o ritmo e elas não ficarem só correndo o dia inteiro, mas observamos o jeito de cada uma e nada é imposto. Elas comem quando têm fome, não existe um horário rígido para isso”, diz.

Hoje, a Nosso Ninho tem 12 crianças, de 6 meses a 3 anos, de 11 famílias e duas cuidadoras, sendo uma psicóloga e uma estudante de Psicologia. Elas são contratadas como auxiliar de creche, no sistema de empregada doméstica. “Não tem outra forma, porque não temos CNPJ. Cada um registra uma e a gente faz dessa forma”, conta. O local funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, e as famílias fazem um turno por semana, acompanhadas de uma cuidadora. Ou seja, tem sempre quatro adultos cuidando de 12 crianças. O custo médio mensal não é fixo, mas não passa de R$ 600. “A escola mais cara da cidade tem três cuidadores para 18 crianças – e isso é um número fantástico – e custa R$ 1.800.”

Além do custo mensal, existe um valor de entrada para novas famílias de R$ 1.200 à vista ou R$ 1.500 parcelado. Essa taxa cobre o que já foi investido em estrutura e compra de brinquedos, e vai para um fundo de reserva. A administração fica com os pais da secretaria financeira, que elaboram a divisão de custos. As famílias da creche, aliás, se organizam em seis secretarias, de pedagógica à culinária.

O grupo criou até uma secretaria jurídica depois que sofreu denúncias de vizinhos e passou a receber fiscais da prefeitura e do conselho tutelar. “Disseram que as crianças estavam sofrendo maus-tratos, porque comem com as mãos, mexem na terra e rastejam na grama. Os fiscais vêm e nunca acham nada, mas é um transtorno.” Uma das questões com essa parte legal é que o grupo só aceita crianças até 4 anos, para não entrar em conflito com a lei. Como não há legislação em torno da creche parental, “nossos advogados dizem que tudo que não é proibido é permitido, a não ser que o estado coloque uma lei. É algo feito entre amigos e não tem lucro”, diz a servidora pública.

Um dos motivos que levam os pais à Nosso Ninho é porque não querem deixar os filhos na creche o dia todo, e as públicas e particulares de Maringá, segundo Aline, só funcionam em período integral. Os pais participantes têm profissões diversas: musicoterapeuta, médico, terapeuta ocupacional, policial, servidores públicos, professores, engenheiro, empresários, psicólogos e advogados. “A maioria aqui tem empregador ou precisa cumprir horários. Eu bato ponto e tenho desconto na folha de pagamento porque saio durante meio período para estar na creche.” Mas qualquer pessoa da família da criança pode participar da escala: pai, mãe, avó. “Eu aconselho que os pais conversem com o empregador. As empresas têm que entender que precisam fornecer condições para o funcionário trabalhar bem”, diz Aline.

RIO DE JANEIRO (RJ)

CRIA MUNDO

Quando engravidou de Thomas, hoje com 2 anos, a jornalista Carolina Almeida, 28, trabalhava em um grande jornal carioca. Na volta da licença-maternidade, matriculou o filho na creche. “Meu marido levava e meus pais buscavam. Não participar dessa rotina me fazia mal”, lembra ela, que se apaixonou pela maternidade e educação. “Comecei a pesquisar  e entender que não precisava ser um modelo fechado.” No mês em que estava para pedir demissão, recebeu mensagem de duas mães de um grupo de parto humanizado que participou na gravidez. Elas queriam montar uma creche parental.

Carolina, que pagava R$ 1.600 por mês em uma creche regular, hoje desembolsa de R$ 350 a R$ 450 na Cria Mundo, que tem sete crianças, de 1 a 3 anos. A creche funciona três vezes por semana, das 8h30 às 12h30, na casa de duas das sete famílias participantes. Nos outros dias, cada uma se organiza à sua maneira com os filhos. O custo fixo é para pagar o salário de uma educadora e os gastos com alimentação. Uma das mães, que já trabalhou em restaurante, é responsável pela comida e, por isso, não entra na escala de cuidados como as outras famílias.

Como a intenção é voltar a cobrir todos os dias úteis, o grupo agora contratou uma pedagoga para dar consultoria. “A gente quer mais organização e a meta é chegar a dez famílias”, diz a jornalista, que reforça que chegar a um consenso das decisões é o principal desafio no dia a dia. “Mas a gente reconhece o privilégio de poder estar com os filhos, conversar e refletir sobre educação”, afirma Carolina. Para a Cria Mundo, é fundamental que as crianças tenham áreas abertas, contato com a natureza e sejam livres para brincar. Ainda assim, as atividades não se limitam às casas. “Elas participam com a gente de um grupo que resgata o conhecimento da mulher sobre agroecologia, por uma comida mais limpa. Isso as ajuda a entender que o mundo é mais do que o nosso quintal.”

RIO CLARO (SP)

FOLIA DE BEBÊS

Por se sentirem sozinhas nos primeiros meses de vida de seus bebês, duas amigas do interior de São Paulo resolveram passar mais tempo juntas. Aos poucos, chamaram outras mães e pais até formar um grupo de 12 famílias, oito delas fixas,  com 12 crianças, que se encontram todos os dias e abrem suas casas uma vez por semana para receber as outras. “No começo, a gente se reunia para compartilhar medos e anseios da maternidade. Depois, passamos a fazer um rodízio”, conta a pedagoga Leticia Sepulveda Teixeira Leite, 25, mãe de Apolo, 1, e Ruda, 3 meses. Foi ela quem começou o Folia de Bebês junto com uma amiga.

As crianças têm entre 1 e 3 anos e o grupo funciona há um ano e meio, de segunda a sexta-feira durante a tarde, um dia na casa de cada família fixa. A dinâmica é assim: a família fica responsável pela organização e limpeza no dia em que recebe a creche parental, e outras duas mães se revezam para cuidar da alimentação das crianças e dos adultos. “Não temos profissional contratado. Até seria melhor, mas algumas mães não trabalham e fica difícil pagar.” Elas também se dividem para propor atividades de experimentação, com diferentes tipos de materiais.  “A ideia é oferecer alguma coisa nova e deixar que eles explorem como quiserem.” Essas propostas incentivaram as famílias a estudar o desenvolvimento infantil para saber o que é mais adequado e desejável em cada fase da vida dos filhos. “Montamos um grupo para trocar informações e livros e eu, que ia estudar Cinema no mestrado, decidi focar nas creches parentais”, diz Letícia, que começou a pesquisa, mas logo precisou fazer uma pausa para ter o segundo filho.

Em suas primeiras análises, percebeu que esse modelo não tem padrão de organização, mas a linha pedagógica costuma ser parecida entre todos, com mais liberdade e autonomia para filhos e pais. “Não é preciso espaço nem cuidador fixo, e sim famílias interessadas e dispostas a dar seu tempo e sua energia para o grupo.”

Essa é a maior dificuldade do Folia de Bebês hoje. Algumas famílias saíram, outras novas entraram, e essa rotatividade exige readaptação, com novos combinados. Por isso, o grupo segue mais como um espaço de acolhimento do que só como uma creche parental. “A gente conversa e troca tudo, roupas, objetos e brinquedos. É um movimento de criação coletiva e acabamos tendo um amor tão grande pelo filho do outro que é como se fosse nosso também.”

PORTO ALEGRE (RS)

JARDIM NÔMADE

Sem horário e lugar fixo, sem escala entre os pais, sem custo mensal, sem definição. O Jardim Nômade é uma rede de apoio que extrapola o conceito de creche parental. “Estamos começando a nos entender como uma comunidade espalhada”, diz Guilherme Schröder, 35, pai de Lara, 2, e um dos fundadores do projeto, que começou há dois anos, com cerca de seis famílias e nove crianças no total. Hoje, o movimento conta com 20 famílias, sendo dez mais atuantes. As crianças têm até 7 anos e os encontros acontecem todos os dias, inclusive aos sábados e domingos. Só dois dias da semana são fixos, em espaços de educação livre, que cobram R$ 30 a diária. As reuniões são espontâneas, segundo a disponibilidade e a necessidade de cada um. Se um pai ou mãe precisa deixar os filhos para ir a um compromisso, recorre ao grupo. Um dos valores do Jardim é questionar o cuidado exclusivamente biológico das crianças. “Eu só cuido do meu filho, do meu núcleo familiar. Estamos tentando superar essas coisas todas”, conta Guilherme, que trabalhava como educador e deixou a profissão formal por causa desse questionamento. Hoje, faz mestrado na área de educação e quer virar agricultor.

Enquanto muitos movimentos têm as mães como principais envolvidas, neste há vários homens. “Não vou aceitar um trabalho de 40 horas e deixar minha companheira cuidando da minha filha. Vou assumir a responsabilidade com ela.” Uma das críticas que já ouviu é que só adere a esse modelo quem é “bem de vida”. Para ele, é o contrário. “Já tivemos uma cuidadora e, no fim do mês, cada um contribuía com o quanto podia e fazíamos o rateio. Agora, escola custa caro. Então, prefiro deixar de trabalhar, de ganhar e de gastar com a escola e ficar com as crianças. Não tem dinheiro envolvido.”

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