• Flávia Yuri Oshima
Atualizado em
Mulher grávida apresentando resultados em reunião (Foto: Getty Images)

Mulher grávida apresentando resultados em reunião (Foto: Getty Images)

A advogada americana Joan Williams recorda-se que se interessou pelo tema “mulher no mundo do trabalho” em 1974, em seu primeiro dia de aula na Faculdade de Direito da Universidade Harvard (Estados Unidos). Joan era a única mulher em meio a dezenas de alunos numa sala enorme, em formato auditório. “Muitas se inscrevem, mas elas não são qualificadas o suficiente”, disse o reitor. “Nos anos em que passei em grandes escritórios de advocacia, constatei que podíamos ser eficientes, mas nunca seríamos ‘qualificadas o suficiente’”, diz Joan, que se tornou uma estudiosa do assunto. Ela fundou o Center of WorkLife Law na Universidade Hastings, nos Estados Unidos, e escreveu vários livros.
Em seu trabalho What works for women at work (“O que funciona para mulheres no trabalho”, em tradução livre), Joan Williams mergulhou em 35 anos de estudos sociológicos e de psicologia social sobre as relações de mulheres e de homens com o ambiente de trabalho. Ela rastreou problemas, resultados e padrões de ascensão e de estagnação de carreira. Depois, montou um grupo com 127 executivas de empresas da lista das 500 maiores da revista americana Fortune, com o qual trabalhou por mais de três anos.

O objetivo foi confrontar padrões da pesquisa com o que ocorre hoje e saber como elas agem para contorná-los. Ao todo, 96% das executivas identificaram pelo menos três dos quatro padrões de discriminação que a mulher enfrenta no trabalho. Joan e seu grupo defendem que é preciso reconhecer que o preconceito existe e, assim, tentar evitá-lo ou neutralizá-lo. “Fingir que não há discriminação contra a mulher no mundo profissional é tornar-se presa fácil”, afirma.

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Mãe trabalhando com o filho no colo (Foto: Getty Images)

Mãe trabalhando com o filho no colo (Foto: Getty Images)

O homem também tem um papel fundamental no combate a esse preconceito. Se o pai passa a fazer questão de sair no horário para apanhar o filho, ou chega mais tarde porque o levou ao médico, por exemplo, a posição de flexibilizar o trabalho para cuidar da família deixa de ser algo feito só pelas profissionais que são mães. “É preciso que a sociedade passe a positivar a família”, diz  a psicanalista Vera Iaconelli. “Ninguém precisa ficar constrangido por não poder ficar até mais tarde porque tem filhos, nem o homem nem a mulher. A família faz parte do profissional que a empresa contrata e isso deve ser legitimado por todos”, complementa.

SELO PRECONCEITUOSO

Entre os padrões identificados pela pesquisa de Williams, há um que se refere especificamente à questão de ser mãe: é o Muro da Maternidade. Trata-se da discriminação pós-parto, que vem da ideia de que essas profissionais se tornarão menos produtivas e menos comprometidas. Na pesquisa Getting a Job: Is There a Motherhood Penalty? (“Conseguindo um emprego: há uma penalidade para a maternidade?”), feita na Universidade Stanford com milhares de profissionais dos Estados Unidos, mostra que as chances de uma mulher sem filhos ser contratada é 80% maior do que a de uma mulher com o mesmo currículo e com filhos. Na mesma situação, as possibilidades de um aumento de salário para a mulher com filhos é 50% menor. Num grupo de grandes corporações globais, as diferenças em relação à remuneração são gritantes. Segundo uma pesquisa de Joan, mulheres com filhos ganham, em média, US$ 11 mil a menos por ano que mulheres, no mesmo cargo, com o mesmo tempo de empresa e sem filhos.

Biologicamente, a mulher que gera uma criança leva cerca de um ano para se recuperar dessa enorme tarefa. “Isso não é para ser um problema. É uma questão da natureza que deve ser respeitada”, diz Vera. “O problema é que as empresas acham que ela ficará naquele ritmo diferente para sempre”, diz.

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Mulher tentando lidar com trrabalho e filhos (Foto: Getty Images)

Mulher tentando lidar com trabalho e filhos (Foto: Getty Images)

O time liderado pela pesquisadora Joan Williams identificou os problemas e as estratégias que se mostraram mais eficazes para lidar com eles. Para combater o Muro da Maternidade, a proposta é que a mulher, assim que voltar a trabalhar, chame seu chefe para conversar sobre as metas do próximo ano para mostrar que está comprometida. É normal que, nos primeiros meses de retorno ao trabalho, a mãe seja mais poupada. Isso é bom e necessário. Mas a maternidade não é motivo para colar a imagem “café com leite” na profissional para sempre. Manter o diálogo sobre metas e desempenho mantém as expectativas às claras e evita que o chefe passe a deixá-la de lado sistematicamente, mesmo que não o faça de propósito.

A repercussão desse trabalho culminou num programa internacional chamado Bias Interrupter (algo como bloqueador de preconceito, em tradução livre), em que se ensinam para profissionais e empresas como evitar os padrões preconceituosos no dia a dia.
O próprio fato de as empresas procurarem o programa para aprender a não discriminar mostra que parte delas tem consciência que o tratamento diferenciado de gênero ocorre e que precisa de ajuda para lidar com eles. “A supremacia masculina é uma cultura tão forte que é assimilada de forma automática e inconsciente. É por isso que muitos homens não assumem que exista discriminação com as mulheres. Eles não se enxergam participando disso. Mas participam”, diz Joan Williams. “Em qualquer empresa com metas mensuráveis, é evidente que as mulheres precisam fazer mais do que os homens para serem vistas da mesma forma.”

Médica preocupada (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Há números recentes que corroboram as conclusões de Joan Williams. Uma pesquisa da empresa americana Hive, State of the Workplace Report – Gender (“Relatório sobre as condições do local de trabalho – Gênero”) finalizada este ano com mais de 3 mil trabalhadores, homens e mulheres, nos Estados Unidos, constatou que as mulheres produzem 10% a mais do que os homens. Ainda assim, elas se mantêm ganhando cerca de 80% do salário de um homem no mesmo cargo e função que ela. O trabalho de Joan Williams chama esse esforço que as mulheres têm de fazer de Prove Novamente! (com ponto de exclamação mesmo, para soar de forma imperativa).

Nesta reportagem, padrões de preconceito contra a profissional que é mãe no ambiente de trabalho e seus antídotos. Para possibilitar uma vida mais equilibrada, tanto no trabalho quanto em casa, é fundamental baixar o sarrafo. Expectativas irreais da mãe ou da profissional que cada um imagina como o ideal costumam virar instrumento de autotortura. Pedir e aceitar a ajuda do parceiro, mesmo que o jeito dele seja muito diferente do seu, também é um aprendizado precioso. É uma forma de ajudar o pai a encontrar seu lugar nos deveres de casa e com filho e de, consequentemente, permitir que ele contribua para encontrar novos espaços para uma vida com menos sobrecarga, menos culpa e mais prazer.

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