• Simone Tinti
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Menino colocando moeda em cofrinho (Foto: Blend Images - JGI/Jamie Grill)

Menino colocando moeda em cofrinho (Foto: Blend Images - JGI/Jamie Grill)

Ao contrário do que muita gente pensa, não é preciso se tornar um adulto endividado para só então começar a se preocupar em gerir melhor as finanças. O aprendizado para ter uma relação positiva com o dinheiro pode começar ainda na infância.

Não é para fazer os filhos entenderem conceitos complicados de economia (que, muitas vezes, nem você compreende...). Mas, sim, dar noções do tema por meio de ferramentas lúdicas e de atividades práticas, adequadas a cada idade.

“As crianças de hoje crescerão e, amanhã, determinarão as finanças do país. Por isso, ensiná-las sobre como poupar e gerenciar suas próprias conquistas e gastos é direcionar para uma economia mais eficaz no futuro”, diz o psicólogo Emerson Marques, do Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim (Cejam), de São Paulo.

Um dos primeiros passos é dar o exemplo em casa. Quem é consumista tende a gerar um filho assim, enquanto quem poupa e estabelece prioridades ensina que é necessário planejar as despesas e esperar para conseguir aproveitar o que se deseja.

A educação financeira ainda passa por saber falar “não”, mostrando ao pequeno que ele não terá tudo o que deseja o tempo todo. “No futuro, ter conceitos de educação financeira bem resolvidos vai dar uma vantagem enorme ao jovem, pois ele saberá priorizar seus gastos e investimentos a partir de escolhas conscientes, sem se deixar levar pelo consumismo”, diz a psicóloga Rita Calegari, da Rede de Hospitais São Camilo (SP).

A publicitária Renata Bokel, 45, mãe de Bento, 12, conta que a educação financeira começou nos primeiros anos de vida do filho. Ela usou várias estratégias: pagar algumas despesas em dinheiro para que ele pudesse entender melhor os desembolsos, usar figurinhas como moeda simbólica para algumas “negociações” em casa, explicar os conceitos de “caro” e “barato”, estipular datas comemorativas como ocasiões de ganhar presentes. “E quando ele tinha entre 5 e 6 anos, começou a aprender sobre a cadeia que nos faz ganhar dinheiro. Certa vez, pediu algo numa papelaria e, ao ouvir meu ‘não’, disse que eu só precisava ir até ‘aquele lugar que cuspia dinheiro’ e estava tudo resolvido. Achei que era uma boa ocasião para explicar a ele que é do trabalho que vem o salário e, consequentemente, o saldo no cartão”, conta Renata. Hoje, o menino usa sua mesada para pagar o cinema e passeios com os amigos, por exemplo. A mãe garante que o aprendizado surtiu efeito. “Ele sabe refletir sobre como usar o seu orçamento”, afirma.

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A economista Flora Damin, diretora da Pandhora Investimentos (SP), acredita que existe hoje no Brasil um movimento importante de aprendizado sobre finanças. “Cada vez mais brasileiros buscam aprender sobre investimentos para tomar melhores decisões financeiras
e acabam aprendendo também sobre controle de gastos, priorizações e como criar objetivos financeiros”, diz.

Mas ainda há muito o que fazer, como mostra uma pesquisa divulgada em janeiro deste ano: quase metade (48%) dos consumidores brasileiros ainda não controla o seu orçamento, segundo o levantamento feito em todas as capitais pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).

A pesquisa também mostra que 78% dos brasileiros até conseguem terminar o mês com as contas quitadas, mas em 33% dos casos acabam sem sobras no orçamento. E aí está mais um ponto-chave na boa educação financeira: entender que o dinheiro não é apenas para dar conta do cartão de crédito ou guardar pelo impulso de acumular, mas, ao contrário, é um meio para conquistar desejos, como diz o psicólogo Emerson Marques. “É importante planejar junto aos filhos o que gostariam de ter, de realizar, e ensinar os caminhos para que eles consigam alcançar esses sonhos”, completa.

O PAPEL DA ESCOLA
Nessa busca por uma relação mais saudável com o dinheiro, a escola também tem sua responsabilidade na formação das crianças. Não por acaso, a disciplina passou a fazer parte da rotina escolar. Até o fim deste ano, todas as redes de ensino devem adequar seus currículos, segundo parecer do CNE (Conselho Nacional de Educação), homologado pelo MEC (Ministério da Educação).

A decisão está voltada ao ensino infantil e fundamental, e prevê que a educação financeira seja abordada de forma transversal – em diferentes disciplinas e projetos. Algumas instituições, aliás, já fazem isso. Na Maple Bear, sempre foi assim: “Não há uma disciplina de educação financeira ou empreendedorismo. Esses conceitos estão inseridos na matemática, história e qualquer outro conteúdo em que possam ser trabalhados. Os alunos aprendem a partir de experimentações, descobertas e soluções de problemas junto com os professores e colegas”, diz Arno Krug, CEO da Maple Bear.

Para as escolas que irão incluir a educação financeira no dia a dia, além do benefício individual para os alunos – que vão crescer “alfabetizados” em finanças –, os educadores destacam mais uma consequência positiva de oferecer o conteúdo nas escolas: o “efeito dominó”, já que as crianças levam muito do que aprendem para casa. “A escola é um espaço coletivo que trabalha pelo bem comum. Nesse sentido, aprender sobre finanças é mais uma oportunidade de estimular uma mudança de comportamento nas famílias”, afirma a coordenadora Evanise Goulart, do Liceu São Caetano (SP).

O consultor em comunicação Filipe Grecco, 37, está ansioso para o início da matéria na escola de sua filha Lívia, 3 anos. A família já toma alguns cuidados, como lidar com os muitos pedidos da menina no supermercado, mas há oportunidade para aprendizado. “Ainda fico em dúvida sobre como tratar desse assunto, então vai ser bom ter o apoio da escola”, diz.

Principalmente para os pequenos até 4 anos, a educação financeira pode ser trabalhada ao explicar sobre desperdício e no incentivo ao cuidado com os objetos, ao guardar os brinquedos para que não quebrem, explicar para onde vão as embalagens depois do lanche, separar o lixo para reciclagem. “São situações que trazem conceitos de ‘guardar’, ‘ter’ e ‘ganhar’. Ensiná-los não é algo que deve acontecer desconectado, solto, mas, sim, inserido nas ações cotidianas das crianças”, explica a orientadora educacional Cristina Marcondes, da escola Stance Dual (SP).

NOVOS DESAFIOS
Conforme as crianças crescem, o aprendizado evolui para a resolução de problemas de matemática e contas que envolvem porcentagens, descontos... Mais para a frente, o ensino pode incluir conceitos que vemos no noticiário, como taxa Selic e noções sobre a bolsa de valores. “Quando se tornarem adultos, quem entrou em contato com esses temas terá mais facilidade para abrir um negócio, para pedir descontos e conhecimento para não cair em propagandas enganosas”, diz a coordenadora de matemática

Dalva Seiko Suyama Conde, do Centro Educacional Pioneiro (SP). A escola também pode enfatizar que o dinheiro ajuda a conquistar desejos. Pode, por exemplo, arrecadar valores
com feiras e ajudar outras pessoas. “Na nossa escola, fizemos uma arrecadação e compramos uma mesa de pingue-pongue para um lar de crianças carentes.

Com uma atividade assim, mostramos que o dinheiro é um meio de conquistar os sonhos de outras pessoas também, não só os nossos”, diz Evanise Goulart. E cabe à família criar condições para reforçar tudo isso.

Cofrinho de porco cor-de-rosa (Foto: Jonathan Minister / Getty Images)

Cofrinho de porco cor-de-rosa (Foto: Jonathan Minister / Getty Images)

COFRINHO, SEMANADA E MESADA: EDUCATIVOS
O cofrinho e a mesada (assim como sua versão reduzida, a “semanada”) são ferramentas bem-vindas de educação financeira, pois ajudam a criança a cuidar do dinheiro e a se
planejar para conquistar desejos.

O cofrinho pode ser ofertado desde cedo, já que o visual e o material são importantes para a criança em seu processo de aprendizagem. Entre 2 e 3 anos, os pequenos até podem brincar de colocar moedas nele, sob a supervisão de um adulto, para que não engulam as peças. Mas nessa idade não se deve ter muitas expectativas sobre o seu entendimento. “Fiz um cofrinho para a minha filha e ela ficou animada, pedindo moedas para os tios e avós. Mas na horade quebrá-lo para tirar o dinheiro, ela não gostou da ideia de destruí-lo”, conta o consultor em comunicação Filipe Grecco, 37, pai da Lívia, 3.

O uso efetivo do objeto, de fato, pode começar um pouco depois. “Sugiro que os pais incentivem e conversem sobre ele a partir dos 4 anos, de um jeito que se torne divertido guardar moedas e cédulas de baixo valor para depois comprar algo simples”, diz a professora de finanças Virginia Prestes, da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) e assessora de investimentos (SP).

O cofrinho pode evoluir para a semanada e a mesada, conforme a criança vai crescendo e ganhando autonomia para fazer alguns gastos. Pode ser interessante dar uma pequena atribuição ao filho, como comprar o lanche da escola, por exemplo. Em vez de partir para a mesada (que pode ser oferecida quando sentir que o seu filho está preparado), é melhor começar com a semanada. “As crianças menores não conseguem estabelecer planos de médio e longo prazos como as maiores, assim, a semanada pode ser mais eficiente, commetas de uma semana, de um mês, ou mesmo do semestre para as sonhadas férias escolares”, diz a psicóloga Rita Calegari.

Quanto a valores, o ideal é escolher um que caiba no orçamento da família e seja suficiente para a criança economizar, comorecomenda Virginia Prestes. “Não deve ser uma quantia que sobre com facilidade, pois a ideia é ensinar o filho a escolher e se planejar.”

DICAS PRÁTICAS PRA COMEÇAR JÁ

ENTRE 2 E 3 ANOS
Ajudar a criança a conhecer as cédulas e as moedas e aprender, aos poucos, que cada uma corresponde a um valor.


Permitir que ela participe das compras. Leve o seu filho ao caixa na hora de pagar e deixe-o entregar o dinheiro.


A PARTIR DOS 4 ANOS
Brincar de jogos de tabuleiro, como Banco Imobiliário Júnior e Jogo da Vida, que envolvem planejamento financeiro e operações de compra e venda.


Montar uma “feirinha” de frutas e verduras de brinquedo, para que o seu filho invente valores e faça vendas simbólicas aos amigos.


Numa loja, os pequenos que já sabem fazer contas simples de subtração e adição podem ser incentivados a calcular o troco e quanto dinheiro restará se gastar determinada quantia.


Dar à criança a tarefa de ajudar a escolher qual produto quer levar (se for o caso, pré-selecionar as opções) e deixá-la explorar as prateleiras.


Para não ultrapassar um orçamento previamente estabelecido, faça uma lista, compartilhe-a com o seu filho e incentive-o a buscar apenas os produtos relacionados.

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