• Sabrina Ongaratto
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Lolla Poltroniere não é o nome verdadeiro da paulistana de 38 anos que mora em Vinhedo, no interior de São Paulo, mas é como ela é conhecida profissionalmente. Segundo Lolla, é uma forma de ela manter sua privacidade — são seis anos atuando como acompanhante. E nem mesmo todo o preconceito em torno da profissão impediu que ela realizasse o desejo de se tornar mãe. "A gestação foi planejada. Na época, voltei para a casa da minha mãe, tive meu filho e, depois de 50 dias, voltei a trabalhar", lembra. 

Hoje, ela é mãe solo de um menino e garante: "A maternidade interfere na profissão de qualquer mãe. Não acredito que, por ser acompanhante, interfira de uma maneira diferente". "Eu penso que a verdade nunca vai machucar uma pessoa. Meu filho saberá sempre sobre a minha profissão, na hora certa, mas o quanto antes. Eu nunca gostei de mentiras e, justamente por isso, eu não quero ser cobrada no futuro. Ele não somente saberá que a mãe é ou foi acompanhante, como também aprenderá a respeitar as acompanhantes e todas as mulheres, não importa a profissão", disse ela, em um vídeo sobre os desafios da profissão de acompanhante no Youtube. "O meu filho conhecerá a minha história", garantiu.

Lolla não tem receio de mostrar o rosto e fala abertamente sobre o assunto (Foto: Arquivo pessoal)

Lolla não tem receio de mostrar o rosto e fala abertamente sobre o assunto (Foto: Arquivo pessoal)

Em entrevista à CRESCER, ela, que não tem receio de falar sobre o assunto e faz questão de mostrar o rosto, revelou porque iniciou na profissão, quem são os homens que a procuram, refletiu sobre o preconceito. Confira!

CRESCER: Como e onde foi sua infância?
Lolla Poltroniere: Minha infância foi tranquila. Nasci e fui criada em São Paulo até os 8 anos de idade e depois vim para Vinhedo, interior do estado, onde estou até hoje. Meus pais se separaram quando eu tinha 13 anos. Ambos vieram de família evangélicas, então, fui criada em um modelo tradicional, com bases religiosas.

C: Na juventude, quais eram seus planos?
LP: Meu sonho era ter feito medicina legal, mas as condições econômicas e financeiras da minha família não condiziam com essa realidade. Para conseguir entrar numa faculdade pública, eu tinha que ter estudado em uma instituição particular, mas meus pais não tinham condição. Tampouco tinham dinheiro para pagar uma universidade. Então, infelizmente não aconteceu. Por outro lado, sempre fui muito ligada às artes, fiz balé, teatro, aula de jazz, pintura em tecido, em quadro... 

C: Quando e como você se tornou uma acompanhante?
LP: Eu decidi me tornar acompanhante em junho de 2016, depois que fechei meu salão. Eu comandei esse salão por três anos e meio, mas depois da crise, que teve início após a Copa de 2014, as coisas começaram a complicar. Então, no fim de 2015 fechei o negócio. Em 2016, ainda tentei atender as clientes à domicílio, mas não deu certo. Meu público, na época, não era home care, o que acabou me frustrando. Paralelo a isso, eu não conseguia ter nenhum tipo de relacionamento: como trabalhava muito, fazia toda a parte de cabelo, maquiagem e depilação, chegava a fechar o salão, às vezes, às 2h da madrugada. Não tinha tempo, então, acabava usando aplicativos de encontros, mas as relações nunca evoluíam. A intenção dos homens que eu encontrava na internet era sempre a mesma: sexo. Comecei a ficar muito cansada de tentar. Então, com a falta de dinheiro e as incansáveis buscas por alguém, decidi unir o "útil ao agradável" e virei acompanhante.

Lolla é mãe de um menino de 2 anos e trabalha há seis anos como acompanhante (Foto: Arquivo pessoal)

Lolla é mãe de um menino de 2 anos e trabalha há seis anos como acompanhante (Foto: Arquivo pessoal)

C: Existe muito preconceito em torno da profissão, como você lida com isso?
LP: Existe, sim, muito preconceito, mas eu lido de cabeça erguida. Meus vizinhos sabem o que faço, mas ninguém nunca me abordou para falar a respeito, são pessoas muito discretas, e eu também sou. Então, nunca ninguém chegou para mim, em seis anos, e apontou o dedo, dizendo que faço sexo por dinheiro. Sempre fui tratada com muito respeito e também nunca percebi indiferença no tratamento, apesar de ser uma cidade pequena. Eu trabalho com horário agendado e em um local estruturado, extremamente limpo e organizado. Não faço uso de drogas e não bebo. Sou uma profissional do sexo e não uma "qualquer" que faz qualquer coisa, por qualquer dinheiro.

C: Quem são os homens que a procuram?
LP: A maioria ainda são homens comprometidos. Mas, há dois anos, notei um aumento expressivo de homens solteiros, que não querem ter o trabalho de buscar uma pessoa em um aplicativo, jogar conversa fora, passar por aquele processo de conquista... Eles não querem "perder tempo", não querem compromisso com ninguém, buscam apenas sexo. Isso tem sido uma crescente.

C: Hoje, você fala sobre o assunto com naturalidade. Seus familiares e amigos têm conhecimento?
LP: Eu sempre falei do assunto com naturalidade. Minha mãe sabe. Tenho uma irmã que, assim como meu pai, não são próximos, então, somos basicamente eu e minha mãe. Minha mãe descobriu logo no início porque, na época, eu fiz um perfil profissional numa rede social, que apareceu para minha mãe como sugestão de amizade. Na época, ela pegou o celular chorando e veio me questionar. Eu morava com ela e estava saindo para trabalhar. A reação foi a pior possível, mas expliquei que estava com 32 anos e, até aquele momento, transava com os homens de graça e nunca tinha ganhado nada com aquilo. Por isso, tinha começado a cobrar. E assim seguiu. Depois disso, já tinha capital para montar minha kitinete e saí de casa.

C: Você tem um filho de quase 3 anos. A gestação foi planejada?
LP: Sim, a gestação foi planejada. 

C: Como foi o período da gestação e do puerpério? Você teve rede de apoio? 
LP: Eu me afastei, por decisão minha, do pai do meu filho, ainda na gestação. Na época, voltei para a casa da minha mãe, tive meu filho e, depois de 50 dias, voltei a trabalhar e recebi todo o apoio da minha mãe. Durante a gravidez, eu parei de trabalhar, pois não conseguia pensar em sexo, então, todo esse período foi em casa, sem nenhum contato com os homens, só me dedicando à gestação. Três meses depois que meu filho nasceu, eu voltei a morar sozinha, aluguei um novo apartamento e a vida seguiu.

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C: A maternidade interferiu na sua profissão de alguma maneira?
LP: A maternidade interfere na profissão de qualquer mãe, pois criança fica doente, tem que ficar em casa... É como se eu trabalhasse como bancária ou qualquer outra área. Não acredito que, por ser acompanhante, a maternidade interfira de uma maneira diferente.

C: Como é sua rotina? Você trabalha exclusivamente como acompanhante?
LP: Eu acordo, levo meu filho para a creche e vou para o meu local de atendimento. Mas também estou investindo em outra área, que é a confeitaria artística. Eu comecei por hobby, em 2018, mas por causa da falta de estudo e técnica, acabei desistindo. Doces e bolos personalizados são uma ótima "ponte" para externalizar a criatividade. Ainda estou investindo, mas tenho o objetivo de viver exclusivamente da confeitaria artística no futuro. Por enquanto, estou começando, então, ainda não sei quando isso será possível.

C: O pai participa ativamente da criação do seu filho?
LP: O pai do meu filho não é brasileiro. Ele é argentino, trabalha como motorista internacional e viaja pelo Mercosul, então, sempre que pode, faz suas visitas. Mas, infelizmente, a profissão dele não permite que ele fique aqui por muito tempo. Mesmo assim, falamos todos os dias, ele faz videochamadas e, dentro do possível, participa ativamente da vida do filho.

C: Você tem receio de algum possível julgamento futuro do seu filho por causa da profissão?
LP: Como mãe, nunca queremos que nosso filho sofra. Mas eu sempre digo que crio um homem, não um saco de batatas. Ele vai aprender a respeitar as escolhas das pessoas, assim como as diferenças entre elas. Entender que todos somos diferentes e está tudo bem. A nossa opinião vai até onde começa a do outro. Ele vai aprender a respeitar e ser respeitado. Na minha opinião, a sociedade seria muito melhor se fosse comandada por mulheres — teríamos menos preconceito, menos violência e menos intolerância. Mas a mudança deve partir da gente, principalmente de nós, mães de meninos.

C: Quais os maiores desafios de uma acompanhante?
LP: Acredito que é se ver como profissional. Muitas mulheres, nessa profissão, se escondem atrás da privacidade e do preconceito para não se libertarem e não baterem no peito e dizer: "Sou acompanhante". Claro que cada uma sabe dos seus problemas, mas eu sempre defendo: "Se não você, quem? Se não hoje, quando? Você tem que ser a mudança". Eu achei que ficaria por um ano nessa profissão, mas estou há seis anos e gosto do que faço. Quero investir na confeitaria porque é a profissão que me vejo no futuro. Mas quando me vi acompanhante, meu primeiro passo foi me profissionalizar. Fiz um ensaio profissinal e montei um local de atendimento estruturado. Mas, hoje, a maior dificuldade da acompanhante, para mim, é se ver como profissional, e o desafio é acabar com o próprio preconceito. Temos dificuldades iguais a todas as profissões, mas quando você se posiciona no mercado como profissional, tudo muda. Nunca me escondi atrás de fotos falsas. O que temos é um nome fictício para manter nossa privacidade, assim como os clientes também gostam de manter a sua. Então, acredito que isso tenha tornado minha trajetória profissional e minha vida pessoal mais fáceis.

Lolla disse que seu filho vai aprender a respeitar suas escolhas (Foto: Arquivo pessoal)

Lolla disse que seu filho vai aprender a respeitar suas escolhas (Foto: Arquivo pessoal)

C: O que você diria para as pessoas que a julgam sem conhecê-la?
LP: Cada pessoa sabe da sua realidade. Eu, por exemplo, não considero a minha profissão um defeito. Eu trabalho e sou embaixadora de uma das plataformas mais sérias no ramo de acompanhantes, que diariamente busca o combate à fraude, à falsidade ideológica, que combate uma série de crimes descritos no código penal, que busca o empoderamento da profissão, que tenta eliminar o preconceito e o estigma que nos acompanha há anos. Eu mostro meu rosto, meu corpo natural — sem plástica —, eu fui mãe. Minha profissão é legalizada, não é crime. Então, caminho lado a lado de pessoas que pensam como eu e buscam a melhoria da profissão. Por isso, não preciso me justificar ou explicar, faço o que meu coração manda e ponto.