• Malu Echeverria
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“Não gostei dela, mãe. Ela tem a pele escura.” A resposta do filho de apenas 5 anos, ao ser questionado sobre a nova babá, deixou em choque uma das amigas da premiada jornalista e escritora norte-americana Melinda Wenner Moyer. A amiga e o marido, que até então acreditavam estar criando filhos para serem pessoas bacanas, não tinham mais certeza. E, pior, não sabiam o que fazer. É com essa pequena história que Melinda Moyer – que dedicou sua carreira a cobrir ciência, medicina e parentalidade – começa o livro How to Raise Kids Who Aren’t Assholes (“Como Criar Filhos que Não Sejam Idiotas”, em livre tradução), Editora Headline Home, lançado há pouco nos Estados Unidos.

Todo pai e mãe, eventualmente, vai ter de lidar com situações e temas espinhosos como esse. Não somos as únicas influências de nossos filhos, afinal. A boa notícia é que recebemos inúmeras oportunidades de ensinar valores aos pequenos no dia a dia. Mãe de um casal de crianças, Melinda Moyer sabe que vale a pena se apoiar em informação de qualidade para tomar decisões que digam respeito à educação. Por isso, todas as dicas da autora são baseadas em evidências científicas. Ao mesmo tempo, ela reconhece que, muitas vezes, elas podem ser contraditórias e mais confundir do que ajudar as famílias. O racismo é apenas um dos exemplos.

Ajudar as famílias a interpretar tanta informação e a colocá-las em prática foi uma das razões pelas quais Melinda decidiu escrever esse livro: “Acredito que o nosso trabalho como pais, hoje, é mais crucial do que nunca. O mundo está passando mensagens perigosas aos nossos filhos sobre a maneira como devem se comportar e tratar uns aos outros – mensagens que devemos desafiar e neutralizar o quanto antes”, diz. No entanto, ressalta que a obra não pode se transformar em mais um motivo para os pais julgarem a si mesmos. Ao contrário, ela quer que eles se sintam empoderados. “Quanto mais aproveitarmos essas oportunidades, quanto mais nos informarmos sobre como as coisas funcionam, mais certeza teremos de que nossos filhos vão se tornar o tipo de pessoa que queremos – o tipo de pessoa de que o mundo realmente precisa”, conclui. A seguir, acompanhe nossa conversa com a autora.

Melinda Wenner Moyer (Foto: Divulgação)

Melinda Wenner Moyer (Foto: Divulgação)

"Ao criar filhos gentis, estamos, na verdade, os preparando para o sucesso”"

Melinda Wenner Moyer

CRESCER: Desculpe a pergunta óbvia, mas o que você define como idiotas? Por que, muitas vezes, um idiota que é rejeitado por alguns pode ser reverenciado por outros?
Melinda Wenner: Verdade! Não tenho uma definição simples e única, mas classifico como idiota alguém que tem, pelo menos, algumas das seguintes características: ele ou ela é egoísta, não tem compaixão e empatia, talvez tente intimidar os outros, é desonesto e também se comporta de maneira racista e sexista. No meu livro, eu queria compartilhar o que a ciência diz sobre criar filhos com o oposto dessas qualidades. Em resumo, como criar filhos que são gentis, generosos, prestativos, resilientes, honestos, antirracistas e antissexistas.

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C: Todo mundo quer que seus filhos façam do mundo um lugar melhor. Mas, se eles se tornarem “bonzinhos demais”, não serão passados para trás?
M.W.: Não acredito que assertividade e gentileza sejam mutuamente exclusivas. Acho que você pode ser compassivo e atencioso, e também estar disposto a se defender. E a ciência mostra que pessoas gentis têm mais probabilidade de ter sucesso. Um estudo de 2018 descobriu que as crianças que foram avaliadas pelos colegas como mais prestativas no Ensino Fundamental tiveram notas melhores posteriormente, tanto no Fundamental como no Ensino Médio, e que seu QI não influenciava essas diferenças. Já em outra pesquisa, de 2015, os cientistas acompanharam um grupo de crianças do Jardim de Infância aos 25 anos, relatando que os alunos do Jardim de Infância que cooperaram bastante com os colegas, ajudaram os outros e resolveram problemas por si próprios tinham mais probabilidade do que as outras crianças de se formar na faculdade e de ter empregos estáveis quando adultos. Portanto, ao criar os filhos para serem gentis, estamos, na verdade, os preparando para o sucesso.

"Muitos pais brancos presumem que, se não falarem sobre raça com seus filhos, eles não vão perceber”"

Melinda Wenner Moyer

C: De que maneira, na sua opinião, o discurso de ódio presente na internet e até mesmo nas palavras de políticos pode influenciar essa geração?
M.W.: Sabemos que as crianças aprendem com o comportamento dos adultos ao seu redor – especialmente os poderosos. Então, quando as crianças veem ou ouvem pessoas influentes (como políticos) fazendo comentários depreciativos ou odiosos, elas começam a pensar: “Eu deveria fazer isso também, porque é o que pessoas poderosas fazem”. Sabemos disso por meio de uma teoria bem-aceita em psicologia conhecida como a Teoria do Aprendizado Social, desenvolvida na década de 1960 pelo psicólogo da Universidade Stanford Albert Bandura. E vimos isso em ação nos Estados Unidos, com crianças repetindo literalmente comentários odiosos que ouviram do [ex-presidente] Donald Trump durante as eleições de 2016. Em novembro do mesmo ano, por exemplo, a ONG de advocacia Southern Poverty Law Center compilou uma lista de incidentes de ódio que aconteceram nas escolas imediatamente após a eleição presidencial. Os professores ouviram crianças gritando “Construa um muro” nos refeitórios da escola e meninos falando sobre agarrar colegas de classe “pela boce*a”, as palavras exatas que Trump usou em referência às mulheres.

C: Outro tópico que, certamente, não pode ficar de fora dessa discussão, como você ressalta no livro, é o racismo. Como podemos falar sobre  isso com as crianças?
M.W.: Muitos pais brancos presumem que, se não falarem sobre raça com seus filhos, eles não vão perceber ou fazer um grande alarde a respeito – e não vão se tornar racistas. Mas as pesquisas mostram que até mesmo os bebês diferenciam a cor da pele, e que crianças em idade pré-escolar costumam fazer inferências e suposições racistas. Isso ocorre porque as crianças são como pequenos detetives: estão sempre olhando para o mundo à sua volta, tentando entendê-lo. Elas estão tentando descobrir quais categorias sociais são importantes e por que o mundo tem essa aparência. As crianças rapidamente percebem que a raça parece ser importante quando se trata de quão bem as pessoas se saem no mundo, e que os brancos tendem a ser mais poderosos, bem-sucedidos e ricos. Em seguida, buscam dar sentido a essa observação, e, se os adultos não explicam às crianças que o racismo sistêmico é responsável por criar e sustentar essa hierarquia, elas chegarão à conclusão mais simples: que os brancos devem ser mais poderosos porque são, de alguma forma, mais inteligentes ou melhores. Precisamos conversar com os filhos sobre o racismo e explicar como ele cria as hierarquias que vemos. Além disso, devemos normalizar as conversas sobre a cor da pele. Se nossos filhos fizerem perguntas sobre raça ou cor da pele, não devemos calá-los, porque isso envia a mensagem de que raça é ruim e que não devem vir até nós com perguntas sobre isso. E caso eles façam um comentário racista, em vez de brigar, devemos procurar entender o que eles quiseram dizer com o comentário e, então, explicar com calma por que o que disseram é doloroso.

"Precisamos conversar sobre o racismo e explicar como ele cria as hierarquias que vemos”"

Melinda Wenner Moyer

C: Mas o que, afinal, molda o caráter e o comportamento de um ser humano: a família, o contexto social, os genes? Algum deles é mais importante?
M.W.: Muitas coisas. Além da genética, seus hormônios, seu temperamento, sua saúde mental, suas experiências anteriores, como foram criadas. Não sabemos exatamente com quanto cada um contribui – essa é a pergunta de um milhão de dólares.

C: Então podemos falar de algo que (talvez) esteja sob nosso controle: o que a ciência diz hoje sobre a influência dos pais nos filhos? Existe algum modelo parental ideal?
M.W.: Sabemos que a parentalidade realmente importa porque diversos estudos mostraram como as mudanças no modo de educar – incluindo treinamento dos pais – afetam as crianças, o que sugere não só que essas estratégias fazem diferença como também que os filhos respondem à maneira como são criados. Filhos de pais que sabem se impor [que, em inglês, a autora chama de authoritative], que são afetuosos e receptivos, porém exigentes, tendem a se sair melhor. Esse tipo de pai e mãe incentiva a individualidade do filho e está disposto a explicar e a negociar, mas também coloca limites claros. Nesse caso, as crianças têm maior probabilidade do que seus colegas de apresentar um bom desempenho escolar, são mais independentes e honestas em relação aos pais, se envolvem menos em comportamentos arriscados e também são generosas.

"Muitos valentões não entendem a relevância de suas ações. Pensam, aliás, que todos estão se divertindo”"

Melinda Wenner Moyer

C: Quando o assunto é educação, o bullying sempre entra na pauta. Mas, geralmente, pensamos que nosso filho pode sofrer bullying, e jamais ser o agressor, certo?
M.W.: Exatamente, as pesquisas mostram que pais de crianças que se envolvem em comportamentos de intimidação são os que menos pensam dessa forma. Fazemos vista grossa com frequência e presumimos que elas nunca fariam coisas desse tipo. Mas o fato é que muitos valentões não entendem a relevância de suas ações. Alguns pensam, aliás, que todos estão se divertindo. Portanto, os pais não só precisam conversar sobre bullying, para explicar do que se trata, como mostrar que o impacto é mais forte do que a intenção.

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C: Tudo isso parece dar trabalho. Mas vale muito  a pena, certo?
M.W.: A ciência sugere que a forma como nos relacionamos com nossos filhos é realmente importante. Nós, como pais, podemos fazer uma grande diferença em termos de transformar nossos filhos em bons seres humanos. Se um número suficiente de pais ficar atento às estratégias cientificamente comprovadas, podemos criar coletivamente uma geração que tornará o mundo um lugar melhor. E eu não acho que dê muito trabalho, não. Na verdade, espero que as estratégias que delineei em meu livro tornem a vida dos pais mais fácil, reduzindo os conflitos em casa e dando a eles respostas para muitas questões que podem ter tido por muito tempo, mas não sabiam como resolver.


5 respostas para situações difíceis
Veja algumas estratégias, comprovadas cientificamente, para lidar com assuntos complexos, mas que jamais devem ser ignorados

Racismo
Comece educando a si mesmo sobre o assunto. Fale aberta e diretamente sobre racismo. Estimule as crianças a se relacionarem com pessoas de diferentes raças e ideias.

Sexismo
Evite reforçar os gêneros, prefira expressões como “crianças”, em vez de “meninos” e “meninas”. Estimule seu filho a brincar com todas os pequenos, independentemente do sexo, e a fugir dos estereótipos nas brincadeiras.

Bullying
Converse sobre o tema, explicando por que é errado fazer e como agir se testemunhar alguém sofrendo intimidações. Se o seu filho é a vítima, aprofunde o assunto em casa e na escola, com o objetivo de criar uma estratégia para mantê-lo em segurança.

Palavrões
Faz parte do desenvolvimento, por isso, reaja com tranquilidade. Não há problema se a criança quiser falar (alguns, ao menos) palavrões, em particular, em casa, para expressar raiva.

Briga entre irmãos
Evite comparar os seus filhos. Seja sempre o mediador dos conflitos, ouvindo ambos os lados, e criando soluções juntos.

Fonte: How To Raise Kids Who Aren’t Assholes (Editora Headline Home)

How To Raise Kids Who Aren’t Assholes, de Melinda Wenner Moyer, (Editora Headline Home), R$ 41,83* (*Preço consultado na Amazon.com) (Foto: Divulgação)