• Nathália Armendro
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Solidão é um dos sentimentos mais comuns entre as crianças durante a pandemia, diz psicóloga (Foto: Pexels)

Solidão é um dos sentimentos mais comuns entre as crianças durante a pandemia, diz psicóloga (Foto: Pexels)

Elas perderam a escola, o convívio com os amigos, os passeios e até as visitas aos avós. se 2020 foi um ano desafiador para nós, pais, as crianças estão muito longe de terem passado ilesas pela pandemia do novo coronavírus. E entre tantas perdas, ainda ganharam pais atarefados, sobrecarregados e culpados. Como podemos ajudá-las a lidar com todos esses sentimentos e qual o papel deles na formação emocional dos pequenos?

Para entender melhor nosso importante papel nesta travessia, a CRESCER conversou com a psicóloga Nanda Perim, mãe de Théo, 6, e Gael, 4, que é também educadora parental do comportamento e do sono.

“As crianças têm sentido muita saudade do convívio social. Depender apenas das pessoas de casa para suprir suas demandas é muito pouco. É preciso de toda uma aldeia, certo? Crianças sentem falta da Aldeia. Além disso, como os pais estão sobrecarregados e cansados, além de solidão e tédio, as crianças também têm sentido muita rejeição. Se sentem preteridas porque os pais têm coisas demais pra fazer”, explica.

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Todas essas sensações, claro, repercutem no corpo físico das crianças, segundo explica a especialista, e é esta a origem das alterações de comportamento que temos enfrentado desde que o isolamento começou.

“A reação do corpo é se sentir em perigo. Ele reage como se precisasse se defender: o estresse (cortisol alto) torna a criança mais agitada, comendo mais e dormindo menos. Além disso, para lidar com essas ameaças, o corpo da criança acha que precisa se proteger e libera adrenalina e nora adrenalina, deixando-a ainda mais hiperativa. Ela está gastando menos energia trancada em casa, e também está precisando lidar com toda essa neuroquímica do estresse e do medo. A soma desses fatores traz não só comportamentos eufóricos e hiperativos, aumento de estresse e piora do sono, mas também deixa a criança ainda mais sensível; eventualmente hipoativos, depressivos e tristes”, detalha.

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O papel das emoções

Embora lidar com todos esses sentimentos seja desafiador - tanto para as crianças quanto para os pais, a exposição a diferentes emoções é uma parte importante do processo de desenvolvimento do indivíduo. "Vivenciar as emoções em sua intensidade natural é saudável, aprender quais são os sentimentos e como lidar com eles. E a melhor forma de aprender a lidar é através do modelo, é vendo o adulto sabendo lidar."

Segundo explica a psicóloga, a criança começa a conseguir identificar os seus sentimentos a partir dos 3 anos – quando conhece as palavras e percebe o que está sentindo. Mas Nanda explica que a compreensão mais abstrata dessa relação só será desenvolvida depois dos 6 ou 7 anos. “Quanto mais cedo ela for apresentada para as emoções (e para isso os pais devem desde sempre nomeá-las), mais cedo conseguirá entender, distinguir e aceitar cada uma. Lembrando que emoções não têm cara: cada criança expressa emoção de uma forma. Conheço criança que dá gargalhada quando está com medo, e criança que chora quando está feliz. Não padronize emoções”.

Ainda assim, Nanda faz um alerta: "Devido à forma como a pandemia está sendo tratada em nosso país, já estamos há mais de nove meses em isolamento, e não há nada saudável nessa quantidade e intensidade de medo, frustração e saudade coletivos que estamos vivendo."

Como ajudá-los?

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A palavra de ordem é: ROTINA. Ter um ritmo que ajude a criança a prever as atividades que o dia terá dão a ela segurança e, portanto, reduzem a ansiedade. Também é importante incluir momentos que empolguem os pequenos na rotina: um tempo junto com os pais antes de começar o home office, no almoço e logo depois do horário de trabalho.

“Uma coisa que ajuda demais é ver a criança com olhos de quem está vivendo algo difícil, assim os pais não ficam levando esse comportamento para o ‘lado pessoal’, como se fosse algo decidido e planejado pela criança. Além disso, os pais precisam cuidar do seu próprio estresse, para que não despejem isso tudo que também estão vivendo na criança. Se estão todos com cortisol elevado, estressados e mal-humorados, os pais precisam ser os maduros da relação”, explica Nanda.

A rotina também é uma forma de fazer com que a criança se sinta amada em vez de rejeitada, porque ela sabe que o tempo com os pais é garantido em algum momento.

Flexibilizar o isolamento é uma boa ideia?

Se por um lado ter mais gente ajudando na aldeia é importante, por outro Nanda destaca que a pandemia é uma importante oportunidade para ensinarmos os pequenos sobre o cuidado coletivo, e ao flexibilizar o isolamento também colocamos pessoas em risco. “Um encontro precisa ser planejado de forma extremamente cuidadosa. Com certeza vacinar primeiro professores e funcionários de escolas junto com os de hospitais seria o ideal, assim reabriríamos escolas e as crianças estariam muito melhor, como aconteceu no Reino Unido, por exemplo.”