• Sabrina Ongaratto
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Os pais devem prestar atenção no tempo em que recém-nascido fica no bebê conforto (Foto: Thinkstock)

Os esquecimetos acontecem, principalmente, em cidades mais populosas (Foto: Thinkstock)

"Não dá para julgar. Somos traídas, sim! Pelo cansaço, pela falta do sono, pelo stress. Não eh falta de zelo e muito menos de amor". Essa é a lição que a fonoaudióloga Michelle Ziller, 40, aprendeu na prática. Foi há 5 anos, em um das vezes em que ela foi até o supermecado. "Esqueci meu filho, que eu amo de paixão, por longos 5 minutos dentro do carro no estacionamento. Minha mãe me ligou, eu saí falando ao celular e fechei a porta. Continuei falando enquanto esperava o elevador e só me lembrei dele quando desliguei o telefone. Aquele dia, meu mundo caiu", lembra.

Na época, João Lucas, filho de Michelle, tinha menos de 1 ano (Foto: Reprodução Facebook)

Na época, João Lucas, filho de Michelle, tinha menos de 1 ano (Foto: Reprodução Facebook)

Felizmente, foram apenas 5 minutos e João Lucas, hoje com 6 anos, saiu ileso. Mas foi o bastante para Michelle aprender que pode acontecer com qualquer um, a qualquer momento. "Havia 1 ano que eu não dormia duas horas seguidas na função de amamentá-lo. Nas horas vagas, cuidava da mais velha. Sofri e sofro até hoje com o que poderia ter acontecido. E foi a partir daí que percebi que somos vulneráveis e que o que acontece com a família mais distante pode, sim, acontecer com a nossa", afirma. E pode mesmo! Infelizmente, é uma ocorrência tão comum no mundo todo que recebeu até nome: Síndrome do Bebê Esquecido.

Só na Austrália, de acordo com a Kidsafe -  Fundação de Prevenção de Acidentes Infantis -, mais de 5 mil crianças são resgatadas todos os anos de dentro de veículos fechados. Já nos Estados Unidos, nos últimos vinte anos, 794 morreram por esse motivo. Mais da metade (54%) são crianças com menos de 2 anos.

Brasil: o problema da falta de estatísticas

No Brasil, por incrível que pareça, não há dados sobre esse tipo de ocorrência. A engenheira ambiental e pesquisadora Driely Costa, descobriu isso durante um intercâmbio nos Estados Unidos. Ela e o professor e pesquisador Andrew Grudstein, da Universidade da Gerogia, queriam entender melhor como as condições climáticas interferiam nos casos de mortes de crianças por esquecimento em veículos. Como ele já havia feito um estudo nos Estados Unidos, a ideia era focar no Brasil. Mas, logo de início, a dupla esbarrou na falta de informações.

"A maior dificuldade foi que, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil não tem um banco de dados oficial com registros de mortes por esquecimento em veículos. Os dados mais próximos que consegui foram do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), mas na hora de pesquisar os filtros, todas as mortes relacionadas a veículos eram contabilizadas juntas, o que nos fez perceber que precisaríamos utilizar o mesmo método das primeiras pesquisas americanas: a análise de jornais”, conta Driely.

Depois de um ano de estudos, ela descobriu que de 2006 a 2016, pelo menos 45 crianças foram esquecidas dentro de veículos no Brasil. Destas, 24 acabaram morrendo. Com todas as informações em mãos, foi possível também traçar um perfil, ou seja, entender como a maioria dos casos acontecem. “Os esquecimentos geralmente se dão durante a semana, de quarta a sexta-feira, e quando há uma mudança de rotina na vida dos pais”, afirma Driely.

Por que as crianças são esquecidas?

Diferentemente do que a pesquisadora e o professor Andrew imaginavam, as mortes no Brasil não estão diretamente relacionadas as altas temperaturas, mas, sim, aos hábitos da população. Segundo o estudo, praticamente um terço dos casos de esquecimento no país foram registrados em São Paulo (16), seguido por Minas Gerais (8) e Rio de Janeiro (5). "São os locais com maior concentração de pessoas, onde a vida e a rotina costumam ser mais agitadas", explica. Na maioria dos casos (62%), as crianças estavam sob o cuidado dos próprios pais.

Os dados confirmam, portanto, que uma simples mudança na rotina é o suficiente para engordar essa estatística. "Em muito casos, as crianças são encontradas nos estacionamentos das empresas. Que é quando uma pessoa que normalmente não costuma levar e buscar a criança na escola, acaba encarregada dessa atividade", diz.

Menina de 2 anos morreu após ficar 3 horas trancada em carro em Minas Gerais (Foto: Reprodução Instagram)

Menina de 2 anos morreu após ficar 3 horas trancada em carro em Minas Gerais (Foto: Reprodução Instagram)

No Brasil, um dos casos de maior repercussão aconteceu há exatamente um ano, em Minas Gerais. O pai, um comeciante de Janaúba, que deveria levar a filha de 2 anos na escola, acabou esquecendo a menina por 3 horas dentro do carro, em frente a empresa que trabalha. Assim como aconteceu com Michelle, uma ligação foi o suficiente para distraí-lo. Infelizmente, Mariana Freitas Vidal não resistiu e acabou morrendo no hospital duas horas após ter sido socorrida.

Ainda segundo Driely, há também casos em que as crianças conseguem ter acesso as chaves veículos. "Elas acabam se trancando e não conseguindo sair. No Brasil, encontrei duas ocorrências desse tipo, mas nos Estados Unidos é bem mais frequente", conta. Tem ainda aquelas que são deixadas dentro do carro de forma proposital. "É aquela história de 'vou ali e já volto'. Os pais acham que vai ser rapidinho, mas acabam demorando", explica. 

O que acontece dentro de um carro?

Segundo os pesquisadores, essas "saidinhas rápidas" podem ser extremamente perigosas. Apesar de o fator climático não ser o maior influente, dependendo do carro, das condições ambientais e idade da criança, o óbito pode ocorrer em apenas meia hora. "Quando se começa a analisar o efeito estufa dentro de um carro fechado, mesmo que o clima ambiente não esteja quente, a temperatura é capaz de se elevar muito nos primeiros vinte ou trinta minutos. Depois disso, não varia muito", explica Driely.

De acordo com o estudo, o interior de um carro pode aquecer 16°C em apenas 15 minutos e 26°C em uma hora. "O carro funciona como uma estufa. A partir do momento em que está todo fechado e sem ventilação, ele retém a radiação solar e vai aumentando a temperatura. Veículos de cores escuras e com películas nos vidros, o efeito pode ser ainda pior", explica a estudante. 

"Crianças são mais sensíveis ao calor que os adultos. Portanto, as altas temperaturas dentro de um carro pode levar à insolação e desidratação. Já a faixa etária mais sensível é até os dois anos. Então, quanto maior a criança, mais tempo ela é capaz de aguentar", diz. "Dia nublado ou mesmo na sombra, continua sendo perigoso. Os primeiros quinze minutos já são suficientes para a criança começar a sofrer as consquencias", alerta.

VÍDEO: Veja o que acontece com um bebê esquecido no carro. É assustador!

Como prevenir essas tragédias?

Driely esclarece ainda que "é uma situação que pode acontecer com qualquer pessoa, por isso, não se pode culpar os pais, mas sim orientar a sociedade para tomar medidas de prevenção”, finaliza. "As escolas e creches poderiam ajudar, criando um procedimento padrão de entrar em contato com os responsáveis para saber por que os alunos não chegaram", sugere. "Já se falam em alguns dispositivos como cadeirinhas com alerta sonora, mas as ações precisam ser imediatas", afirma.

A autora do estudo ainda faz um pedido. "No Brasil, não conseguimos saber exatamente quantos casos existem por falta de dados, e isso é preocupante. A única fonte, no momento, são as notícias, mas elas estão sendo retiradas do ar a pedido dos pais", explica. Por isso, ela pede que qualquer informação relacionada a casos de esquecimentos de crianças sejam enviadas por email (driely.costa@engenharia.ufjf.br). "O publicado na revista International Journal of Environmental Research and Public, da Suiça, segundo Driely, mas pretendemos continuar a atualização dos números", diz.

O artigo termina com algumas dicas preventivas para os pais:

- Nunca deixe uma criança sozinha em um veículo;

- Sempre confira os bancos de trás antes de deixar o veículo;

- Sempre tranque as portas para prevenir que crianças tenham acesso ao veículo;

- Se você avistar uma criança esquecida em um veículo, ligue para a emergência (190);

- Programe uma confirmação de chegada/partida com os funcionários da creche/escola.

Ainda sobre dicas, segundo a ONG Criança Segura, colocar um objeto da criança no banco do passageiro; usar aplicativos que alertam sobre a presença da criança ao chegar no destino; e instalar espelhos retrovisores infantis também podem ajudar a prevenir acidentes.