• Naíma Saleh
Atualizado em
Síndrome de Down: sim, os avanços são muitos, mas ainda há muito o que mudar (Foto: Thinkstock)

Síndrome de Down: sim, os avanços são muitos, mas ainda há muito o que mudar (Foto: Thinkstock)

21 de março é o Dia Internacional da Síndrome de Down. E há muito o que comemorar. Nos últimos 30 anos, a expectativa de vida dessa população praticamente dobrou. Se no fim da década de 80 a média de vida era de 25 a 30 anos, hoje, a expectativa está na casa dos 60 e não para de crescer. Sim, os avanços na saúde são consistentes. É possível detectar e tratar problemas recorrentes  - como as cardiopatias (que acometem 50% da população Down), a hipotonia (diminuição da força e do tônus muscular) e comprometimentos auditivos e visuais - antes que eles prejudiquem a saúde e a qualidade de vida.

Mas não é só isso. “Existe algo mais do que a medicina para explicar porque as pessoas com Down estão vivendo mais. Senão a expectativa de vida de pessoas comuns também teria dobrado”, explica a pediatra Ana Claudia Brandão, especialista em síndrome de Down do Hospital Albert Einstein (SP). Para ela, mudou a forma como as crianças estão inseridas na sociedade. “Hoje, elas não se escondem mais: estudam, passeiam, estão no mercado de trabalho”, explica. O geneticista Zan Mustacchi, do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (SP), que trabalha há 40 anos com Síndrome de Down, concorda: “Abriram-se portas para que o processo de capacitação e empoderamento de pessoas com síndrome de Down ocorresse, dando a oportunidade para que elas mostrassem suas capacidades”. E todos saem ganhando. Um estudo de 2014, encomendado pelo Instituo Alana, comprovou que empregar pessoas com síndrome de Down pode melhorar a saúde da empresa, gerando um impacto positivo em áreas que incluem a motivação da equipe, liderança, cultura e clima.

Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Novos desafios


Embora tanto na saúde, quanto na educação, as políticas públicas tenham alcançado avanços significativos garantidos por lei, nem sempre essas regras são respeitadas na prática. “ É um paradoxo. Houve um grande avanço na legislação. Mas, ao mesmo tempo, não conseguimos efetivá-la”, explica Maria Antônia Goulart, coordenadora do Movimento Down (RJ).

O Ministério da Saúde publicou em 2012 uma diretriz de cuidados a pacientes com síndrome de Down que contém todos os exames e procedimentos necessários para prevenir e tratar doenças comuns nessa população. É uma grande – e necessária – conquista para garantir saúde e qualidade de vida. O problema é que médicos e profissionais de saúde ainda não têm conhecimento dessas diretrizes. "É preciso que elas sejam disseminadas, fazendo parte dos programas de formação da atenção básica, que sejam abraçadas por agentes comunitários de saúde, que estejam realmente integradas ao sistema", explica Maria Antônia.

O mesmo abismo ainda separa as políticas educacionais da realidade das crianças na educação básica. Até 2003, quando a inclusão entrou na pauta do governo, grande parte das crianças com algum tipo de deficiência ainda frequentava escolas especiais. Naquele ano, apenas 23% estavam matriculadas em escolas regulares. Em 2015, felizmente, esse número subiu para 80%.

Embora o direito de se matricular em qualquer escola sem discriminação seja garantido por lei, a realidade ainda não condiz com a teoria. “Ainda há muita dificuldade de garantir a matrícula e permanência das crianças na escola regular. Algumas famílias chegam a visitar 20, 30 instituições e ainda escutam respostas como: ‘a gente aceita, mas não está preparado’. Se você é uma instituição de educação e ensino, você precisa estar pronto para ensinar a qualquer um”, comenta Maria Antônia. Além disso, ainda existe um mito de que a inclusão só é importante para a socialização das crianças e não tanto para fins acadêmicos. Isso não é verdade. A ideia da inclusão não é que os alunos comuns aprendam sobre fotossíntese enquanto os estudantes com Down pintam com giz de cera. As crianças devem acompanhar o mesmo conteúdo dado em sala, com adaptações, sem se desviar para atividades paralelas. “Crianças com Down aprendem muito mais por estímulos visuais do que auditivos”, exemplifica Mustacchi.

Também acontece com frequência de escolas disponibilizarem um cuidador para ficar por conta apenas da criança com Down, que acaba ficando alienada da turma. E essa é uma prática que divide opiniões mesmo entre as famílias de crianças com Down, já que muitas querem ter certeza de que os filhos não ficarão desassistidos. Para Maria Antônia, o modelo que chega mais perto do ideal é o da bidocência, que institui dois professores das turmas em que há uma criança com deficiência. "Não é um professor e um assistente: são dois professores, que trabalham juntos, desenvolvendo estratégias inclusivas e pensando na sala como um conjunto, que inclui a criança com Down", comenta. E acredite: a convivência é positiva para todos quando a inclusão ocorre de fato. No ano passado, o Instituto Alana publicou um levantamento sobre os benefícios da inclusão para estudantes com e sem deficiência, a partir da análise de 280 estudos publicados em 25 países. A conclusão? Para crianças com deficiência, a inclusão traz benefícios substanciais tanto cognitivos quanto sociais. Para crianças comuns, tem efeitos neutros ou positivos.

A grande diferença


Existe apenas uma grande barreira que separa pessoas com Down de pessoas comuns: a oportunidade. Pessoas com Down não são todas iguais, não merecem ser tratadas de forma infantilizada e nem são menos capazes. “No começo, recebia muitos comentários do tipo:’você vai ter um bebê para o resto da vida’. E eu respondia não: ele vai ser um rapaz, vai crescer, vai trabalhar. Toda mãe quer que o filho se desenvolva, se torne independente”, conta Rafaela, mãe de Luiz Henrique, de 1 ano e 7 meses. É esse tipo de comentário que mostra como a falta de informação pode desenhar um quadro completamente distorcido sobre a realidade dessas pessoas.

Antigamente, acreditava-se que a síndrome causava uma deficiência intelectual severa. Mas, hoje, sabe-se que com intervenções precoces, terapias e acompanhamento especializado, as crianças conseguem aprender e desenvolver a autonomia, respeitando seus próprios limites, como qualquer um. Síndrome de Down não é doença, é uma condição. Não causa problemas mentais, mas, sim deficiência intelectual. E as pessoas com Down não são todas amorosas e afetuosas, como rezam os esteriótipos: cada uma tem a sua própria personalidade.

“Não há como combater os preconceitos, porque um pré-conceito é sempre sobre algo que não se conhece, mas é possível construir novos conceitos”, resume Zan. Do que as crianças, jovens a adultos com síndrome de Donw precisam? De respeito, afeto e carinho, como qualquer outra pessoa. Não existe diferença – afinal, o que é normal? – existe diversidade. E quanto antes ensinarmos nossos filhos a enxergar pessoas, em vez de rótulos, mais feliz e justa será a nossa sociedade, com oportunidades iguais para todos. 

Afinal, que importa um cromossomo a mais?

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