• Paula Desgualdo
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Grávidas terão mais segurança no deslocamento até o hospital (Foto: Thinkstock)

Muscular, de dente, de cabeça, de cotovelo... A dor é uma mensagem do corpo com inúmeros significados: um músculo sobrecarregado, uma inflamação, uma tristeza. Parir também dói, mas, mesmo que não tenha dado à luz, você há de concordar que a origem dessa informação dolorosa é diferente das outras. “Quando falamos em aliviar a dor do parto, precisamos levar em conta que ela é decorrente de um processo fisiológico e natural, e não de uma doença”, esclarece Octávio Muniz da Costa, diretor da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras. Ou seja, o corpo não sinaliza que algo está errado, mas que tem um bebê a caminho. A sensação provocada pelas contrações e pelo processo de abertura do colo do útero tem características bem específicas. Em primeiro lugar, é um incômodo intermitente, vai e volta. Em segundo, acaba logo que a criança nasce.

São muitos os fatores que influenciam a percepção do desconforto, de aspectos culturais ao limite individual. Tanto é que a descrição da dor por quem já concebeu uma criança varia de “deu para levar” a “quase morri”–e saiba que medo, tensão e cansaço pesam muito nessa hora. Uma mesma mulher pode ter experiências distintas de acordo como contexto e o nível de relaxamento. Mas o fato é que, como toda situaç��o-limite, parir envolve uma dose de intensidade provavelmente nunca antes experimentada. Encarar dessa maneira, como um desafio, já ajuda a atravessar as contrações partindo de outra perspectiva. “O parto é simplesmente muito, mas muito maior do que a dor”, garante a enfermeira obstetra e neonatal Mayra Calvette, do Ama Nascer, em Florianópolis (SC), mãe de Ayla, 1 ano.

Optar pela analgesia, que na rede privada virou praxe e na pública muitas vezes não está disponível, é um direito da mulher. Ao contrário da anestesia, ela não bloqueia os movimentos nem a capacidade de sentir pressão. Com o consentimento da parturiente e bem administrada, pode ser valiosa. “Já acompanhei muitos casos em que o procedimento teve um efeito maravilhoso para relaxar e, consequentemente, dilatar. Mas é preciso ter consciência dos riscos”, afirma Mayra. Entre eles está um possível retardo na evolução do trabalho de parto, queda da pressão arterial da mãe e diminuição da frequência cardíaca do bebê. Também acontece de a analgesia ser uma entre várias intervenções desnecessárias que podem desviar o andamento normal e levar até a um desfecho cirúrgico – aliás, o uso de recursos para acelerar o trabalho de parto, como ocitocina sintética e rompimento artificial da bolsa, aumenta consideravelmente as dores. É por isso que informação e critério nunca são demais.

Diversas técnicas naturais podem ser utilizadas antes de recorrer ao alívio medicamentoso, ou também por quem quer um parto natural. Listamos a seguir as principais estratégias que promovem conforto e permitem se concentrar naquilo que o organismo está pronto para fazer: trazer um filho ao mundo. Elas também são chamadas de tecnologias não invasivas de cuidados de enfermagem, já que não agridem o corpo nem a autonomia da mãe. Como não funcionam da mesma forma para todas as mulheres, vale conhecer cada uma das possibilidades. Ao final, quem deve decidir o melhor é sempre você!

A escolha do ambiente

Definir onde o parto será realizado e quem vai acompanhar é mais que um detalhe. O organismo justifica. O mesmo hormônio que desencadeia as contrações – a ocitocina – estimula a produção de endorfinas, que fazem as vezes de analgésico. É preciso estar tranquila para que esse processo não seja interrompido. Em um local inóspito, com pessoas estranhas ao redor, no entanto, a tendência é que domine a cena a adrenalina, protagonista das situações de estresse. Resultado: a produção de ocitocina é prejudicada, a mulher fica mais tensa – logo, sente mais dor.

“Respeitar a privacidade da parturiente, evitando a entrada de pessoas desnecessárias na assistência, que não sejam escolhidas por ela, é muito importante”, afirma o ginecologista e obstetra Marcos Tadeu Garcia, do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim (SP). Para que se sinta acolhida, a mulher deve contar com uma equipe multidisciplinar de sua confiança. Caso deseje a presença de uma doula, que costuma ser um ótimo apoio físico e psicológico, é preciso checar antes se a maternidade permite a entrada desse tipo de profissional. “Já o ambiente deve ser amplo, aconchegante e confortável, de preferência com a alternativa de trabalhar com intensidade de luz”, orienta o médico.

Mobilidade garantida

Está mais do que provado que uma mulher confinada ao leito, deitada, sente mais dor ao parir do que aquelas que têm liberdade para caminhar e se movimentar. Isso deve ser estimulado pela equipe de saúde. Qual posição é mais indicada? Não há regra. O melhor é observar o corpo, seguir as suas necessidades e experimentar o que traz mais alívio – agachar, sentar, mexer o quadril, apoiar-se no parceiro, ficar de cócoras ou de joelhos. Existem evidências de que a posição de quatro apoios reduz o risco de rompimento do períneo, a região entre a vagina e o ânus.

Segundo o obstetra Marcos, na vertical, com a ajuda da gravidade, é possível que a duração do trabalho de parto diminua até duas horas. Mesmo em caso de alguma complicação que exija monitoramento, não é necessário que a movimentação seja limitada. A bola suíça, aquela usada nas aulas de pilates, também pode ser uma santa ajuda. Além de massagear a região do períneo, mover a bacia facilita para que o bebê encontre o caminho de saída.

Água, frio e calor

Eis um auxílio e tanto para as longas horas do trabalho de parto: água quente. No chuveiro ou na banheira, a temperatura só não pode ser alta demais para não derrubar a pressão (37°C é uma boa medida). A banheira é mais recomendada a partir da metade do trabalho de parto, quando o intervalo das contrações já está curto e a dilatação se aproxima dos 5 centímetros. “Por volta desse momento seria o ideal, para não atrapalhar a evolução”, orienta a enfermeira obstetra Priscila Colacioppo, formada pela USP, que também faz parto domiciliar. A água pode ter efeito tão relaxante que faz alcançar mais rápido a dilatação total.

Se a imersão for em uma área mais ampla e profunda, deixando todo o útero submerso, o relaxamento e o efeito analgésico tendem a ser maiores do que quando o corpo não está inteiro coberto. O uso de bolsas ou compressas mornas é uma alternativa. O curioso é que o frio também funciona. Estudos demonstram que a aplicação de bolsa de gelo durante 20 minutos tem efeito positivo no manejo da dor. É preciso testar.

Agulhas e eletrodos

“A acupuntura é uma das indicações para o trabalho de parto. Ela pode até substituir a anestesia química”, informa Evaldo Leite, presidente da Associação Brasileira de Acupuntura. A técnica da medicina chinesa é eficiente não só para o controle da dor, mas para posicionar melhor o bebê e estimular contrações, caso necessário. Para não comprometer a mobilidade, a aplicação pode ser feita em pontos do tronco para cima, como ensina a parteira Priscila. Outra possibilidade é a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS, na sigla em inglês), realizada com eletrodos colados à pele. Ela reduz a transmissão de impulsos dolorosos para o sistema nervoso central e ameniza a percepção da dor.

Respiração e massagem

Fechar os olhos e se concentrar na respiração serve para focar em si mesma e no que se está vivenciando. Assim, dá para administrar melhor os desconfortos. Os cursos de preparação para o parto ensinam técnicas variadas. “Uma delas é respirar profundamente pelo nariz e soltar devagarzinho pela boca, como se fosse cheirar uma flor e assoprar uma vela”, ensina a enfermeira obstetra Mayra. Ela explica que, para algumas mulheres, o que ajuda mais é respirar fundo e gemer com toda a intensidade, sem medo, levando a intenção desse grito para baixo, como se a força dele empurrasse mais o bebê. Mas nos intervalos entre as contrações, procure manter os músculos do rosto, mandíbula e boca relaxados. “Beijar o parceiro pode ser muito bom.”

Massagens na região lombar costumam ter efeito positivo, tanto feitas por um profissional como pelo acompanhante – eles podem se revezar na tarefa. Um óleo vegetal ajuda a deslizar as mãos em movimentos circulares ou em uma pressão contínua. A mulher é quem determina como prefere. Também nos intervalos, massagem nas pernas, nos ombros e no pescoço são bem-vindas. Algumas parturientes, porém, preferem não ser tocadas durante todo o processo, e isso deve ser respeitado.

Hypnobirthing

O método desenvolvido nos Estados Unidos usa técnicas de hipnose para resgatar a simplicidade do parto. “A ideia é ajudar a mãe a se livrar dos medos, a estar consciente para vivenciá-lo de uma forma positiva e alegre”, diz a fisioterapeuta Lúcia Desideri Junqueira, doula e instrutora de hypnobirthing. Em um curso de 12 horas e meia, que ela sugere fazer a partir da 14ª semana de gestação, aprendem-se mecanismos de visualização de imagens de conforto e tranquilidade. A orientação é não colocar uma lente de aumento nos incômodos, mas no que há de bonito no parto. “Algumas mulheres que fizeram o curso relatam uma sensação intensa, mas não dolorida e sofrida”, conta. Uma das estratégias está no vocabulário: as contrações, por exemplo, são chamadas de ondas. Assim, a mãe lembra que, da mesma forma que vêm, elas logo vão embora. “Ao diminuir a tensão, o corpo funciona melhor”, conclui Lúcia. Com calma e concentração, o próprio organismo indica os caminhos. Quando tiver seu filho nos braços, qualquer dor não será mais que uma memória distante.

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