• Adriana Toledo
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Cama compartilhada (Foto: Courtney Keating / Getty Images)

"Do ponto de vista neurológico, os bebês humanos nascem como os mais imaturos dos mamíferos, com apenas 25% do volume cerebral de um adulto. Seu desenvolvimento também é o mais lento e dependente de estímulos sensoriais maternos. Eles não têm dentes, não andam, não falam, não tremem para se aquecer, mal controlam a própria respiração e a temperatura corporal e não enxergam além de 25 centímetros. Biologicamente, esperam que alguém esteja sempre com eles. É por isso que reagem tão positivamente ao contato com outro corpo”. Este é o primeiro argumento do antropólogo James McKenna, da Universidade de Notre Dame (EUA), à CRESCER, para defender um novo conceito chamado de breastsleeping – palavra que une amamentação e sono, em inglês, e que ele vem divulgando em publicações científicas, como o periódico sueco Acta Paediatrica.

O lado polêmico da proposta é que ela pressupõe a prática da cama compartilhada entre mães e bebês, hábito condenado pela maior parte das academias de pediatria mundo afora – incluindo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) –, principalmente devido ao risco de morte súbita do recém-nascido.

De fato, um estudo publicado no jornal americano Pediatrics revelou que os bebês que morreram dessa forma dormiam com os pais em 69% dos 8.207 casos registrados nos Estados Unidos de 2004 a 2012. Outro, que foi divulgado no British Medical Journal e envolveu mais de 6 mil famílias, apontou um risco cinco vezes maior de ocorrências fatais quando os filhos dividiam o leito com o casal. Apesar da gravidade, é bom lembrar que a prevalência de morte súbita na população, associada ou não à cama compartilhada, não é alta: são 4,5 casos a cada 10 mil bebês, segundo  um levantamento da PUC do Rio Grande do Sul.

O fato é que o antropólogo tem munição para colocar as evidências em xeque e convencer sobre a importância de discutir esse hábito. A favor dele, pesam dados acumulados em 38 anos de pesquisa e sua experiência como diretor do Laboratório de Comportamento do Sono entre Mãe e Bebê, da Universidade de Notre Dame. “Entre 40% e 70% das mães que amamentam dormem com o bebê nos Estados Unidos, o que corresponde a cerca de 4 milhões de crianças por ano. Desde que se tome precauções, manter o costume é seguro”, garante.

Ele se baseia em um levantamento das universidades inglesas de Bristol e Warnik, com quase 2 mil famílias, que concluiu que a cama compartilhada é inapropriada somente em circunstâncias específicas: se os pais consomem álcool, drogas ou fumam, se dormem em um sofá ou se o recém-nascido é prematuro. Na ausência desses fatores, os riscos seriam mínimos. McKenna ainda ressalta que as particularidades dos bebês que mamam no peito contribuem para que fiquem seguros. “Eles não se movem tanto pela cama como os que não são amamentados. Mesmo os maiores, com mais de 6 meses, tendem a ficar próximos ao corpo da mãe. Por isso, evitar quedas e outros acidentes é fácil.” Na opinião dele, se conduzido da maneira correta, o breastsleeping não só deixa de representar ameaça como atua na prevenção da morte súbita. “Essa dinâmica triplica o número de mamadas por noite. E quanto maior a frequência, maior a proteção.”

O inverso, infelizmente, também é verdadeiro. “Crianças que tomam fórmula em substituição ao leite materno são duas vezes mais propensas a ter morte súbita." Outra vantagem é que as mães permaneceriam conscientes durante o sono, monitorando e corrigindo a posição do filho. Por isso, o número de episódios em que um lençol cobre o rosto dele, por exemplo, acabaria sendo menor do que quando está sozinho no berço.

Mas, entre todos os benefícios, o maior é o fato de estimular o aleitamento materno em si. Uma pesquisa das universidades de Durham e Newcastle (Inglaterra) verificou que dormir com o bebê impacta em uma probabilidade significativamente maior de amamentar por pelo menos seis meses. Isso se traduz em menos infecções, menor risco de obesidade e de outras doenças no futuro e melhor capacidade cognitiva, especialmente nas habilidades verbais e sociais.

No mínimo, vale a discussão, não vale? Confira, a seguir, como o assunto divide as opiniões dos especialistas brasileiros e aprenda a maneira mais segura de compartilhar a cama com o bebê.

Cama compartilhada (Foto: Courtney Keating / Getty Images)

A favor

“É difícil amamentar quando o bebê dorme separado da mãe. Precisamos discutir a cama compartilhada para que as pessoas façam isso em segurança. Pelo menos nos primeiros
três meses de vida, a criança deve ficar próxima aos pais, não só para que possam intervir, em caso de uma intercorrência, como engasgo, mas porque ela precisa de vínculo para estabelecer suas conexões cerebrais. O bebê percebe quando está isolado e precisa do cheiro, do calor e da  movimentação dos cuidadores para se tranquilizar. Quando mamam e têm contato pele e pele com os pais, desenvolvem-se melhor nos aspectos cognitivo e afetivo. Sem contar que, deitados ao lado de suas mães, fazem mamadas curtas durante a noite, favorecendo a produção de leite, prevenindo refluxo e morte súbita. Vale dizer que o cérebro da mãe se mantém alerta, mesmo em sono profundo, evitando que role sobre o bebê.”
Luciana Herrero, pediatra e consultora internacional de amamentação do International Board of Lactation Consultant Examiners (IBLCE)

“Quando pergunto, em palestras, quem nunca dormiu na cama dos pais, menos de 5% das pessoas levantam a mão. E nada de mal aconteceu. Infelizmente, o risco de morte súbita não pode ser reduzido a zero e alguns bebês vão morrer, independente do que os pais fizerem. Os estudos mais recentes provam que o risco só é significante em situações específicas. Ou seja, as pessoas têm direito de se organizar para dormir como acharem apropriado, sem ter de sucumbir a normas absurdas.”
Carlos González, pediatra espanhol, especialista em aleitamento e autor dos livros Manual Prático do Aleitamento Materno e Bésame Mucho – Como Criar Seus Filhos Com Amor (ambos da Ed. Timo)

Meio-termo

“Sabemos que os bebês que dormem perto da mãe choram muito menos. Eles passaram a gravidez toda ouvindo os ruídos do organismo materno, portanto, a presença desses barulhos nos primeiros seis meses é tranquilizadora. Por isso, considero absurdo separar os bebês dos pais logo nos primeiros dias. Por outro lado, há o receio de que fatores como uso de medicamentos, obesidade ou doenças dos pais possam provocar acidentes, se a cama for compartilhada. Então, defendo o quarto compartilhado, com o berço ao lado da cama dos pais, bem próximo à mãe, de maneira que ela possa tocar o bebê se chorar, para que sinta sua presença.”
José Martins Filho, pediatra especialista em recém-nascidos e aleitamento materno, professor titular da Unicamp e presidente da Academia Brasileira de Pediatria

“Não acredito que as mães deixem de amamentar quando o bebê dorme em uma superfície distinta. E sabemos que o risco de morte súbita existe, principalmente nos primeiros quatro meses. Por isso, não recomendo dormir com o recém-nascido sem um isolamento. A melhor alternativa é o co-sleeper, aquele berço que é acoplado à cama dos pais, com uma das laterais aberta, permitindo que a mãe acesse o filho durante a noite. Assim, ela pode pôr a mão nele, amamentar e atendê-lo, sem correr riscos. Quem não quiser comprar esse modelo de berço pode recorrer ao moisés, colocando-o sobre a cama do casal. O importante é que a criança permaneça em um ambiente próprio, fora do alcance de um lençol ou do corpo de um dos pais.”
Daniel Becker, pediatra especialista em homeopatia e mestre em Saúde Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ)

Contra

“A Sociedade Brasileira de Pediatria contraindica a cama compartilhada e não há como relativizar a recomendação. O hábito aumenta em cinco vezes o risco de morte súbita e as pesquisas não deixaram claro quais fatores seriam responsáveis pela associação. Não adianta discutirmos a questão do vínculo quando há possibilidade de a criança perder a vida. E, mesmo depois de 1 ano, quando essa probabilidade diminui, filhos e pais devem ter, cada um, seu próprio espaço, afim de preservar a intimidade do casal e a hierarquia familiar, definindo os papéis de pai, mãe e filho.” Christian Muller, pediatra do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria

“De fato, as mães ficam mais alertas durante o sono. Se um caminhão passa na rua, não acordam, mas se o bebê dá um suspiro, sim. Só que essa capacidade seletiva de despertar varia de acordo com o estágio de sono e em função de fatores como o cansaço e o uso de medicamentos. Um simples remédio para dor, utilizado após uma cesárea, pode comprometer essa percepção. Daí o risco de rolar sobre a criança, sufocando-a. Algumas vulnerabilidades do bebê também precisam ser levadas em conta. Nos primeiros seis meses, seu controle respiratório está em processo de amadurecimento. Sua capacidade de despertar é deprimida. Somando-se outros fatores de risco, como um lençol sobre o rosto ou um resfriado, um acidente pode acontecer. O vínculo entre filhos e pais é fundamental, mas há outras oportunidades de estreitá-lo, como as brincadeiras e as trocas de fralda, que não expõem a criança a um perigo.”
Gustavo Moreira, pediatra do Instituto do Sono da Unifesp

PRECAUÇÕES NA CAMA COMPARTILHADA

Se, depois de ler esses argumentos, você decidiu colocar o bebê para dormir na sua cama, conheça as providências necessárias para minimizar os riscos:

- Sofás, camas d’água e outras superfícies improvisadas são perigosas. Eleja um colchão firme, que pode ser colocado direto no chão ou em uma cama de casal, oferecendo espaço suficiente para acomodar a família.

- Posicione a cama no centro do quarto, longe das paredes e sem formar nenhum vão em que o bebê possa ficar preso, asfixiando-se. Ao contrário do que crê o senso comum, as quedas não são a principal ameaça e, sim, esses espaços. Mas, se tiver receio e quiser se sentir mais seguro, forre o chão com travesseiros ou outro colchão, garantindo uma proteção extra.

- Verifique se o ambiente está bem ventilado, sem excesso de calor – não exagere na quantidade de roupas do bebê, uma peça a mais do que você é suficiente para aquecê-lo.

- Se você tem outro filho ou um pet, saiba que eles não podem compartilhar a cama com o bebê – somente a mãe e o pai.

- Evite edredons, cobertores e travesseiros grandes. Utilize apenas uma manta leve – sem cobrir a criança acima do tórax – e um travesseiro fino para cada um dos pais. Nos dias frios, opte por vestir pijamas mais quentes.

- Bichos de pelúcia, almofadas e quaisquer objetos são contraindicados.

- Os adultos devem prender os cabelos, se forem compridos, evitar pijamas com cordinhas, que possam enroscar no bebê, e retirar joias.

- O indicado é que o bebê seja colocado de barriga para cima – posição que reduz a ocorrência de morte súbita –, próximo à mãe, e que o pai se deite atrás dela. Essa disposição é mais segura pelo fato de a mulher ter um instinto de alerta mais aguçado em relação ao filho.

- Os dois adultos devem reforçar a consciência de que o bebê está na cama, enviando essa informação ao cérebro, a fim de manter a devida atenção, mesmo durante o sono.

- A amamentação é um fator importante de proteção contra morte súbita. Bebês que não mamam no peito requerem cuidado redobrado.

QUANDO A CAMA COMPARTILHADA ESTÁ FORA DE COGITAÇÃO...


Veja as situações que inviabilizam a cama compartilhada, por representarem alto risco ao bebê:

- Tabagismo paterno ou materno, fumo durante a gestação ou exposição do bebê à fumaça de cigarro – fatores de risco para morte súbita, por si sós.

- Uso de medicamentos como sedativos, indutores de sono ou outros que influenciem na percepção dos pais. Em alguns casos, um simples remédio para dor ou alergia pode promover esse efeito. Na dúvida, converse com seu médico previamente.

- Mãe com seios muito fartos ou obesidade de um dos pais, devido ao risco de sufocar o bebê.

- Uso de álcool ou drogas.

- Histórico de ronco ou apneia em um dos adultos.

Fonte: Luciana Herrero, pediatra e consultora internacional de amamentação.