• Tatiana Bonumá
Atualizado em
criança; menino; introvertido; triste (Foto: Emily Corbis)

Que fique bem claro: ser “fechado”, contido emocionalmente e gostar de brincar sozinho não é problema nenhum para uma criança. Mas pode ser para os pais, se eles não souberem lidar com esse temperamento do filho. A psicóloga norte-americana especializada em comportamento humano Christine Fonseca, autora do livro Quiet Kids (Crianças Quietas, em tradução livre) sem previsão de lançamento no Brasil –, viveu isso na infância. “Lembro da minha mãe lutando contra os mitos que ela própria carregava sobre o que era ser introvertido”, conta a autora no prefácio da obra, mãe de duas adolescentes de 17 e 13 anos.

Essas recordações a acompanharam até hoje e forama principal motivação para que escrevesse o livro, quaseumguia para educar filhos que são mais “na deles”. “Guardei na memória as informações que gostaria que meus pais tivessem para me entender melhor quando eu era pequena. Com esse propósito, escrevi cada página, com palavras que inspirassem pais e mães a conduzir seus filhos introvertidos num mundo extrovertido”, explica Christine. É exatamente isso o que ela faz nos 16 capítulos da obra, discutindo situações reais do dia a dia e trazendo orientações bem práticas. Algumas, você acompanha nesta entrevista exclusiva.

CRESCER: Quais são as principais características de uma criança introvertida?
Christine Fonseca: Normalmente, ela é vista como tímida, reservada, centrada nela mesma e busca a solidão. Porém, esses são só os aspectos mais evidentes ou superficiais desse temperamento. Outros traços importantes são: gosta mais de ouvir do que de falar, tem grande poder de reflexão, não emite a própria opinião sem antes pensar, emotivamente é mais fechada e, depois de um período de convivência social, precisa se isolar para renovar as energias.

C.: É o mesmo que ser tímida?
C.F.:
Não. A timidez pode ser entendida como um comportamento diante de situações específicas, enquanto a introversão é um traço de personalidade com o qual se nasce e que não se modula conforme o contexto nem desaparece como passar dos anos. Vou dar um exemplo: sou introvertida e fui uma criança tímida. Mas minhas escolhas profissionais me levaram a dar palestras para auditórios com centenas de pessoas. Ou seja, aprendi a lidar com isso e hoje não sou mais tímida, mas continuo introvertida. Podemos dizer que esse temperamento está  relacionado a fatores hereditários? Ainda não há pesquisas científicas que confirmem essa associação. Mas, como estudiosa sobre o tema, tenho certeza de que aspectos genéticos interferem, sim, na definição desse traço de personalidade. E, considerando que apenas 30% da população é introvertida, presumo que se trata de um gene recessivo.

C.: Você diz, no livro, que os sistemas nervosos do introvertido e do extrovertido funcionam de maneira distinta. O que isso quer dizer?
C.F.: Há, principalmente, dois neurotransmissores (substâncias que, no cérebro, conduzem os impulsos elétricos entre os neurônios) que interferem na personalidade. Um deles é a dopamina, mais utilizado pelos extrovertidos, que está relacionada com o pensamento rápido, a disponibilidade de correr riscos e a necessidade do estímulo externo para se renovar. Já os introvertidos acionam mais a acetilcolina que, por sua vez, favorece a capacidade de concentração, o foco, facilita a análise em profundidade, induz a preferência por ambientes mais calmos e silenciosos e a possibilidade de se revitalizar com o mundo interior. Claro que ambos, introvertido e extrovertido, têm esses dois neurotransmissores e possuem as duas características, porém, em intensidades diferentes, já que um solicita mais a dopamina e o outro, a acetilcolina.

C.: É possível perceber se o bebê será uma criança introvertida antes mesmo dos 2 anos? Quais são os sinais?
C.F.: Nessa idade não é possível ter certeza, mas dá para identificar alguns indícios de introversão como, por exemplo, mostrar-se hesitante diante de pessoas não muito familiares e ser bastante sensível aos estímulos do ambiente em que vive, além de precisar com mais frequência da proteção e do acolhimento dos pais.

C.: No seu livro, você afirma ser muito comum os pais quererem mudar a personalidade do filho. Por quê?
C.F.: A cultura ocidental idealiza e supervaloriza a extroversão, esperando que seus líderes sejam assim. Repare: o sistema educacional, as referências profissionais, os valores das corporações são sempre no sentido de enaltecer aquele que se coloca, que tem uma personalidade mais solta. No Oriente, acontece o contrário, lá a introversão é vista como uma qualidade. Na minha opinião, um e outro têm seus pontos positivos e devem ser enaltecidos socialmente.

C.: Identificar se o filho é ou não introvertido pode ajudar os pais em algum aspecto?
C.F.: Sim. Conhecer e aceitar a personalidade do filho são atitudes fundamentais para que os pais eduquem as crianças com autoestima. Em outras palavras, entender o temperamento da criança torna mãe e pai mais aptos a estimular suas qualidades, independentemente do filho ser introvertido ou extrovertido. Assim, também ficará mais fácil equilibrar, evitando que os introvertidos fiquem muito fechados e os extrovertidos, soltos demais.

C.: Ao ler o seu livro, concluímos que o mais importante é que a criança se sinta bem com ela mesma e reconheça suas qualidades. Como os pais podem ajudar nesse sentido?
C.F.: O essencial é que eles aceitem os filhos do jeito que são. Depois, é só incentivar a criança a caminhar nesse mesmo sentido: aceitar quem ela é, entender e gostar da própria personalidade. Especificamente no caso dos introvertidos, é interessante que os pais respeitem a necessidade do filho de ficar sozinho de vez em quando e de precisar, em muitos momentos,  de ambientes calmos.

C.: De que forma os pais podem auxiliar na vida social dos filhos?

C.F.: Acho que podem atuar, principalmente, conversando sobre a importância de a criança
se defender nas situações em que se sentir intimidada e exercitar o diálogo, preparando-a
para se soltar um pouco mais e sustentar um bate-papo sem problemas. É interessante que os pais falem dos próprios sentimentos, elucidando como as crianças podem fazer e encorajando- as a confiar em si mesmas.

C.: As redes sociais e o mundo virtual são aliados das crianças introvertidas?
C.F.: Esses recursos são valiosos para quem é introvertido. A conversa, olho no olho, demanda muita energia. Já a comunicação virtual diminui os desafios, é menos complexa, permite que os introvertidos se soltem e sejam mais espontâneos. Claro que isso só vale se os pais garantirem que seus filhos naveguem de forma segura e que tenham rotinas equilibradas entre vivências virtuais e presenciais.

C.: Alguma dica a mais?
C.F.: O maior presente que os pais podem dar aos filhos é acolhê-los do jeito que são, sem querer mudá-los. Assim, automaticamente, estarão ajudando as crianças a desenvolverem as características positivas que a introversão traz, como a capacidade de refletir profundamente, ser inovador e criativo na solução dos problemas.

Os 5 erros cometidos por pais de crianças introvertidas


Christine Fonseca lista os deslizes mais comuns e explica por que eles devemser evitados:

Incentivar o filho a ser extrovertido – “Agindo dessa maneira, os pais transmitem ao filho a mensagem de que há algo errado em ser introvertido e que isso precisa ser mudado. Em vez de pressionar a criança para conviver com situações incômodas para ela, tente ajudá-la a enxergar os aspectos positivos de seu temperamento.”

Cobrar que a criança tenha mais amigos – “A antiga confusão entre quantidade e qualidade. Diante desse discurso, pode parecer que os pais acham que o filho não sabe fazer amizades. Não é nada disso. Crianças introvertidas são ótimas amigas, porém, preferem ter menos contatos, e mais profundos.”

Achar estranho o fato de ele querer ficar sozinho – “É bem provável que ele precise ficar sozinho para renovar suas energias e entrar em contato com as próprias emoções. Esse momento deve ser encarado como algo saudável e não problemático.”

Tratar a introversão como doença – “Nenhum aspecto relacionado à introversão diz respeito à saúde mental. Trata-se de um traço de personalidade e não de uma patologia. Isso tem de ficar claro para a família toda e os pais precisam respeitar as necessidades do filho.”

Forçá-lo a frequentar ambientes mais agitados – “Ser introvertido significa ter alta sensibilidade ao ambiente em que está. Locais muito agitados, barulhentos e caóticos perturbam. Ajude seu filho a cultivar o hábito de fazer pausas durante o dia, para ficar sozinho. Assim, ele se fortalece e fica mais tolerante com relação aos locais menos silenciosos.”

Como ajudar os filhos na escola

Os pais também podem encorajar a criança introvertida a começar o ano escolar sem tanto frio na barriga

Não faça interrogatórios – Evite questionar seu filho sobre como foi o dia logo que ele sai da sala de aula. Dê um tempo para ele descansar e recarregar a bateria. Assim, mais tarde, ele Naturalmente contará o que foi importante, na hora em que estiver mais preparado.

Converse com a professora – Faça dela sua parceira e, se tiver oportunidade, fale sobre as características do seu filho e as necessidades que ele apresenta, de forma leve, sem que isso pareça ter gravidade.

Garanta o equilíbrio – Os problemas parecerão bem mais leves se a criança estiver descansada (contando com boas horas de sono), disposta (ou seja, que tenha feito atividade física) e alimentada (inclusive, respeitando o tempo de que ela precisa para comer, que pode ser maior para os introvertidos). Se tudo isso estiver bem, mais satisfeita a criança ficará com a rotina escolar dela.

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