• Sabrina Ongaratto
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Quando Taynnara Marchiorí, 26 anos, uma empreendedora de Volta Redonda, Rio de Janeiro, foi fazer um ultrassom de rotina no início do pré-natal, em junho deste ano, não imaginava a surpresa que teria:

— "São três", disse o médico.
— "Não, não... Você está de sacanagem? Você está brincando", respondeu ela, sem conseguir acreditar.
— "Três? Eu estou chocada", disse Taynnara, enquanto ria de nervosismo. 

Passado o susto, foi só alegria! "A gravidez não foi planejada. Foi um grande susto pra nós. O vídeo com a minha reação (veja em @tay.marchiori) até viralizou e teve mais de 5 milhões de visualizações em uma rede social", lembra. Taynnara engravidou das trigêmeas naturalmente. As bebês são univitelinas, isto é, foram formadas a partir de um único óvulo. Isso quer dizer que são idênticas. No entanto, nesse tipo de gravidez, também há mais riscos envolvidos, incluindo restrições de crescimento intrauterino, especialmente quando os bebês dividem a mesma placenta, que é o caso de Taynnara. "Descobrimos, no ultrassom morfológico do primeiro trimestre, que uma delas estava com a translucência nucal bem alterada. Logo depois, em uma consulta com um especialista, recebemos o diagnóstico de síndrome de Transfusão Feto-Fetal. Eu estava com 13 semanas", lembra.

Taynnara e Daniel (Foto: Reprodução/Instagram)

Taynnara e Daniel (Foto: Reprodução/Instagram)

Há duas semanas — com 18 semanas de gestação —, Taynnara passou por uma cirurgia. "Tay fez um procedimento com laser, uma espécie de 'queima dos vasinhos', que estavam permitindo que uma recebesse um maior fluxo sanguíneo que as outras. Mas uma delas não reagiu bem a essa cirurgia. Os corações das três estão batendo perfeitamente, mas uma delas continua inchada, apesar de o fluxo sanguíneo estar normal. Os médicos ainda estão investigando. Então, a gente vive nessa incerteza", admitiu o pai, o vendedor Daniel Nogueira, 25. "A gente sabe que a taxa de mortalidade nesses casos é grande. As chances  de sobrevivência são poucas, menos de 30%. O médico pediu pra não termos expectativas em relação a que está com problemas", afirmou.

As outras estão bem, porém, tudo pode mudar o tempo todo. Por isso, precisamos acompanhar de perto. Também há riscos de elas ficarem com sequelas mentais ou cognitivas", contou Taynnara. "O meu coração de mãe ainda está muito apreensivo. Estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance. Mas, ao mesmo tempo, dá muito medo e angústia de que algo aconteça com elas. Não sei se faço enxoval... é tudo incerto. A cada semana, é uma angústia diferente. Só o que podemos fazer agora é monitorar", completou.

Taynnara está grávida de 20 semanas (Foto: Reprodução/Instagram)

Taynnara está grávida de 20 semanas (Foto: Reprodução/Instagram)

Dificuldade financeira

Além da angústia sobre o futuro das bebês, a família vem enfrentando dificuldades financeiras. "Eu tive uma loja durante seis anos mas, em janeiro, com a pandemia, tive que fechá-la. Na época, decidimos mudar para Jacareí, em São Paulo, que é a cidade natal do meu marido. Ele conseguiu um trabalho lá, só que quando recebemos o laudo sobre gravidez de alto risco, dizendo que ele precisaria se ausentar para me acompanhar nas consultas, a empresa não aceitou e o demitiu. Ficamos sem fonte de renda, então decidimos mudar para Volta Redonda, no Rio de Janeiro, que é minha cidade natal. Nesse momento, estamos tentando juntar dinheiro para reabrir a loja, que é o que eu sempre trabalhei e sei fazer, mas está difícil. Por enquanto, tenho vivido das redes sociais, como influenciadora digital", disse Taynnara, que também é mãe de Luiza, 5 anos.

Diante da situação difícil, a família está arrecadando doações através de uma vaquinha online. Para ajudar, clique aqui.

Luiza, Daniel e Taynnara (Foto: Reprodução/Instagram)

Luiza, Daniel e Taynnara (Foto: Reprodução/Instagram)

Síndrome de Transfusão Feto-Fetal

A síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF) é uma condição rara pode acontecer nas gestações gemelares em que os dois fetos dividem a mesma placenta e saco gestacional, que é a chamada gestação monocoriônica, atingindo de 10% a 15% desse tipo de gestação. Ela é causada pela conexão vascular entre os bebês, por meio de veias ou artérias do cordão umbilical interligadas, fazendo com que o sangue seja distribuído de maneira desequilibrada. “Diferente do que alguns dizem, esse desequilíbrio não está relacionado com a absorção maior ou menor de nutrientes, ou seja, um bebê não 'rouba' os nutrientes do outro. O que ocorre, na realidade, é que o volume de sangue fica desigual entre os bebês. Um feto torna-se receptor e o outro doador”, explica o ginecologista Javier Miguelez, especialista em medicina fetal do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, em São Paulo.

Por isso, as consequências são diferentes para cada gêmeo: o chamado “receptor” fica com um volume excessivo de sangue, o que faz com que o coração precise trabalhar mais, causando uma hipertrofia do músculo. “Além disso, por conta dessa absorção, a eliminação de líquido é maior e a bexiga se dilata. Assim, o saco gestacional deste fica com uma quantidade maior de líquido amniótico (em sua maior parte constituída por urina fetal)”, diz Javier. Já o gêmeo doador, justamente por estar doando o sangue que deveria ser consumido por ele, desenvolve-se menos e a bexiga fica menor, já que o sangue não é filtrado e, com isso, o volume de líquido amniótico é baixo.

O momento ideal para identificar essa síndrome é entre 8 e 10 semanas. O diagnóstico também pode ser feito com segurança durante a ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre, com 12 semanas. A síndrome dá sinais entre a 16ª e 24ª semana, sendo muito raro aparecer antes ou depois. Esse período é de extrema importância nas gestações monocoriônicas. “É a avaliação cuidadosa que permitirá a identificação do problema. A avaliação da membrana amniótica é o principal critério para fazer o diagnóstico, pois o bebê doador geralmente fica comprimido e a membrana fica grudada, o embala, por conta da menor quantidade de líquido amniótico”, explica o médico.

Ele ressalta a importância de se procurar um especialista em medicina fetal, pois as características podem confundir quem não tem experiência no assunto, podendo acarretar o atraso do diagnóstico e até impossibilitar o tratamento. “Embora seja mais comum o receptor ser maior que o doador, a diferença de tamanho entre os bebês não é um critério do diagnóstico e não tem importância para o prognóstico”, completa o especialista. O importante é a distribuição do líquido amniótico.

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Identificado o problema, há casos em que a distribuição do sangue retoma o equilíbrio, por isso há uma classificação do estágio que a doença está. Com algumas exceções, é a partir do segundo estágio que a intervenção deve ser realizada. “Nesses casos, a mortalidade dos fetos é de mais de 90%, caso o diagnóstico não tenha sido feito no momento certo e o tratamento correto realizado”, alerta. O tratamento utilizado na medicina moderna é a intervenção intra uterina chamada “coagulação a laser por fetoscopia” que, além da retirada do excesso de líquido amniótico, coagula os vasos sanguíneos e transforma a placenta única funcionalmente em duas. “A coagulação visa impedir o maior desequilíbrio da circulação sanguínea dos fetos. Os casos de sucesso chegam a 80% das intervenções realizadas”, finaliza.