• Mônica Pessanha
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Você provavelmente já teve a oportunidade de ver seu filho se sentir meio sem graça quando pediu para você deixá-lo se vestir sozinho e não conseguiu. A cena é muito familiar, se analisarmos o comportamento da criança: geralmente ela cruza os braços como sinal de indignação e faz biquinho, como se fosse chorar, antes de abaixar a cabeça.

timidez tímido introvertido (Foto: thinkstock)

timidez tímido introvertido (Foto: thinkstock)

Nessas horas, mais do que o sentimento de frustração, é a vergonha que dá as caras e faz com que a criança se sinta incapaz, inadequada porque não conseguiu realizar aquilo que acreditou que conseguiria: vestir-se sozinha, amarrar o cadarço, ligar a TV com o controle remoto e por aí vai. É claro que nem todo sentimento de vergonha é ruim. Afinal, a vergonha leve é necessária, pois é a forma natural de nos ajudar a controlar nossos impulsos para que possamos ficar seguros, viver bem com os outros e até mesmo atingir nossos objetivos.

Mas a vergonha que vêm do sentimento de inadequação ou da exposição de alguma vulnerabilidade nossa pode se tornar um problema futuro. Se ela é ainda mais ressaltada pelos pais ou cuidadores, poderá contribuir para desenvolver um adulto pouco flexível, rígido e muito fechado para assumir riscos, aprender coisas novas ou enfrentar desafios.


Esse tipo de vergonha, que, na falta de uma expressão melhor, vou chamar de tóxica, pode levar a criança pelo caminho da culpa e do medo. Muitas vezes, achamos que culpa e vergonha são sinônimos. Isso é errado, pois trata-se de duas emoções bem distintas. A culpa funciona como uma sensação de transgressão, já a vergonha, como uma sensação de ser mau. Embora sejam distintos, esses dois sentimentos se cruzam. A culpa causa vergonha e a vergonha alimenta a culpa.

Em relação ao medo fomentado pela vergonha, a coisa funciona assim: envergonhados, tememos exposição, acusação, punição. Com medo de não poder apagar essas ações, pensamentos ou qualidades que nos envergonham, existimos na areia movediça, temendo a única bomba-relógio da qual não podemos escapar: nós mesmos.

Então, como ajudar os pequenos a superarem o sentimento de vergonha que vem das pequenas falhas e tentativas de realizar algo, sem direcioná-los para a vergonha tóxica? O que dizer diante de uma criança de 4 anos que acabou de não conseguir amarrar o tênis para ir à escola? Que tal falar da sua experiência? Quando viramos para essa criança e dizemos: “Sabe, eu era mais velho que você quando aprendi a amarrar meus sapatos sozinha. Nossa! Como foi difícil. E você ai tentando fazer isso, já aos 4!”

Essa simples ação pode trazer muito aprendizado para a criança. Primeiro, como chegam a esse mundo, as coisas já rodam faz tempo, as crianças não conseguem ter a ideia de um 'antes'. Ou seja, houve um momento em que eu – papai ou mamãe – também não sabia amarrar os sapatos. Isso, simbolicamente, retira um peso das costas da criança, porque ela aprende que poderá continuar a dar testemunho de seu desejo de aprender, apesar de não conseguir nos primeiros momentos. Além disso, essa postura tira a criança de uma lógica binária: você consegue ou não. Na verdade, mostra a ela que todo aprendizado é um processo, que requer diversas tentativas e envolvimento daquele que quer aprender e isso, de forma alguma, tira o mérito do aprendizado. Enfim, temos aqui algo muito simples, mas que pode trazer um impacto significativo na vida dos pequenos.

Mônica Pessanha é psicanalista de crianças, adolescentes e mães. É co-autora do livro "Criando filhos para a vida". É mãe de mãe de dois, um que virou “estrelinha” e da Melissa, 13 anos. (Foto: Arquivo pessoal)

Mônica Pessanha é psicanalista de crianças, adolescentes e mães. É co-autora do livro "Criando filhos para a vida". É mãe de mãe de dois, um que virou “estrelinha” e da Melissa, 13 anos. (Foto: Arquivo pessoal)