• Marcelo Tas
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Coluna Tas 2009 (Foto: Divulgação)

Todo mundo conhece as virtudes de um bom pai: participar, apoiar, dar bom exemplo etc., etc… Mas poucos notaram a importância de uma habilidade que, na minha visão “científica” do assunto, deveria ser mais valorizada: pagar mico! Não parece, mas trata-se de virtude das mais raras e necessárias. Um pai zeloso, interessado na educação dos filhos, deve estar sempre pronto para cometer gafes, se atirar no abismo do ridículo, passar vergonha na frente de estranhos… Ou seja, pagar um king-kong de vez em quando!

Desde pequenos somos treinados a evitar o mico. O criador, esse eterno brincalhão, fez as coisas de tal forma que acreditamos que o período da infância, adolescência e juventude é uma mera preparação para vida adulta. Quando finalmente nos tornamos adultos, ou seja viramos pessoas “sérias”, vem a providência divina e nos manda os filhos. Olha a ironia: justamente as criaturas que descem à Terra com a tarefa de nos obrigar a retornar à criança que fomos um dia!

Miguel, meu filho de 8 anos, sempre conviveu com amigos invisíveis. Lá em casa, nunca nos importamos com esse tipo de fenômeno paranormal. Para falar a verdade, a gente até gostava. Clarice, a irmã quatro anos mais nova, era muito agitada quando bebê. Assim, enquanto a gente dava conta de fraldas e mamadeiras no quarto, muitas vezes os coleguinhas invisíveis do Miguel faziam companhia para ele lá na sala.

Numa noite, a conversa entre Miguel e sua turma de alienígenas estava mais animada que o usual. Depois de vários pedidos, o moleque continuava se recusando a vir para a cama dormir. Minha mulher, que morre de medo de fantasmas, foi até lá tentar encerrar a brincadeira. Miguel argumentou com ela: mamãe, eu quero ir para a cama mas eles não querem parar de brincar! E apontou o dedinho para um ponto vazio sobre o sofá. Bel, que é atriz de teatro, segurou firme sua personagem de mãe-segura-que-não-teme-almas-doutro-mundo e devolveu: Miguel, agradeça a companhia deles e diga que já está na hora de você dormir. Miguel tentou argumentar com a rapaziada invisível, novamente sem sucesso. Voltou para a mãe e sugeriu: meus amigos não querem mesmo ir embora. Fale você com eles, quem sabe obedecem?

Foi um momento difícil e revelador para a carreira da atriz Bel Kowarick. Ela me lançou um olhar com um pedido de ajuda. Fiz uma cara de “sei lá, vai fundo!” Então, ela se despiu das amarras do bom senso, esqueceu o medo de fantasmas e deu uma bronca histórica na molecadinha invisível por mau comportamento. Apontava o dedo em várias direções da sala vazia e vociferava: olha aqui, pessoal, o Miguel já brincou muito com vocês, agora ele está com sono, nós também estamos cansados… Chega de bagunça, já pra cama todo mundo e até amanhã!

Para espanto geral, inclusive do Miguel, os amigos invisíveis ouviram o pedido de Isabel e sumiram. Ufa, fomos todos dormir tranquilos e gargalhando. O Ministério (ou seria o mistério?) da Paternidade adverte: pagar mico faz bem à saúde.

*Este texto foi publicado na edição 193 (dezembro, 2009), na Revista Crescer

Marcelo Tas (Foto: Daniela Toviansky)


MARCELO TAS é jornalista e comunicador de TV. Tem três filhos: Luc, 25 anos, Miguel, 13, e Clarice, 9. É âncora do CQC e autor do Blog do Tas. Aceita com gratidão críticas e sugestões sobre essa coluna no e-mail: crescer@marcelotas.com.br.

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