• Elisama Santos
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Mãe com filhos  (Foto: Getty Images)

 (Foto: Getty Images)

O dia mal começou e eu já cortei e servi frutas para as crianças, arrumei a cama, tomei banho, preparei o café da manhã e fiz a lista de compras para o marido ir ao mercado. Enquanto ajustava as coisas da casa, também respondi dois e-mails, comprei jogos de cartas para a família e dei algumas olhadas no whatsapp e instagram para checar se algo importante aconteceu. Queria dizer que estou tranquila, calma e feliz com a minha capacidade de realizar coisas, super satisfeita com o que fiz nas primeiras horas do dia, mas a realidade é diferente. A minha mente, essa tagarela, não me deixa esquecer que a casa está um caos e que o meu marido não organiza as coisas do meu jeito. Ela também me diz, incessantemente, que preciso ligar para a minha mãe, escrever alguns e-mails importantes, marcar consultas com dentista para a família inteira, perder alguns vários quilos e fazer exercícios físicos com mais frequência. Ah, importante, devo fazer tudo isso sorrindo, porque virar uma mãe ranzinza e mal humorada é um crime inafiançável com danos irreparáveis a longo prazo.

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Por falar irreparável, aparentemente, em relação os filhos, tudo entra nessa categoria. Gritei? Eles serão adultos violentos e grosseiros, criminosos. Fui fofinha demais? Virarão adultos irresponsáveis, egoístas e grosseiros, criminosos. A alimentação não está perfeitamente equilibrada com todas as cinco cores no prato? No futuro serão adultos obesos, diabéticos, e morrendo aos trinta com um entupimento severo nas artérias. De repente tudo virou absolutamente importante, urgente e irreparável. Cada erro dos pais parece um caminho sem volta que guia os filhos para um abismo sem fim. A quem quero enganar? Erro dos pais não, erro das mães, porque somos nós as grandes responsabilizadas por tudo nessa sociedade. Quem nunca ouviu – ou falou – a famosa frase: “ Cadê a mãe dessa criança?”

Veja bem, não estou aqui dizendo que devemos entrar num clima de libera geral, gritar e surtar com as crianças o tempo inteiro e alimentá-los de hambúrguer com batata frita. Estou apenas lembrando a você que não há determinismo nas suas ações. Que a sua humanidade lhe impede de alcançar a tal perfeição. Erros, tropeços e desacertos fazem parte de quem somos e, inclusive, ensinam os nossos filhos a lidarem com quem são. Uma mãe que chora, que se atrapalha, que erra e reconhece os próprios erros, olhando para si mesma com gentileza e amorosidade, ensina uma lição preciosa para os filhos: a autocompaixão. Esse exercício importante e essencial que nos faz reconhecer que um erro, grito ou prato de macarrão não nos define. Somos enormes, maiores, complexas.

E já que estamos falando do que nos define ou não, importante lembrar que uma casa arrumada não define a nossa qualidade como mães. Os números que aparecem na balança ou na etiqueta da calça jeans não nos definem como mulheres. Dar ou não dar conta de todas as demandas impostas pela sociedade também não. Assumir que não dou conta foi uma conclusão libertadora.

Não dou conta, não dou conta e não dou conta. E tudo bem. “Não dou conta” pode ser entendido como “não tenho apoio suficiente para”. A maioria de nós não tem apoio suficiente para um montão de coisas, e mesmo assim queremos dar conta delas, o que nos rende exaustão, estresse, culpa e dor nas costas. No malabarismo diário em que vivemos, é necessário entender que alguns pratos precisam se espatifar no chão. Somos suficientemente boas: hoje, agora, com erros, tropeços, desacertos. Tenho visto mulheres incríveis incapazes de reconhecer os próprios esforços porque estão focadas no que não conseguem fazer. Você faz muito, diariamente. Quando a sua mente, que deve ser tão tagarela quanto a minha, começar a listar as suas imperfeições, respira. Sente o ar entrar e sair do seu peito, e repete pra si mesma: “Eu sou boa o suficiente. Independentemente das minhas falhas, mereço carinho, amor e respeito sendo quem sou.” Somos enormes, não podemos nos esquecer disso. Nossos filhos merecem mães que se respeitam e se amam, nós merecemos essa paz com quem somos. Faça as pazes com as suas possibilidades. Não dê conta você também.

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ELISAMA SANTOS (Foto: Isaac Martins)

ELISAMA SANTOS (Foto: Isaac Martins)

ELISAMA SANTOS É ESCRITORA, PALESTRANTE, PSICANALISTA, EDUCADORA PARENTAL E MÃE DE MIGUEL, 8 ANOS E DE HELENA, 6 ANOS.

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