• Cinthia Dalpino
Atualizado em
mãe_trabalho (Foto: Thinkstock)

Não é vergonha conversar com o chefe sobre horários mais flexíveis na volta ao trabalho

Uma das minhas melhores amigas está voltando ao trabalho depois do fim da licença-maternidade. Confesso que os anos nos distanciam dessa sensação da ruptura brusca com o bebê, mas a ligação com ela me fez reviver esse período. Uns dizem que é difícil no primeiro dia, outros na primeira semana.

A verdade é uma só, esteja você preparado ou não para escutá-la: o bebê pode ter 4 meses, 1 ou 7 anos e sempre vai ser difícil. Sabe por quê?

Em primeiro lugar porque as pessoas em geral – na sociedade e principalmente dentro dos escritórios e empresas – só toleram bebês de porta-retrato.

Isso mesmo: é lindo falar que tem filho, mas experimente contar que você precisa sair mais cedo por causa de um perrengue qualquer, seja ele febre, pediatra ou no horário normal de saída da escola.

Quando isso acontece, todo aquele discurso que fica legal nas apresentações de power point para o board da empresa, quando se fala de valores e princípios, cai por terra. O que fica são os olhares que discriminam, como se priorizar a criança ‘vez ou outra’ fosse uma atitude anti-profissional.

Essa amiga trabalha com uma outra profissional que ficou grávida na mesma época. Logo, eu achei que seria ótimo para o departamento delas, já que poderiam pleitear uma sala onde ficassem os bebês todos com uma cuidadora compartilhada. Afinal, a empresa é constituída por quase 90% de mulheres. Seria um ganho e tanto pra todo mundo e a empresa poderia até ostentar prêmios por isso (porque não basta fazer por fazer por humanidade, tem que apresentar alguma vantagem competitiva para a empresa topar um negócio desses, infelizmente).

Para minha surpresa, a colega de trabalho da minha amiga voltou um mês antes para ‘acostumar’. Veja bem: nada contra quem quer voltar a trabalhar antes do fim da licença. Eu mesma já fiz isso (me julguem) por opção própria, porém, já sacaram o que acontece nesses casos?

A mãe posa de super mulher, como se tivesse conquistado o Prêmio Nobel ou algo do tipo, enquanto aquela que não consegue começa a ser condenada principalmente porque a ‘fulana’ conseguiu.

Eu posso dizer que é a maior roubada de todos os tempos querer priorizar trabalho depois da licença, justo na hora em que o bebê mais precisa de você, mas vamos deixar isso pra outro capítulo.

A questão é que a volta ao trabalho já é difícil o bastante pra mulher - porque tem que ficar milênios tentando tirar leite, correr feito louca pra deixar o bebê sabe-Deus-onde e enfrentar aquela multidão que ainda trata com certa hostilidade a mulher que está passando por isso. Vale a pena?

Sendo bem sincera: tem que valer muito deixar um bebê com alguém por um dia inteiro e ainda chegar num trabalho com o qual você não se identifique mais por alguma razão.

Por isso, a mulherada tá saindo de debandada do mercado, criando suas próprias empresas, fazendo coisas inimagináveis. Raramente tem negociação, flexibilidade ou acolhimento. Quase nunca existem soluções conjuntas que possam favorecer uma colaboradora nesse período delicado.

A tal retenção de talentos feminino funciona quando a mulher mostra disposição pra largar a vida e vender a alma – abstraindo que existe um bebê ou criança requisitando o mínimo de disposição emocional de um dos pais.

Some isso a total displicência (pra não dizer outra coisa) de 90% dos homens que não levam em conta a trabalheira que dá pra mulher fazer a mágica acontecer ( ou seja, sobreviver um dia com filhos e trabalho na logística).

Não se trata apenas de ‘escolher entre trabalho e maternidade’. Nunca se tratou disso. Se trata de mostrar como é difícil retornar ao mercado dando duplo twist carpado a cada dez minutos. Se trata, muitas vezes, da total incompreensão da família, dos colegas de trabalho e do parceiro, que olham a questão como uma simples "adaptação" entre mãe e filho. Se trata de uma absoluta frieza dentro do mercado de trabalho que ignora completamente as necessidades de uma mulher que precisa, no mínimo, um intervalo e um local adequado para tirar leite para alimentar seu bebê. Assim como se trata, por fim, de uma hostilidade no olhar dos colegas que julgam a mulher que agora "se cuida menos", "não entrou em forma ainda" ou não está esteticamente aceitável para aquele cargo depois da maternidade.

Mães: não é vergonha nenhuma não se adaptar com facilidade ao retorno ao trabalho. Não é vergonha nenhuma nunca se adaptar. Não é antiprofissional conversar com seu superior contando sua nova empreitada e dividindo seus anseios pra tentar buscar horários flexíveis ou pelo menos direitos mais justos. Você não deve satisfação a ninguém se chegar chorando, se sentir vontade de fazer uma ligação de vídeo com o bebê no meio do expediente ou simplesmente tentar negociar um home-office alguns dias da semana.

Se tem greve na escola, se a creche está de férias, se a criança está doente, se a babá faltou, é natural que você precise dizer com todas as letras que precisa se ausentar para cuidar de um outro ser humano, que no caso é o seu filho.

Dá medo de ser mandada embora? Claro que dá. Mas não dá pra viver mais desse jeito. O que muitas mães que voltam ao trabalho estão passando não é vida.

Para a minha amiga, só posso dizer esse é só o começo. As fases mudam, as dificuldades também. E a saudade e a angústia de estar longe não passam jamais. Por isso, se é para sair de casa pra ganhar o pão suado de cada dia, tem que valer muito a pena.

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Cinthia Dalpino (Foto: Divulgação)


Cinthia Dalpino é jornalista, escritora e ghost writer de livros.Já foi 100% trabalho, já foi 100% mãe e, hoje, tenta integrar suas paixões - filhos e trabalho - em sua vida. Criadora do Mãe At work, portal com histórias de mães e reflexões relacionadas à maternidade e mercado de trabalho.

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