Daniel Bolson

Por Daniel Bolson

Colunista | Arquiteto à frente do escritório Daniel Bolson Arquitetura

Interessante perceber como nossos gostos ao longo da vida são reavaliados. Diversas vezes, passamos a valorizar coisas que, durante muito tempo, achávamos tenebrosas. Itens que detestávamos durante a infância em nossas casas, que tínhamos como exemplos de mau gosto, voltam à cena sob um novo olhar.

Revisitados e valorizados, saindo da trivialidade e alcançando muitas vezes o status de produtos únicos e especiais. A maturidade do olhar e das percepções nos faz compreender sua beleza e qualidade. Além disso, lembranças de contextos aos quais pertenciam esses elementos, confortam e trazem sensação de pertencimento.

Pode ser que, se você tem pelo menos 30 anos e morou em um edifício quando pequeno, tem muito presente na memória as áreas coletivas dessas construções revestidas em pequenos pedriscos de pedra natural. De cores diferentes, polidos nos pisos, ásperos nos revestimentos de paredes e fachadas, em escadas e corredores. O granilite e o fulget, acabamentos monolíticos feitos artesanalmente com restos de rochas, mármores e granitos, eram muito comuns na arquitetura.

Projeto do escritório SAO Arquitetura tem ilha de granilite com juntas de cobre executada pela Casa Franceza e pela Djgen Marcenaria. Sobre ela, boleira e jarra da Dpot Objeto , além de vaso P&B da portuguesa Bordallo Pinheiro. Na parede, obra de Clóvis Graciano. Pendentes vintage. As banquetas Iaiá s��o de Gustavo Bittencourt — Foto: Renato Navarro / Divulgação
Projeto do escritório SAO Arquitetura tem ilha de granilite com juntas de cobre executada pela Casa Franceza e pela Djgen Marcenaria. Sobre ela, boleira e jarra da Dpot Objeto , além de vaso P&B da portuguesa Bordallo Pinheiro. Na parede, obra de Clóvis Graciano. Pendentes vintage. As banquetas Iaiá são de Gustavo Bittencourt — Foto: Renato Navarro / Divulgação

Infelizmente, nós dessa época, estamos inseridos em uma geração onde o sonho de síndicos e moradores era (e ainda é, por muitas vezes) poder renovar esses espaços. Arrancar qualquer traço desse tipo de revestimento e memória visual. Iniciativas completamente sem nexo de remover materiais lindos, de proveniência genuína da natureza, para substituir por cópias baratas de suas texturas. Não há como entender essa lógica de pensamento.

Décadas após a popularização de porcelanatos polidos, como ideal de modernização de áreas comuns, o granilite voltou, com cara de revestimento cool, especial e alto valor agregado. E mais: os detentores das boas técnicas, que aplicavam esse produto em larga escala, com poucas juntas e perfeito polimento, desapareceram do mercado.

Lamentável pensar nesses modismos que descaracterizaram áreas e mais áreas onde estavam muito bem aplicados e conservados. Pois é meus amigos... quem preservou, preservou. Qualidade igual aos antigos, com detalhes em marchetaria (filetes de tons diferentes do mesmo material), permaneceram intactos apenas para os sábios que os preservaram.

Os pisos de taco revestiram apartamentos e casas de maneira super trivial, mostrando a riqueza da nossa natureza, em lâminas maravilhosas, encaixadas, no casamento de diferentes madeiras. Halls, corredores de prédios cobertos por mosaicos de plaquetas de mármores, paredes com pastilhas de vidro com cores e formas feitas à mão. Painéis com valor de obras de arte arrancados para dar lugar a cerâmicas horrorosas com rejuntes imensos, texturas rústicas de tinta, forjando uma datada contemporaneidade.

Outro dia li um post de um arquiteto sagaz que sigo, falando: "Para que a necessidade dessa modernização de espaços comuns? Áreas comerciais outrora lindíssimas, agora, totalmente descaracterizadas de seu tempo. Um mar de ripados de madeira com tons que não existem, metais forjados". Para a caçamba foram, junto aos materiais originais que marcaram uma época, elementos que contavam a história desses lugares.

Projeto da arquiteta Karina Korn, com atmosfera “urban jungle", reúne jibóia, suculentas e costela-de-adão — Foto: Divulgação
Projeto da arquiteta Karina Korn, com atmosfera “urban jungle", reúne jibóia, suculentas e costela-de-adão — Foto: Divulgação

Eis alguns princípios básicos para se ter uma sala descolada nos anos 1980: grandes samambaias suspensas por correntes metálicas no teto, suportes de ferro com andares diferentes para as mais variadas espécies de verde. Nada era mais elegante que um espaço generoso para um bar no estar.

Poder ter um balcão pronto para receber um barman, que nunca visitou essas bancadas ou sequer preparou um drinque ali. Acessórios como porta-tacinhas, viradas de cabeça para baixo em suportes metálicos. Após décadas de sumiço desses elementos nas ambientações residenciais, julgados démodés, vivemos uma época de urban jungle nas casas. Os bares e os carrinhos de chá voltaram a aparecer, em uma releitura de clássicos de décadas atrás.

A trajetória de profissionais que trabalharam uma vida com criação, frequentemente, repete-se quando o assunto é algum reconhecimento pelas suas obras. Designers que, muitas vezes, por trabalharem com técnicas e um público mais popular, não ganharam notoriedade, mas, anos depois, acabaram por receber reconhecimento e ver suas peças, desenhadas ao longo de uma vida de trabalho (muitas vezes escondidas em depósitos), passarem a ser itens de desejo. E, como mobiliário vintage, atingirem valores que, quando inicialmente comercializados, passavam longe de ter.

Mobiliário vintage e peças de design moderno se misturam neste apartamento de 540 m² em Ribeirão Preto, no interior paulista, reformado pela arquiteta Solange Cálio. Um exemplo são as cadeiras da sala de jantar. Cadeiras laranjas Cantu da Design Brasil Mobiliário. Pendente Jabuticaba da Lucenera Atelier da Luz. Cadeiras marrons da coleção pessoal da moradora  — Foto: Denilson Machado / MCA Estúdio / Divulgação
Mobiliário vintage e peças de design moderno se misturam neste apartamento de 540 m² em Ribeirão Preto, no interior paulista, reformado pela arquiteta Solange Cálio. Um exemplo são as cadeiras da sala de jantar. Cadeiras laranjas Cantu da Design Brasil Mobiliário. Pendente Jabuticaba da Lucenera Atelier da Luz. Cadeiras marrons da coleção pessoal da moradora — Foto: Denilson Machado / MCA Estúdio / Divulgação

Muitas vezes a conexão com algo que já foi muito usado e experimentado vem de maneira reinventada. Exemplos no nosso cotidiano, para além da arquitetura: a febre atual dos podcasts, que nada mais são que readaptações de programas de rádio, uma ferramenta que estava em franca decadência nas últimas décadas.

Percebeu-se a potência desse tipo de comunicação que, em um mundo tão disperso em estímulos visuais, consegue captar o interesse das pessoas através de conversas que acompanham suas rotinas e afazeres, sem precisar estar visualmente focado em algo.

Somos constituídos das nossas vivências e experiências. Identificar-se com algo transcende modismos, está ligado a memórias afetivas. É como a sensação de ouvir uma música antiga, que se adora no meio da pista de dança, perceber o êxtase coletivo das pessoas cantando algo que traz boas lembranças. Isso identifica e conecta um grupo, revive memórias.

As referências à nossa história e vivências transcende gerações e tempo. Enquanto o conteúdo remeter a boas lembranças do que se viveu, terá público e permanecerá sendo um sucesso.

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