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Gnose

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Gnose é o substantivo grego comum para conhecimento (γνῶσις, gnōsis, f.).[1] O termo é usado em várias religiões e filosofias helenísticas.[2][3][4] É mais conhecido do gnosticismo, em que significa um conhecimento espiritual ou percepção da verdadeira natureza da humanidade como divina, levando à libertação da centelha divina dentro da humanidade das restrições da existência terrena.[2][3][4][5][6]

Gnose é um substantivo grego feminino que significa "conhecimento" ou "consciência".[7] Ele é frequentemente usado para o conhecimento pessoal em comparação com o conhecimento intelectual (εἴδειν eídein), assim em línguas latinas como o português conhecer comparado com saber, o alemão kennen em vez de wissen, ou o grego moderno γνωρίζω em comparação com ξξω.[8]

O substantivo deriva do verbo gignósko, que significa conhecer. Gnose é conhecimento superior, interno, espiritual, iniciático. No grego clássico e no grego popular, koiné, seu significado é semelhante ao da palavra epistéme. Em filosofia, epistéme significa “conhecimento científico” em oposição a “opinião”, enquanto gnôsis significa conhecimento em oposição a “ignorância”, chamada de ágnoia.[9]

Um termo relacionado é o adjetivo gnostikos, "cognitivo",[10] um adjetivo razoavelmente comum no grego clássico.[11] Os termos não parecem indicar nenhum significado místico, esotérico ou oculto nas obras de Platão, mas, em vez disso, expressam uma espécie de inteligência superior e capacidade análoga ao talento.[12]

Estrangeiro: Desse modo, então, divida toda a ciência em duas artes, chamando uma de prática (praktikos) e a outra puramente intelectual (gnostikos).

Jovem Sócrates: Suponhamos que toda ciência é uma e que essas são suas duas formas.

―Platão, Político, 258e[13]

Na era helenística, o termo foi associado aos cultos dos mistérios.

Nos Atos de Tomé, traduzidos por G. R. S. Mead, os "movimentos de gnose" também são chamados de "movimentos reais".[14]

Irineu usou a frase "conhecimento assim falsamente chamado" (pseudonymos gnosis, de 1 Timóteo 6:20)[15] para o título de seu livro Sobre a Detecção e Destruição do Falso Conhecimento, que contém o adjetivo gnostikos, que é a fonte para o termo do século XVII "gnosticismo".[16]

Comparação com epignose

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A diferença e o significado de epignose (em grego: έπἱγνωσις) em contraste com a gnose é contestada. Uma distinção proposta é entre o conhecimento abstrato ou fragmentado (gnosis) e um conhecimento mais claro ou preciso (epignosis). Outras interpretações sugerem que II Pedro está se referindo a uma "epignose de Jesus Cristo", o que J. B. Lightfoot descreveu como um "conhecimento maior e mais completo". A conversão ao cristianismo é vista como evidência do conhecimento mais profundo que protege contra a falsa doutrina.[17]

O gnosticismo se originou no final do século I d.C. em seitas judaicas não rabínicas e entre os primeiros cristãos.[18] Na formação do Cristianismo, vários grupos sectários, rotulados de "gnósticos" por seus oponentes, enfatizaram o conhecimento espiritual (gnosis) da centelha divina interior, sobre a (pistis) nos ensinamentos e tradições das várias comunidades de cristãos.[2][5][6][19] O gnosticismo apresenta uma distinção entre o Deus mais elevado e incognoscível e o Demiurgo, "criador" do universo material.[2][5][6][20] Os gnósticos consideravam que a parte mais essencial do processo de salvação era esse conhecimento pessoal, em contraste com a fé como um aspecto na visão de mundo deles junto com a fé na autoridade eclesiástica.[2][5][6][20]

No gnosticismo, a serpente bíblica no Jardim do Éden era elogiada e agradecida por trazer conhecimento (gnosis) a Adão e Eva e, assim, libertá-los do controle do malévolo Demiurgo.[20] As doutrinas gnósticas cristãs baseiam-se em uma cosmologia dualística que implica o conflito eterno entre o bem e o mal, e uma concepção da serpente como o salvador libertador e doador de conhecimento à humanidade em oposição ao Demiurgo ou deus criador, identificado com o Deus hebreu do Antigo Testamento.[5][20] Os cristãos gnósticos consideravam o Deus hebreu do Antigo Testamento como o falso deus, mau e criador do universo material, e o Deus desconhecido do Evangelho, o pai de Jesus Cristo e criador do mundo espiritual, como o Deus verdadeiro e bom.[2][5][20] Eles eram considerados hereges pelos Padres da Igreja Primitiva proto-ortodoxa.[2][5][6][20]

No mandaísmo, o conceito de manda ("conhecimento", "sabedoria", "intelecto") é aproximadamente equivalente ao conceito gnóstico de gnose.[21]

Uso judaico-cristão

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Literatura judaica helenística

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A palavra grega gnosis (conhecimento) é usada como uma tradução padrão da palavra hebraica "conhecimento" (דעת da'ath) na Septuaginta, assim:

O Senhor dá sabedoria [ħokhma] (sophia), de sua face advém conhecimento [da'ath] (gnosis) e entendimento [tevuna] (synesis)"
Provérbios 2:6

Fílon também se refere ao "conhecimento" (gnosis) e "sabedoria" (sophia) de Deus.[22]

Literatura patrística

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Os Padres da Igreja usavam a palavra gnosis (conhecimento) para significar conhecimento espiritual ou conhecimento específico do divino. Esse uso positivo era para contrastá-lo com a forma como os sectários gnósticos usavam a palavra. Cardiognose ("conhecimento do coração") do cristianismo oriental era relacionada à tradição do starets e na teologia católica romana é a visão de que somente Deus conhece a condição de nosso relacionamento com Deus.[23][24]

Pensamento ortodoxo oriental

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Gnose no pensamento cristão ortodoxo (principalmente ortodoxo oriental) é o conhecimento espiritual de um santo (aquele que obteve theosis)[25] ou ser humano misticamente iluminado. Dentro das culturas de proveniência do termo (Bizantina e Helênica), gnose era um conhecimento ou intuição do infinito, divino e incriado em todos e acima de tudo,[26] ao invés de conhecimento estritamente no mundo finito, natural ou material.[27] Gnose é compreensão transcendental bem como entendimento maduro. Indica conhecimento experiencial espiritual direto e intuitivo,[28] místico ao invés do pensamento racional ou raciocinado. A própria gnose é adquirida através da compreensão à qual se pode chegar por meio da experiência interna ou contemplação, como uma epifania interna da intuição, e epifania externa, como a teofania.

Na Filocália, é enfatizado que tal conhecimento não é um conhecimento secreto, mas sim uma forma de conhecimento amadurecida e transcendente derivada da contemplação (theoria resultante da prática do hesicasmo), uma vez que o conhecimento não pode ser verdadeiramente derivado do conhecimento, mas sim, o conhecimento só pode ser derivado de theoria (testemunhar, ver (visão) ou experiência).[28] O conhecimento, portanto, desempenha um papel importante em relação à theosis (deificação/relação pessoal com Deus) e theoria (revelação do divino, visão de Deus).[29] A gnose, como o uso adequado da faculdade espiritual ou noética, desempenha um papel importante na teologia cristã ortodoxa. Sua importância na economia da salvação é discutida periodicamente na Filocália, onde, como conhecimento pessoal direto de Deus (noesis), é distinto do conhecimento epistemológico comum (episteme—isto é, filosofia especulativa).

Ver artigo principal: Irfan

Conhecimento ou gnose no sufismo se refere ao conhecimento de Si Mesmo e de Deus. O gnóstico é chamado al-arif bi'lah ou "aquele que conhece por Deus". O objetivo do praticante sufi é remover os obstáculos internos ao conhecimento de Deus. Sufismo, entendido como a busca pela Verdade, é buscar a existência separada do Si Mesmo para ser consumido pela Verdade, como afirma o poeta Sufi Mansur al-Hallaj, que foi executado por dizer "Eu sou a Verdade" (ana'l haqq).[30]

Referências

  1. Porter, Stanley E. (2016). «What Do We Mean by Speaking of Paul and Gnosis/Knowledge? A Semantic and Frequency Investigation». In: Porter; Yoon. Paul and Gnosis. Col: Pauline Studies. 9. Leiden and Boston: Brill Publishers. pp. 7–22. ISBN 978-90-04-31668-3. LCCN 2016009435. doi:10.1163/9789004316690_003 
  2. a b c d e f g May, Gerhard (2008). «Part V: The Shaping of Christian Theology - Monotheism and creation». In: Mitchell, Margaret M. Mitchell; Young. The Cambridge History of Christianity, Volume 1: Origins to Constantine. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 434–451, 452–456. ISBN 9781139054836. doi:10.1017/CHOL9780521812399.026 
  3. a b Kurt Rudolph (2001). Gnosis: The Nature and History of Gnosticism. [S.l.]: A&C Black. ISBN 978-0-567-08640-2 
  4. a b Williams, Michael (20 de julho de 1998). «Gnosticism». Encyclopædia Britannica. Edinburgh: Encyclopædia Britannica, Inc. Arquivado do original em 4 de janeiro de 2021 
  5. a b c d e f g Ehrman, Bart D. (2005) [2003]. «Christians "In The Know": The Worlds of Early Christian Gnosticism». Lost Christianities: The Battles for Scripture and the Faiths We Never Knew. Oxford: Oxford University Press. pp. 113–134. ISBN 978-0-19-518249-1. LCCN 2003053097 
  6. a b c d e Brakke, David (2010). The Gnostics: Myth, Ritual, and Diversity in Early Christianity. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. pp. 18–51. ISBN 9780674066038. JSTOR j.ctvjnrvhh.6 
  7. Liddell Scott entry γνῶσις, εως, ἡ, A. seeking to know, inquiry, investigation, esp. judicial, "τὰς τῶν δικαστηρίων γ." D.18.224; "τὴν κατὰ τοῦ διαιτητοῦ γdeetr." Id.21.92, cf. 7.9, Lycurg.141; "γ. περὶ τῆς δίκης" PHib.1.92.13 (iii B. C.). 2. result of investigation, decision, PPetr.3p.118 (iii B. C.). II. knowing, knowledge, Heraclit.56; opp. ἀγνωσίη, Hp. Vict.1.23 (dub.); opp. ἄγνοια, Pl.R.478c; "ἡ αἴσθησις γ. τις" Arist.GA731a33: pl., "Θεὸς γνώσεων κύριος" LXX 1 Ki.2.3. b. higher, esoteric knowledge, 1 Ep.Cor.8.7,10, Ep.Eph.3.19, etc.; "χαρισάμενος ἡμῖν νοῦν, λόγον, γνῶσιν" PMag.Par.2.290. 2. acquaintance with a person, "πρός τινα" Test. ap.Aeschin.1.50; "τῶν Σεβαστῶν" IPE1.47.6 (Olbia). 3. recognizing, Th.7.44. 4. means of knowing, "αἱ αἰσθήσεις] κυριώταται τῶν καθ᾽ ἕκαστα γ." Arist.Metaph.981b11. III. being known, "γνῶσιν ἔχει τι", = "γνωστόν ἐστι", Pl.Tht.206b. 2. fame, credit, Hdn.7.5.5, Luc.Herod.3. IV. means of knowing: hence, statement in writing, PLond.5.1708, etc. (vi A. D.). V. = γνῶμα, Hsch. s. h. v.
  8. Pagels, Elaine (1995). The Origin of Satan. [S.l.]: Allen Lane, The Penguin Press 
  9. Andrew Phillip Smith (2009). A Dictionary of Gnosticism. [S.l.]: Quest Books. ISBN 978-0-8356-0869-5 
  10. LSJ entry γνωστ-ικός, ή, όν, A. of or for knowing, cognitive: ἡ -κή (sc. ἐπιστήμη), theoretical science (opp. πρακτική), Pl.Plt.258b.c., etc.; τὸ γ. ib.261b; "ἕξεις γ." Arist.AP0.100a11 (Comp.); "γ. εἰκόνες" Hierocl.in CA25p.475M.: c. gen., able to discern, Ocell. 2.7. Adv. "-κῶς" Procl.Inst.39, Dam.Pr.79, Phlp.in Ph.241.22.
  11. In Perseus databank 10x Plato, Cratylus, Theaetetus, Sophist, Statesman 2x Plutarch, Compendium libri de animae procreatione + De animae procreatione in Timaeo, 2x Pseudo-Plutarch, De musica
  12. Cooper and Hutchinson. "Introduction to Politikos." Cooper, John M. & Hutchinson, D. S. (Eds.) (1997). Plato: Complete Works, Hackett Publishing Co., Inc. ISBN 0-87220-349-2.
  13. Plato. Plato in Twelve Volumes, Vol. 12 translated by Harold N. Fowler. Cambridge, MA, Harvard University Press; London, William Heinemann Ltd. 1921.
  14. George Robert Stow Mead, and Stephen Ronan. The Complete Echoes from the Gnosis. London, Chthonios Books, 1987, p. 113.
  15. feminine nominative adjective
  16. "Gnostic | Origin and meaning of the name Gnostic by Online Etymology Dictionary". www.etymonline.com. Retrieved 2021-07-24
  17. Green, Michael. 2 Peter & Jude. [S.l.]: Eerdman's 
  18. Magris 2005, pp. 3515–3516.
  19. Layton, Bentley (1999). «Prolegomena to the Study of Ancient Gnosticism». In: Ferguson. Doctrinal Diversity: Varieties of Early Christianity. Col: Recent Studies in Early Christianity: A Collection of Scholarly Essays. New York and Londres: Garland Publishing, Inc. pp. 106–123. ISBN 0-8153-3071-5 
  20. a b c d e f Kvam; Schearing; Ziegler, eds. (1999). «Early Christian Interpretations (50–450 CE)». Eve and Adam: Jewish, Christian, and Muslim Readings on Genesis and Gender. Bloomington, Indiana: Indiana University Press. pp. 108–155. ISBN 9780253212719. JSTOR j.ctt2050vqm.8 
  21. Buckley, Jorunn Jacobsen (2002). The Mandaeans: ancient texts and modern people. New York: Oxford University Press. ISBN 0-19-515385-5. OCLC 65198443 
  22. New Testament studies: Society for New Testament Studies – 1981 "see also the more extensive analysis of gnosis in Philo by Hans Jonas, Gnosis und spatantiker Geist 11/1"
  23. Donald K. McKim, Westminster dictionary of theological terms, 1996, p. 39
  24. A concise dictionary of theology by Gerald O'Collins, Edward G. Farrugia p. 130 Publisher: T. & T. Clark Publishers (2004) ISBN 978-0-567-08354-8
  25. “O conhecimento espiritual é o estado de theoria espiritual, quando se vê invisivelmente e se ouve inaudivelmente e se compreende incompreensivelmente a glória de Deus. Precisamente então a compreensão cessa e, o que é mais, ele compreende que não entende. Na visão da Luz incriada o homem também vê anjos e santos e, em geral, ele experimenta a comunhão com os anjos e os santos. Ele então está certo de que a ressurreição existe. Este é o conhecimento espiritual que todos os santos profetas, os apóstolos, mártires, ascetas e todos os santos da Igreja tinha. Os ensinamentos dos santos são uma progênie desse conhecimento espiritual. E, naturalmente, como dissemos antes, o conhecimento espiritual é um fruto da visão de Deus." THE ILLNESS AND CURE OF THE SOUL" Hieroteu Metropolitano de Nafpaktos
  26. São Simão, o Novo Teólogo, em Discursos Teológicos e Práticos, 1.1 A Filocália, v. 4: Quando os homens buscam a Deus com seus olhos corporais, eles não O encontram em lugar nenhum, pois Ele é invisível. Mas para aqueles que ponderam no Espírito, Ele está presente em todos os lugares. Ele está em tudo, mas além de tudo
  27. Faith And Science In Orthodox Gnosiology And Methodology por George Metallinos "O cientista e professor do conhecimento do Incriado, na Tradição Ortodoxa, é o Geron Starets (o Ancião ou Pai Espiritual), o guia ou “mestre do deserto”. O registro de ambos os tipos de conhecimento pressupõe o conhecimento empírico do fenômeno. O mesmo vale para o campo da ciência, onde apenas o especialista entende as pesquisas de outros cientistas da mesma área. A adoção de conclusões ou achados de um ramo científico por não especialistas (ou seja, aqueles que são incapazes de examinar experimentalmente as pesquisas dos especialistas) é baseada na confiança da credibilidade dos especialistas. Caso contrário, não haveria progresso científico. O mesmo se aplica à ciência da fé. O conhecimento empírico dos Santos, Profetas, Apóstolos, Pais e Mães de todas as idades é adotado e fundamentado na mesma confiança. A tradição patrística e os Concílios da Igreja funcionam sobre esta experiência comprovada. Não há Concílio Ecumênico sem a presença dos glorificados/deificados (theoumenoi), aqueles que vêem o divino (este é o problema dos concílios de hoje!). A doutrina ortodoxa resulta dessa relação." University of Athens - Department of Theology
  28. a b Philokalia v. 4, Palmer, G.E.H; Sherrard, Philip; Ware, Kallistos (Timothy). ISBN 0-571-19382-X, glossário, p. 434, Conhecimento Espiritual (γνῶσις): o conhecimento do intelecto (q.v.). Como tal, é o conhecimento inspirado por Deus, como insight (noesis; ver também Noema) ou conhecimento revelacional, intuitivo (ver gnosiologia) e assim ligado com contemplação e percepção espiritual imediata.
  29. The Mystical Theology of the Eastern Church, SVS Press, 1997. (ISBN 0-913836-31-1) James Clarke & Co Ltd, 2002. (ISBN 0-227-67919-9) p. 218
  30. Nasr, Seyyed Hossain (2007). The Garden of Truth: The Vision and Promise of Sufism, Islam's Mystical Tradition. [S.l.]: Harper Collins