Em tempos de mudanças climáticas cada vez mais intensas, a prefeitura inaugura hoje na Zona Oeste do Rio um novo espaço público de lazer que, pela primeira vez na cidade, foi projetado para influir no microclima do bairro onde fica: o Parque Realengo Susana Naspolini reforçou a presença de exemplares centenários da vegetação local com o plantio de 3,7 mil árvores. A área também ganhou um lago artificial preparado para regular a chegada da água das chuvas à rede pluvial, reduzindo o risco de enchentes na região.
— O conceito é o de um ‘‘parque esponja’’. A mesma técnica será adotada, adaptando-se às características locais de outros dois parques em construção: Oeste (Inhoaíba) e Piedade, este em implantação no antigo campus da Universidade Gama Filho —explica Wanderson Santos, presidente da Fundação Rio Águas.
Impacto no microclima
Com 76 mil metros quadrados em uma espécie de vale entre dois maciços (Pedra Branca e Mendanha), Realengo tem um histórico de médias de temperatura acima de 30°C por ano, de acordo com dados do Laboratório Integrado de Geografia Física Aplicada (Liga), da Universidade Federal Rural (UFRRJ), que monitora o clima do Rio de Janeiro com o auxílio de satélite:
— A proposta é interessante. A Zona Oeste é uma das áreas mais áridas e carentes da cidade. Na próxima passagem do satélite sobre a região vamos começar a estudar o impacto no microclima — diz o professor Andrew Lucena, coordenador do laboratório.
Conheça o Parque Realengo Susana Naspolini
Morador de Bangu, o arquiteto Lucas Vicente Loyola estudou a área para seu trabalho final de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. Uma de suas sugestões era justamente ampliar a arborização para minimizar a sensação térmica:
— Essa era a única área de grandes dimensões disponível na região, já que a antiga Fábrica de Tecidos Bangu hoje é um shopping— explica Lucas.
O parque ocupa metade do terreno da antiga Fábrica de Cartuchos do Exército, que funcionou ali de 1898 a 1977. A instalação foi fechada quando os militares decidiram concentrar a produção em unidades da Indústria Brasileira de Material Bélico (Imbel) e ficou anos abandonada — chegou a ser alvo de invasões.
No terreno chegou a ser anunciado um futuro condomínio, com cerca de 700 apartamentos, a ser construído pela Fundação Nacional do Exército. Em acordo com o governo federal, a prefeitura conseguiu a cessão de parte da propriedade para transformá-la em área de lazer.
— Nós discutimos o uso do espaço por anos. Chegamos a entrar na Justiça para tentar evitar a construção do condomínio. Iríamos perdera a única área verde do bairro, o que aumentaria ainda mais a sensação de calor — diz o coordenador do movimento Parque Realengo Verde, Vagner Thomaz.
A obra custou R$ 72 milhões e ganhou um peculiar toque cenográfico: abrigou a construção de cinco torres, com alturas entre 17 e 47 metros, inspirada no projeto do Gardens By The Bay, um parque de Cingapura. As estruturas têm um sistema de pulverizadores que aspergirá vapor de água para refrescar o público.
Diariamente, das 18h às 21h, por dez minutos a cada hora, haverá a exibição de um show de luzes e música, que poderá ser visto a partir de uma das passarelas que ficam sobre o espelho d’água.
O espaço vai funcionar de terça a domingo, a partir das 6h. A administração estima que, nos fins de semana, 5 mil pessoas por dia frequentem o local. Um restaurante, quatro quiosques e caminhões de food truck já estão abertos.
A prefeitura publicou ontem um manual de conduta para os frequentadores. Nãos será permitida, por exemplo, a entrada com recipientes de vidro. Nas sete churrasqueiras, que poderão ser usadas a partir do próximo fim de semana gratuitamente, mediante reserva na administração, só serão permitidos espetos de madeira e talheres de plástico.
Ontem, o clima era de expectativa. Na vizinhança, muros e paredes de cerca de 50 casas nos acessos ao parque foram decorados com grafites criados por Wagner Trancoso, contratado pela prefeitura:
— Na fachada lá de casa pintaram um tatu. Ficou lindo como o parque. Lá só tinha mato e construções caindo aos pedaços. Vamos ver após outubro se esse investimento vai continuar na região — disse a aposentada Marinalva dos Santos, de 69 anos.
Entre os comerciantes do entorno, a aposta é que o Parque Realengo Susana Naspolini — batizado em homenagem à jornalista, morta em 2022, famosa por defender causas comunitárias — aumente o faturamento de bares e lojas:
— As pessoas até evitavam passar por aqui, com medo de assalto. Agora param para fotografar os grafites —conta a técnica de enfermagem Ana Gabriela Gonçalves, de 20 anos, que trabalha em uma lanchonete da tia, vizinha do parque.
Dois acessos
O local tem duas entradas: uma pelo Palácio Realengo, na Rua Carlos Wenceslau, onde fica a sede da prefeitura na Zona Oeste, e outra pela Rua Pedro Gomes, onde as fachadas foram grafitadas. Logo ao chegar, o visitante encontra um imenso jardim, com equipamentos diversos: há duas quadras poliesportivas, uma de basquete, um campo de futebol de grama natural e duas quadras de areia para futevôlei, além pista de skate e Academia da Terceira Idade.