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O fracasso da tentativa de golpe na Bolívia reforça a constatação de que diminuiu muito o espaço na América Latina para rupturas institucionais, comuns no passado. Desde a independência, em 1825, a Bolívia já sofreu quase duas centenas de golpes ou tentativas de golpe, nem todos bem-sucedidos. Desde 1945, é o país do mundo que registra o maior índice de golpismo, de acordo com dados do Cline Center da Universidade de Illinois — foram ao todo quatro conspirações, 18 tentativas de golpe e 17 golpes de Estado bem-sucedidos.

A última tentativa aconteceu na quarta-feira, quando o general Juan José Zúñiga, demitido na véspera do comando do Exército, entrou com suas tropas na sede do governo em La Paz, o Palácio Queimado, depois que um blindado arrombou as portas. Enfrentou o presidente Luis Arce — um político de esquerda oriundo do Movimento ao Socialismo (MAS), que depois rompeu com o ex-presidente Evo Morales. Diante da revolta popular, Zúñiga deu meia- volta e se retirou com seus soldados. Sem apoio nas Forças Armadas, terminou preso. Depois alegou que o golpe havia sido uma encenação tramada com Arce para aumentar sua popularidade.

Na América Latina, é longínquo o passado de ditaduras das décadas de 1960, 1970 e 1980. Os tempos mudaram. Tanto que a quartelada despertou reprovação praticamente unânime no continente. A começar pelos vizinhos Brasil e Argentina. Mesmo não sendo integrante pleno do Mercosul, a Bolívia está obrigada a cumprir a cláusula democrática do bloco. De acordo com esse dispositivo, a ruptura institucional acarreta punição com suspensão ou expulsão.

A Bolívia, como qualquer democracia, deve resolver seus impasses pelo exercício da política e pela consulta periódica à população em eleições abertas e transparentes. As bolivianas serão realizadas no ano que vem. Há grande possibilidade de Arce, ao tentar a reeleição, enfrentar seu ex-padrinho político, Morales, de quem foi ministro da Economia por pouco mais de dez anos.

Arce já disse que a candidatura de Morales será ilegal. Na entrevista concedida na segunda-feira que selou sua destituição do comando do Exército, Zúñiga, ao se referir à intenção de Morales de disputar mais uma eleição presidencial, afirmou que não permitiria que ele “pisoteie a Constituição, que desobedeça ao mandato do povo”. Se contava com a condescendência de Arce pelo ataque a seu provável rival, cometeu um erro de cálculo. Se há divergências entre interpretações do que estabelece a Constituição, que se consulte o Poder Judiciário. Nenhum general deve decidir nada pela força. Funciona assim nas democracias.

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