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Enquanto o ruído dos tiroteios amedronta, pessoas são silenciadas pela morte e por desaparecimentos forçados nas disputas por território entre milícias e facções do tráfico no Rio. As consequências fatais dessa guerra impactam até nos índices de violência do Sudeste brasileiro. No terceiro capítulo da série especial em cinco capítulos sobre as milícias, dentro do projeto exclusivo para assinantes Tem Que Ler, O GLOBO revela que, retirada das estatísticas a Zona Oeste carioca, principal foco dos conflitos, essa região do país teria queda (de -1,8%), em vez de aumento (de 0,7%), no número de homicídios dolosos de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2022. Sozinha, essa parte da capital fluminense, com bairros como Barra da Tijuca, Campo Grande, Santa Cruz e Jacarepaguá, registrou até o mês passado 398 assassinatos. Em muitos casos, bandidos mataram uns aos outros. Mas inocentes também caíram.

São tragédias como a de duas mulheres mortas, encurraladas dentro de um carro, num bangue-bangue de milicianos em Santa Cruz. A de dois idosos encontrados com sinais de violência e sem vida, no mesmo bairro. Ou, neste outubro, a dos três ortopedistas executados na orla da Barra, após um deles ter sido confundido com um miliciano. Vítima do trauma que sofreu nos últimos meses, a mãe de outra vítima, morta em Jacarepaguá, conta se sentir presa em dois pensamentos:

— É revolta misturada com vontade de ir embora. Tenho outros filhos. Não aguentaria perdê-los também. Minha vida parou, à espera de outro tiroteio, outro corpo ensanguentado na comunidade.

Cemitério clandestino é encontrado pela Polícia Civil na comunidade Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução
Cemitério clandestino é encontrado pela Polícia Civil na comunidade Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução

Os moradores dessa mesma Zona Oeste foram aterrorizados na última segunda-feira pelos ataques dos milicianos que sucederam a morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, nº 2 do maior grupo paramilitar do Rio. Ele era sobrinho do chefe do bonde, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, um dos bandidos mais procurados do Rio, que herdou o poder do irmão, Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela polícia em junho de 2021. Sua saída de cena abriu espaço para uma corrida pelo espólio criminoso, opondo milicianos antes aliados, dando brecha para que o tráfico tentasse retomar territórios reconfigurando o cenário, a ponto de, em algumas regiões, paramilitares e traficantes unirem forças.

Minha vida parou, à espera de outro tiroteio, outro corpo ensanguentado na comunidade
— Mãe de vítima da milícia em Jacarepaguá

No segundo semestre de 2021, já estouravam as disputas entre Zinho e um ex-parceiro de Ecko, Danilo Dias Lima, o Tandera. Com outros inimigos montando suas trincheiras, o rastilho de pólvora se espalhou, chegou a antigas fortalezas milicianas, como Rio das Pedras e Gardênia Azul, e explodiu em 2023.

— A violência não é novidade. Criamos até um protocolo para lidar com ela. Mas novos níveis têm sido ultrapassados. Hoje o controle do território é de um. Amanhã, de outro. E nós, moradores, vamos entrando em estado de sobrevivência, meio apáticos para conseguir encarar o cotidiano — afirma um ativista social da Zona Oeste, também sem se identificar, porque o momento, diz ele, é de “observar, vigiar e tentar se defender”.

Na região, os homicídios dolosos de janeiro a setembro deste ano aumentaram 72,3% em relação ao mesmo período de 2022. E representaram 16% dos 2.472 casos do estado, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP). Além de 5,7% dos 6.996 registros de Rio, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo juntos. A capital mineira, Belo Horizonte, por exemplo, teve menos homicídios (205) do que a Zona Oeste. Usados os dados de 2022 do Ministério da Justiça, se a região fosse um município, com os 398 assassinatos apenas até setembro deste ano, a Zona Oeste seria a sétima cidade com mais mortes no país.

Nós, moradores, vamos entrando em estado de sobrevivência, meio apáticos para conseguir encarar o cotidiano
— Ativista social da Zona Oeste do Rio

As dez cidades com mais mortes no país em 2022 e a comparação com a Zona Oeste do Rio este ano (Fonte: Sinesp e ISP)

  1. Salvador - 1.134 homicídios
  2. Manaus - 966 homicídios
  3. Fortaleza - 819 homicídios
  4. Rio de Janeiro - 809 homicídios
  5. São Paulo - 583 homicídios
  6. Recife - 517 homicídios
  7. Zona Oeste - 398 homicídios
  8. Maceió - 374 homicídios
  9. Teresina - 343 homicídios
  10. Feira de Santana - 324 homicídios
  11. Porto Alegre - 323 homicídios

Após os ataques desta semana, moradores de uma região de Santa Cruz contam que até os cultos nas igrejas foram cancelados, e ruas ficam desertas à noite. Na Gardênia Azul, com a troca no comando armado desde março, há quem esteja na mira dos novos tiranos. José (nome fictício) se considera hoje um “empresário desempregado”, depois de 15 anos com loja na comunidade. Ele não aceitou pagar a taxa ilegal imposta pelo bando, de 50% de seu faturamento bruto, foi expulso da favela e perseguido até no novo escritório, aberto em outro bairro da Zona Oeste. Para não morrer, rendeu-se, fechando as portas:

— Tinha três mil clientes e cinco carros para fazer o atendimento. Precisei demitir meus 14 funcionários. Era muita gente chorando no dia da demissão. Mas não tive alternativa. Era minha vida ou minha empresa.

Homicídios dolosos no Sudeste — Foto: Editoria de Arte
Homicídios dolosos no Sudeste — Foto: Editoria de Arte
Era muita gente chorando no dia da demissão. Mas não tive alternativa. Era minha vida ou minha empresa
— José (nome fictício), empresário na Gardênia Azul

Métodos perversos

Coações e métodos cruéis também fazem parte da atuação das milícias em outra região fluminense onde a guerra parece sem fim: a Baixada Fluminense. Ali, acreditam moradores e integrantes do Fórum Grita Baixada, os desaparecimentos forçados abafam o real número de mortos. E eles relatam toda sorte de tortura psicológica imposta nesse processo.

Não deixar que mães vejam os corpos dos filhos e possam enterrá-los é um recado a todos sobre o poder do bando. No modus operandi para alertar famílias a não registrar os casos na polícia, podem haver coações explícitas ou avisos de camaradagem cínica, do tipo “cuidado, o bairro está perigoso”. Os desaparecidos vão parar em cemitérios clandestinos, poços artesianos ou rios. Na região de Nova Iguaçu, o Guandu, que abastece 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana, é um lugar de desova. E se alguém encontra o cadáver preso em galhos, é recomendável não recolhê-lo, só desprendê-lo dos obstáculos para deixá-lo seguir o rumo. É uma forma de não arrumar problemas com os assassinos, cuja perversidade pode ir ainda mais longe.

— Há relatos de que ossadas são trituradas e usadas em emboço de obras, além de corpos jogados aos porcos ou aos jacarés — afirma um representante do Grita Baixada.

A desconfiança da polícia também é comum, devido às ligações de agentes do estado e de políticos com a milícia. E, se não tem registro nem corpo, é como se não houvesse o crime sequer à luz das estatísticas. O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da UFRRJ, realiza atualmente uma pesquisa sobre o Km 32, em Nova Iguaçu, uma das primeiras áreas em que eclodiu a atual guerra entre milicianos, mas onde a disputas entre paramilitares e uma facção do tráfico se iniciou no fim de 2007 e continua.

No bairro, a disputa hoje põe frente a frente os milicianos Tauã Oliveira Francisco, o Tubarão, e o bonde de Zinho. Mas, assim como no entorno, oscilam as alianças e rivalidades com facções do tráfico. Além das mortes e desaparecimentos forçados, esse ambiente também adoece, como tem demonstrado sua pesquisa.

— Atinge a saúde, os relacionamentos. É tanto sofrimento que mães morrem em decorrência da morte dos filhos. Há casos de diabetes, hipertensão, doenças psíquicas. Parece uma bomba invisível que vai afetando a todos — diz Alves.

Uma de suas reivindicações é que os desaparecimentos forçados sejam tipificados como crime, separados dos desaparecimentos em geral, que aparecem atualmente nos dados oficiais. Com base neles, em todo o Estado do Rio, de acordo com o ISP, o número de desaparecimentos aumentou 10% de janeiro a setembro deste ano (de 3.899 para 4.289). Na Zona Oeste da capital, esse salto foi de 24,3% (de 637 para 792), enquanto na área de segurança pública que inclui Nova Iguaçu foi de apenas 0,6% (de 165 para 166 desaparecimentos).

É tanto sofrimento que mães morrem em decorrência da morte dos filhos. Há casos de diabetes, hipertensão, doenças psíquicas
— José Cláudio Souza Alves, sociólogo da UFRRJ

— Dentro de uma lógica de terror absurdo, há um grande sub-registro dos desaparecimentos forçados — diz Alves. — No Km 32, são muitos relatos. E desaparecimento é uma ausência de prova — conclui Alves, acreditando que a situação possa piorar com a aproximação das eleições de 2024.

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