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Camelôs, flanelinhas, fretistas, barraqueiros de praia, motoristas de van, mototaxistas, meninos que vendem balas nos semáforos. Essas atividades tão diferentes entre si encontram, na Zona Oeste do Rio, um ponto em comum: todas são alvo da extorsão praticada pela milícia e precisam se submeter ao pedágio do crime. No segundo capítulo série especial em cinco capítulos sobre as milícias, dentro do projeto exclusivo para assinantes Tem Que Ler, O GLOBO mostra as histórias de quem é obrigado a pagar taxas aos criminosos para continuar trabalhando.

No início de 2017, o motorista José Carlos da Silva, de 48 anos, começou a trabalhar fazendo fretes para clientes de um supermercado em Vila Valqueire, na Zona Norte do Rio. A oferta de emprego veio de um amigo, que integrava um grupo de fretistas que trabalhava naquele ponto há 20 e sabia das dificuldades financeiras pelas quais José Carlos passava na época. Como estava endividado, o motorista precisou da ajuda do amigo até para financiar o carro que passou a usar. No entanto, a animação por ter conseguido uma fonte de renda logo deu lugar ao medo: em agosto daquele ano, milicianos do Morro do Campinho, vizinho ao mercado, foram ao ponto e comunicaram que, a partir daquele momento, cada fretista seria obrigado a pagar R$ 30 por dia à quadrilha.

A história escancara como a milícia sequestra o cotidiano e não poupa a parcela mais pobre da população, formada por trabalhadores autônomos e informais. Pelo menos 43 atividades econômicas diferentes fazem parte do portfólio de extorsão das milícias do Rio: do monopólio da venda de kit churrasco à exploração de estacionamentos; da extração de saibro à construção de prédios.

Vendedor de água: ambulantes também são alvo da extorsão por milicianos na Zona Oeste do Rio — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo/Arquivo
Vendedor de água: ambulantes também são alvo da extorsão por milicianos na Zona Oeste do Rio — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo/Arquivo

A TABELA DO CRIME

  • Meninos de sinal: crianças e adolescentes que vendem balas e outros produtos em semáforos em Santa Cruz e Campo Grande têm de pagar R$ 50 por semana. A área é dominada pelo bando do miliciano Zinho.
  • Vans: em Santa Cruz, os motoristas de vans precisam pagar à milícia R$ 780 todas as quartas-feiras. Em Nova Iguaçu, nas áreas sob controle dos milicianos Juninho Varão e Tubarão, a taxa semanal de R$ 730 tem de ser quitada toda segunda-feira. No Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, onde atuam Zinho e uma facção do tráfico, as vans pagam R$ 550 por semana. O pedágio dos milicianos em Jacarepaguá, região disputada entre paramilitares e traficantes, fica em R$ 600 por semana.
  • Mototáxi: mototaxistas que atuam em áreas da milícia em Santa Cruz e Campo Grande precisam pagar R$ 90 todos os sábados para continuarem circulando. Em Nova Iguaçu, o pagamento também é feito aos sábados: R$ 75. No Recreio, a taxa do crime fica em R$ 60. Em Jacarepaguá, o valor é mais alto: R$ 80 por semana.
  • Gatonet: ter acesso ao sinal clandestino de internet tem um custo pago mensalmente nas áreas de milícia. Em Nova Iguaçu e Jacarepaguá, o serviço ilegal sai por R$ 60. Já em Santa Cruz e Campo Grande, a gatonet custa R$ 80 por mês. Em todos os casos, mesmo que o morador não tenha usado o sinal durante o mês, o valor tem de ser quitado.

José Carlos tentou enfrentar a tirania. Como, trabalhando das 8h às 22h, só conseguia juntar no máximo R$ 200 num dia, ele juntou seus colegas motoristas para ir à 30ª DP (Marechal Hermes) denunciar os milicianos. Três meses depois, na noite de 11 de novembro, o fretista foi executado com 12 tiros numa emboscada em Marechal Hermes, a pouco mais de um quilômetro do mercado.

Milicianos: Faustão, morto em Santa Cruz, é nº2 de Zinho; que, por sua vez, herdou a liderança da milícia do irmão, Ecko — Foto: Reprodução
Milicianos: Faustão, morto em Santa Cruz, é nº2 de Zinho; que, por sua vez, herdou a liderança da milícia do irmão, Ecko — Foto: Reprodução

Além de fretistas, camelôs, barraqueiros de praia, vendedores ambulantes, flanelinhas e até jovens e adolescentes que vendem balas e doces em sinais de trânsito também são obrigados a pagar taxas aos paramilitares. A folha de pagamento das milícias, no entanto, é diversificada: no outro extremo, estão empreiteiras com faturamentos milionários e obras espalhadas pelo país e sofisticadas empresas de energia solar, que pagam até R$ 70 mil de pedágio aos criminosos.

O aumento no leque de atividades fez o faturamento da milícia explodir. Em 2008, segundo estimativa do delegado Marcus Neves à CPI das Milícias, o grupo paramilitar que dominava Campo Grande e Santa Cruz faturava R$ 4,6 milhões mensais — em valores já corrigido. Em 2021, uma investigação da Polícia Civil apontou que o montante triplicou e chegou a R$ 15 milhões.

No caso de José Carlos, o motorista assassinado após bater de frente com a milícia, a união de seus colegas de trabalho foi determinante para que o crime não ficasse impune. Os fretistas que trabalhavam no mercado foram novamente à polícia e identificaram os três milicianos que ameaçaram o grupo. Em fevereiro do ano passado, desembargadores da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) determinaram que Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho — apontado como um dos chefes da milícia do Campinho —, Wagner Evaristo da Silva Junior e o ex-PM Marcos Gileno Alves Pereira sejam levados a júri popular pelo homicídio.

Em setembro passado, Silva Junior foi morto a tiros. Até hoje, o julgamento dos outros dois não foi marcado. Motoristas que ainda trabalham no mercado contam que até hoje pagam as taxas estipuladas pela milícia — e o valor passou de R$ 30 para R$ 50 por turno de trabalho.

De guardador de carros a construtora

Já em Irajá, na Zona Norte, uma milícia passou, em junho de 2020, a cobrar R$ 80 por semana de guardadores de carros que trabalhavam em frente ao cemitério do bairro. O trabalhador que não pagou o valor estipulado foi espancado no mês seguinte à luz do dia na praça. Na ocasião, a polícia foi acionada e prendeu um dos milicianos. Na orla da Praia de Guaratiba, o valor semanal que a milícia cobra dos flanelinhas é ainda maior: R$ 150.

Para conseguir pagar, os guardadores cobram até R$ 50 dos banhistas. Já em Santa Cruz e Campo Grande, a milícia chefiada por Luis Antônio da Silva Braga recolhe, semanalmente, R$ 50 de cada vendedor de bala que bate ponto nos sinais da região e de camelôs que trabalham perto das estações de trem.

Na mesma região, a quadrilha cobra, de algumas das maiores construtoras do país, taxas que variam de R$ 37 mil a R$ 74 mil. Uma planilha de contabilidade do grupo apreendida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) no ano passado têm, sob o título “obras”, os nomes das empresas seguidos por valores que, somados, chegam a mais de R$ 230 mil.

Em 2019, paramilitares de Seropédica, na Baixada Fluminense, cobraram uma mensalidade de R$ 15 mil de uma empresa do mercado fotovoltaico que tentava implantar uma fazenda solar na região. No mês em que o valor não foi pago, o estabelecimento foi invadido e três mil placas solares tiveram os cabos cortados. Na cidade, a milícia cobra taxas até de obras públicas: em 2017, a duplicação de uma ponte na BR-465 foi paralisada porque a quadrilha exigiu R$ 35 mil da empreiteira contratada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Atualmente, a milícia da região é chefiada pelo miliciano Tauã de Oliveira Francisco, o Tubarão, desafeto de Zinho. Para garantir o monopólio da venda de cigarro, Tubarão estipulou que todos os maços de cigarro expostos em comércios da cidade devem ser marcados com etiquetas verdes. O símbolo sinaliza que o produto é da milícia — e é vendido com ágio de R$ 2. Comerciantes que vendem maços sem a marca são ameaçados e têm os produtos recolhidos.

O eletricista da milícia aparecia para religar a luz, e cobrava R$ 150 mensais de taxa para ter energia direto
— Thiago Neves Bezerra, ex-titular da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas (Draco)

Em Rio das Pedras, a quadrilha chegou a provocar um apagão para aumentar seus lucros. Segundo o delegado Thiago Neves Bezerra, ex-titular da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas (Draco), os paramilitares cortaram a energia de praticamente toda a comunidade e, logo depois do apagão, foram bater à porta dos moradores.

— O eletricista da milícia aparecia para religar a luz, e cobrava R$ 150 mensais de taxa para ter energia direto. Eram 3 mil, 4 mil moradores... Um lucro absurdo — conta o delegado.

As milícias no Rio:

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