Saúde
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Por Bernardo Yoneshigue — Rio de Janeiro

Desde que o primeiro caso da gripe aviária H5N1 foi detectado de uma ave para um humano, em 1997, o mundo nunca esteve em um alerta tão alto para a possibilidade de uma mutação que leve à transmissão entre pessoas – e provoque uma nova pandemia. Fatores como o recorde de casos entre os animais, a expansão do vírus para localidades onde antes não havia infecções e o registro inédito de contaminações entre mamíferos têm preocupado especialistas.

— Se o vírus ficasse restrito só a aves, traria uma preocupação menor, mas ele foi transmitido para algumas espécies de mamíferos e, depois, entre eles. Isso aumentou a preocupação, porque nós somos mamíferos e mostra que o vírus tem capacidade adaptativa. Se ele conseguir se adaptar aos humanos, estão dados os ingredientes para uma potencial nova pandemia — diz o infectologista Esper Kallás, que assumiu neste ano o cargo de diretor do Instituto Butantan, em São Paulo.

Kallás, que também é professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), conta que o Butantan tem, desde janeiro, buscado se antecipar à ameaça da gripe aviária e preparado lotes de imunizantes que podem ser testados em humanos ainda neste ano.

Em entrevista ao GLOBO, o infectologista fala sobre a preocupação com a doença, as outras vacinas que estão em desenvolvimento no Butantan, a expansão da capacidade produtiva do instituto e a expectativa de utilizar a ButanVac como um reforço anual para a Covid-19.

Uma das questões mais pertinentes hoje de saúde pública é a gripe aviária, que tem preocupado autoridades de saúde com os primeiros casos no Brasil identificados em aves na última semana. Como o senhor vê o risco de uma nova pandemia?

Das pandemias que tivemos nos últimos 150 anos, a maioria foi por gripe. A pior delas foi a gripe espanhola, no começo do século 20. Os dados não eram muito bons naquela época, mas a projeção é que 2 a 5% das pessoas dos infectados morreram. Já na gripe aviária, os casos de transmissão para humanos de que temos registro, por contato muito direto com os animais, resultaram em até 50% de mortalidade. Isso seria uma tremenda tragédia.

E o problema é que nos últimos dois anos começou a se observar uma disseminação desse vírus para regiões onde não tínhamos antes, como na América do Sul, e agora no Brasil. Se o vírus ficasse restrito só a aves, traria uma preocupação menor, mas o que aconteceu também foi a transmissão para algumas espécies de mamíferos e, depois, entre eles, como nos leões-marinhos encontrados na costa do Pacífico. Isso aumenta a preocupação porque nós somos mamíferos, e mostra que o vírus tem capacidade adaptativa. Se ele conseguir se adaptar aos humanos, e circular entre nós, estão dados os ingredientes para uma potencial nova pandemia.

E como o Butantan tem se preparado para essa possibilidade?

Alguns países já vinham se antecipando e fazendo estudos de lotes estratégicos de vacinas contra a gripe aviária. No dia que cheguei ao Instituto, reunimos vários pesquisadores para começar um projeto de imunizante. Começou no fim de janeiro, e ali começamos a estudar quais eram as possibilidades, e temos isso andando há alguns meses.

O objetivo é fazer lotes piloto para testes pré-clínicos e, espero, ainda no segundo semestre, começar um estudo clínico para ver se a vacina que estamos fazendo tem capacidade de induzir uma resposta protetora em humanos.

Essa discussão vem sendo levada no Butantan, mas também junto à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, ao Ministério da Saúde e até mesmo com a Anvisa. O que temos procurado é antecipar os eventos, deixar todo o caminho pavimentado e estar preparado para acelerar o desenvolvimento caso nos encontremos numa situação de emergência novamente.

Nesse contexto de ampliação da produção, no ano passado o Butantan inaugurou uma nova fábrica que inicialmente seria focada na CoronaVac. Com a queda na demanda, quais são os planos hoje?

Estamos discutindo agora o primeiro uso dela ser para a produção de vacina contra a dengue, porque nós estamos na fase final de desenvolvimento e pretendemos até o começo de 2025 já ter doses prontas para serem entregues.

A fábrica vai entrar em operação no fim desse ano, porque ainda tem uma fase de validação das normas e exigências da Anvisa. Mas ela está nos adicionando uma flexibilidade enorme, nessa mesma fábrica poderemos produzir também vacinas para a Covid, hepatite, chikungunya (ainda em testes), anticorpos monoclonais, entre outros.

O Butantan anunciou em dezembro os primeiros resultados da última fase de testes clínicos da vacina da dengue, com uma eficácia de 79,6% para evitar a doença. Qual a expectativa para solicitar o aval para uso no Brasil?

O resultado primário de eficácia da vacina foi conhecido no fim do ano passado, mas o estudo ainda está em andamento e mais informações sobre esse projeto vão ser publicadas continuamente. Nós notamos que ainda há pendências, como a avaliação dessa vacina em populações especiais.

Mas nós gostaríamos de ter até o fim do ano que vem tudo pronto para submeter à Anvisa a solicitação de registro. Nós estamos muito entusiasmados e otimistas. Embora essa vacina tenha sido descoberta por um pesquisador nos Estados Unidos, todo o desenvolvimento clínico foi no Instituto Butantan. Então é algo que foi gestado aqui e que vai servir para mitigar o sofrimento de uma doença em todo o planeta.

Uma nova vacina para dengue foi aprovada recentemente, do laboratório japonês Takeda. Porém, qual seria a importância de ter um imunizante que pode ser produzido aqui no país?

São enormes as vantagens. A primeira é que, no caso de uma crise internacional, você não depende de ninguém. Você pode fazer essa vacina, produzir e distribuir localmente. Nós vimos isso acontecer na pandemia. Por causa dessa geopolítica que se criou em relação à crise, muitos dos produtos tiveram dificuldade de chegar em alguns dos mercados, inclusive o do Brasil.

Também temos um controle melhor de preços. Se você ficar à mercê do mercado internacional, é mais difícil. Por isso uma política industrial em biotecnologia no Brasil é muito importante. Amanhã, se aparecer uma nova ameaça de saúde pública, nós conseguimos ter uma resposta mais rápida.

E para as outras arboviroses (zika e a chikungunya), quais são os planos para um imunizante?

Nós temos muitos bolsões de transmissão de chikungunya hoje no país, e temos uma vacina em testes, que é uma parceria entre o Butantan e a farmacêutica Valneva, que está indo de vento em popa. Nós esperamos também conseguir todos os documentos para solicitação de registro (com a Anvisa) até o fim do ano que vem.

Já em relação à zika, não estamos mais tendo tantos casos em São Paulo. Mas nós temos um projeto de vacina, de vírus inativado, e temos aqui os lotes necessários para a produção de um piloto. Então estamos com esse desenvolvimento em andamento.

No ano passado o Butantan disse estar negociando trazer o material biológico para a produção de uma vacina contra a Mpox (antiga varíola dos macacos) no Brasil. Isso ainda está nos planos ou a melhora do cenário epidemiológico tirou do foco?

O cenário atual tirou um pouco do foco, porque o número de casos caiu demais. Ainda assim, está em processo de assinatura um acordo com uma empresa para trazer o vírus semente para fazer a vacina aqui. Esperamos conseguir até o fim deste mês, para depois começar a discutir nossa capacidade produtiva.

Isso é importante porque outros países se viram nessa emergência e tinham essa vacina, que era a mesma para prevenção de varíola, armazenada há praticamente mais de 20 anos. Eles descongelaram, e ela funcionou. Então, ter um estoque de vacina contra Mpox é uma coisa sábia que o governo deve pensar, e o Butantan está nessa linha de pensamento também.

Em relação à ButanVac, vacina para a Covid-19 em desenvolvimento no Butantan, existe algum plano de utilizá-la como a da gripe, de forma atualizada a cada ano para uma nova variante?

Existe, e nós estamos trabalhando nesse sentido. A ButanVac está na fase 2 de estudos, e está correndo bem. Logo que os resultados ficarem prontos, devemos desencadear a etapa de inclusão de mais voluntários. A vacina está promissora, os resultados preliminares de indução de defesa protetora contra o coronavírus foram muito encorajadores.

E a vantagem é essa, que o Butantan consegue adaptá-la todos os anos à nova variante. Queremos criar essa estrutura aqui dentro para incorporar toda a cadeia produtiva e, depois, ter essa capacidade de adaptação. Ela usa a mesma planta da vacina da gripe, o que para nós é muito bom.

E o projeto de uma dose única para Covid-19 e gripe?

Ele existe, mas temos que ir aos poucos. Vamos primeiro mostrar que a ButanVac tem todos os requisitos para receber o registro, e aí podemos trabalhar num produto combinado. O projeto está ainda em fase preliminar, mas pode ser sim que no futuro tenhamos uma vacina trivalente para a gripe com um componente do Sars-CoV-2 (vírus da Covid-19).

A Fundação Butantan vai receber R$ 1 bilhão do BID Invest, banco de investimento filiado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para o financiamento de duas novas plantas em seu parque industrial. Qual o objetivo desse aumento na capacidade produtiva?

Temos dois projetos principais. O primeiro deles é a finalização da nova fábrica de soros, que vai aumentar a nossa capacidade de 600 mil doses para 1,5 milhão por ano. O segundo é um projeto para um prédio para fazer o envase e finalização de produtos, que vai permitir as etapas finais de preparação de diversos imunobiológicos. A gente pretende começar (as obras) neste ano, mas são projetos grandes que demandam tempo.

Acredita que a pandemia deu um destaque maior para a importância de se investir em imunobiológicos?

Sem dúvida nenhuma, agora o desafio é manter esse foco. Porque depois de passada a emergência sanitária, a reação inicial das pessoas é pensar “agora acabou, deixa pra lá”. Mas temos que continuar convencendo aqueles que tomam as decisões executivas de continuarem com esse tipo de investimento. Uma nação só vai ser desenvolvida, capaz de proteger sua população, se investir em ciência, inovação e uma política de estado para melhoria da sua capacidade produtiva em biotecnologia. Vários países adotaram isso um tanto de anos atrás e se deram muito bem. O Brasil precisa ter sempre isso dentro do seu foco.

No último governo, o Butantan sofreu com um desalinhamento dos objetivos na área da saúde entre a esfera estadual e a federal, o que acaba impactando essa questão de política de estado. Qual a perspectiva agora com os novos governos nas respectivas esferas?

Depois das eleições, houve um realinhamento. É uma ação tripartite, que todo mundo tem que estar junto, porque somente ações coordenadas vão ter grandes sucessos. E temos um diálogo permanente com o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Estado. O ambiente é mais favorável, e o diálogo com o objetivo de proteger a população brasileira vai ser sempre a meta principal.

O Butantan abriu recentemente o primeiro museu da vacina da América Latina, qual a importância de celebrar a história dos imunizantes em meio à queda das coberturas vacinais no Brasil?

O Brasil tem a história de ser um país com grande adesão a campanhas de vacinação, nós precisamos resgatar isso. Esses anos recentes colocaram tudo isso em xeque com a disseminação de notícias falsas e desinformação pela internet. O que temos que fazer é trazer produtos de qualidade, mostrar à população que é benéfico e que muitas vidas podem ser salvas. Isso não é uma coisa que se conquista de uma hora para outra, são décadas de trabalho, e precisamos mobilizar todos os setores da sociedade para ajudar nesse sentido.

Recentemente, tornou-se público que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) investiga suspeitas de irregularidades na Fundação Butantan, entidade privada sem fins lucrativos que administra os recursos financeiros do instituto. Como está essa questão, a nova gestão busca dar maior transparência nas negociações?

Sim, reflexo disso é o relacionamento que estabelecemos de mais comunicação direta com as agências reguladoras do Estado de São Paulo principalmente. Ontem (dia 18) recebemos aqui no instituto a visita de um grupo de conselheiros do TCE. O ambiente é mais favorável nesse sentido, temos contato direto com o Tribunal de Justiça, o TCE, a procuradoria do Ministério Público e a Procuradoria do Estado de São Paulo. Resgatamos alguns dos debates que houve recentemente em relação a fundação e o instituto, e temos tido muita receptividade na busca desse diálogo.

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