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Em um mundo carente de encontros espontâneos, muitos buscam em aplicativos de relacionamento, como o Tinder e o Bumble, companheiros amorosos ou parceiros para sexo casual. Como em um jogo, os nomes aparecem na tela e é possível escolher os perfis que chamam mais atenção, por terem fotos mais bonitas ou personalidades interessantes descritas na bio. Mas, e se outros detalhes fossem adicionados?

Para além da descrição de características físicas, como altura e cor dos olhos, da orientação sexual e da "situação sentimental" (casado ou solteiro), novas plataformas permitem que os usuários detalhem suas preferências e fantasias sexuais de maneira tão específica que elas podem ser ilustradas em porcentagens e gráficos que mostram, por exemplo, qual é a probabilidade de o usuário ser dominado ou dominante em uma relação.

Alguns desejos, considerados inusitados pelo senso comum e tradicionalmente só canalizados no sexo com parceiros fixos, têm sido revelados em aplicativos exclusivos para indivíduos que buscam relações e práticas não convencionais, uma onda crescente entre os jovens e adultos mundialmente. De acordo com um estudo feito pelo aplicativo de relacionamentos fetichistas KinkD, o Brasil ocupa 6º lugar entre os países que mais procuram parceiros dispostos a praticar BDSM, sigla para as práticas de Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo.

O ranking foi feito a partir de um levantamento de mais de 426 mil novas inscrições na plataforma entre janeiro e dezembro de 2023, e foi liderado pelos países de língua inglesa Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Criado em 2017 e hoje com uma base de usuários superior a 1,9 milhão, o aplicativo busca atender as demandas dos usuários por experiências românticas alternativas, ao conectar pessoas a milhares de quilômetros de distância, como moradores da Alemanha (4º no ranking), Austrália (5º) e Índia (7º).

— A importância desses resultados reside no reconhecimento das diversas preferências dentro da comunidade kink, BDSM e fetichista. À medida que continuamos a crescer, estamos comprometidos em melhorar a experiência do usuário, localizando nosso aplicativo em países que não falam inglês — comenta John Martinuk, cofundador do KinkD.

Para além dos chicotes e algemas

Júlia, estudante de 22 anos, passou a usar plataformas como o KinkD há pouco mais de seis meses, quando percebeu que não tinha prazer em relações que não envolviam dinâmicas de poder. Enquanto também usava aplicativos de namoro convencionais, ela procurava pessoas que tinham necessidades complementares ao seu desejo de ser dominada.

— Antes eu já tinha fantasias sexuais, e esse foi o momento de eu agir em função delas e descobrir o que eu realmente gosto, que é a humilhação, e não a dor. Pelas conversas e encontros que eu tive, eu finalmente pude ter contato com com outras pessoas que pensam como eu — conta.

De acordo com a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) da Universidade de São Paulo (USP), as explicações para esse tipo de comportamento ainda estão sendo investigadas pelo campo científico, mas hipóteses genéticas e comportamentais são apontadas como as principais a serem estudadas.

— Existem indícios de que aqueles que têm essa prática já possuem uma predisposição genética para um tipo de comportamento sexual fora do considerado comum. Percebe-se também que ao longo da vida dessas pessoas, coincidentemente, muitas afirmam que tiveram vivências anteriores e repetitivas em que foram submetidas ou submeteram alguém e nas quais sentiram um certo tipo de prazer, não necessariamente sexual — explica.

Amarrações, chicotes, algemas, mordaças e xingamentos podem hoje compor o repertório sexual de muitos desses indivíduos, que estão cansados do "sexo baunilha", isto é, convencional, e têm vontades de provar o que alguns definem como "o doce sabor da submissão", segundo a sexóloga Michelle Sampaio. Atuante também como coordenadora do Departamento de Parafilias da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual, Michelle aponta que essas tendências são mais recorrentes do que o senso comum sugere e que elas não devem ser consideradas um transtorno, desde aconteçam entre adultos, com consensualidade e não causem prejuízo a nenhuma das partes.

Essas diretrizes foram estabelecidas pelo 5º Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado em 2013 pela Associação Americana de Psiquiatria, que passou a distinguir o conceito de parafilias, definidas como práticas sexuais atípicas, de distúrbios parafílicos, que incluem sofrimento profundo do indivíduo, a não consensualidade e danos causados a terceiros.

— Essa diferenciação foi fundamental para dizer que ter fantasia sexual ou fetiche não é doença, não é algo que precisa ser combatido se não estiver causando angústia. É preciso olhar de maneira distinta alguém que se diz voyeur e que procura parceiros online para satisfazer essa vontade daqueles que instalam câmeras em banheiros, por exemplo — ressalta Sampaio.

Equilíbrio entre domínio e submissão

Como sexóloga, Sampaio costuma tratar de pacientes que têm essas fantasias sexuais, mas comumente não sabem como realizá-las ou como comunicar para o parceiro sobre quais são os seus desejos. Um bom começo, segundo ela, é a compreensão da sigla SSC: são, seguro e consensual

— Perguntas como "O que você gosta?" e "Qual é a hora de parar?” trazem mais segurança e respeito para relação. Mesmo fora desse mundo o consentimento, muitas vezes, é desrespeitado, antes mesmo do momento em que se tira a roupa, então a construção de um compromisso expresso por essas perguntas faz a diferença — explica a especialista.

Para o dominador Gabe Spec, praticante profissional de BDSM há 3 anos, a negociação dos limites é uma questão de contrato e acontece antes mesmo de qualquer sessão com os seus clientes. Caso o submisso, também chamado de "bottom", fique desconfortável com algum aspecto durante a prática, Gabe explica que ele pode usar palavras de segurança: “amarelo” é geralmente um sinal de alerta, e “vermelho” interrompe a ação.

Por isso, Gabe, que se autodenomina sádico, isto é, tem prazer em aferir dor física em outros, oferece o “aftercare” (cuidado posterior, traduzido do inglês) às suas submissas após exercer o papel do dominador, também reconhecido como "top" da relação.

— É o momento em que elas param de me servir, e eu vou ter uma conversa para saber se elas estão bem ou cuidar dos ferimentos que podem ter sido deixados no corpo. Eu também posso deixá-las relaxar, por exemplo, através de uma massagem. Esse cuidado deve ser feito não só na primeira hora após a sessão, mas nos dias consecutivos também — explica.

A psiquiatra Carmita Abdo explica que essa tentativa de "aconchego" após a sessão de BDSM é também um aspecto que acontece em atos sexuais considerados "comuns".

— Havendo envolvimento verdadeiro entre as partes, geralmente as pessoas buscam esse carinho após a prática sexual — esclarece.

Para Gabe, não ter esse cuidado, representa uma “red flag” (bandeira vermelha, traduzido do inglês), diante da qual o submisso deve ficar atento.

De fato, a segurança ainda pode ser uma questão preocupante para as pessoas que estão nesse mundo. Um outro estudo feito com 3.033 usuárias do aplicativo KinkD revelou números alarmantes sobre esse impasse: 68% das mulheres entrevistadas tiveram experiências não consensuais com pessoas que conheceram online e que alegaram praticar BDSM, ou seja, foram submetidas a um ato violento ou degradante sem dar consentimento prévio. Além disso, 33% das participantes da pesquisa foram enganadas – financeiramente, sexualmente, romanticamente ou através de imagens e vídeos falsos – por dominantes ou submissos falsos que conheceram online.

Atuante há quatro anos no ramo do fetichismo, a dominatrix Eduarda Leal ressalta a diferença entre subjugação e dominação: o primeiro invocaria traumas e poderia causar, potencialmente, a revolta do dominado. No entanto, segundo ela, a submissão deve ser baseada na liberdade de escolha e na entrega carregada de admiração, confiança e respeito para expor aspectos mais íntimos do ser.

— Para evitar as situações problemáticas dentro desse meio, é importante que exista uma comunidade. Se você está achando alguma coisa estranha, converse com os colegas e veja o que eles têm a dizer a respeito. Assim, você já se protege de muita coisa errada — reconhece a "mistress" (senhora, traduzida do inglês), título também usado por dominadoras mulheres.

Brincadeira de adulto

Buscando atender o desejo de formar um núcleo fetichista em Brasília, uma cidade onde, de acordo com ela, a prática acontece de maneira dispersa em ciclos sociais bem fechados quando comparado ao Rio de Janeiro e São Paulo, ela decidiu abrir um espaço para práticas e encontros de BDSM. O "Playroom", como é denominado o estabelecimento, foi inaugurado em fevereiro do ano passado por iniciativa de Eduarda e de sua sócia, a também "mistress" Sandra, e consiste em um ambiente isolado acusticamente e equipado com móveis e acessórios para a imobilização, suspensão e corporal, além de velas, vibradores, restritores e açoites.

Dentro dessa subcultura, a dor, que durante muito tempo foi associada a absolvição de pecados em contextos religiosos, é ressignificada como um símbolo de entrega ao prazer para além do que é possível imaginar, elas explicam.

Ao exercer controle total de seus submissos Sandra, que hoje vive em um relacionamento aberto e trabalha como dominatrix nas horas vagas, também se refere à prática de BDSM como um jogo em que ela é a guia para a descoberta sexual.

— É lindo ver a reação das pessoas quando eu faço algo novo e elas descobrem que gostaram. Eu tenho genuíno prazer em proporcionar isso para aqueles que nunca acharam que iriam conseguir atender esses desejos e observá-los descobrindo um novo mundo — afirma.

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