Rio Show

Um passeio pelo Rio literário de Alberto Mussa, Luiz Antonio Simas e Nei Lopes

Escritores cariocas participam de mesa no dia de abertura da Bienal do Livro, nesta sexta-feira, no Riocentro
O ficcionista Alberto Mussa e o historiador Luiz Antonio Simas, na Tijuca Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
O ficcionista Alberto Mussa e o historiador Luiz Antonio Simas, na Tijuca Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

As ruas da cidade marcam grandes momentos da literatura brasileira, inspirando textos de João do Rio, contos de Sérgio Sant’Anna e romances de Lima Barreto e Machado de Assis. Sem contar as crônicas de Rubem Braga, as peças de Nelson Rodrigues e as letras de Aldir Blanc. E essa vocação do Rio para as letras culmina com a XIX Bienal Internacional do Livro, que começa nesta sexta (30/8) e segue até o dia 8 de setembro, no Riocentro.

Um velho botequim do Centro. Uma rua decadente. Os frequentadores de uma loja de artigos religiosos afro-brasileiros. Um mero pedaço de pau usado para bater no tambor. Essas coisas corriqueiras da vida carioca, que passam batidas pela maioria das pessoas na correria do dia a dia, são a matéria-prima da obra de Luiz Antonio Simas, Alberto Mussa e Nei Lopes, autores que participam hoje (30/8) da mesa “A história do Rio e suas histórias”, no Café Literário, às 19h.

— Essencialmente, vamos falar da história do Rio. Dentro da obra e da reflexão de cada um de nós existe uma presença forte da cidade. Na ficção, no meu caso, está presente a memória afetiva, não um passado historiográfico, mas mais mitológico. O do Nei está entranhado na carioquice do samba, assim como na sua obra ficcional — afirma Mussa.

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E todo esse universo gira em torno do Centro e da Zona Norte, “onde estão os patrimônios imateriais da cultura carioca”:

— Meu olhar sobre a cidade não é nada espetacular, é sobre o cotidiano, o corriqueiro, não é voltado para cariocas famosos. Não estudo o Pereira Passos, por exemplo. Meu interesse é estudar um cara que morava num cortiço que foi derrubado por ele. A urbe que pulsa no fragmento, na nano-história, abre caminhos para uma reflexão mais ampla — diz Simas, autor de livros como “Dicionário da história social do samba”, com Nei Lopes, e “Samba de enredo: história e arte”, com Mussa.

Morador da Tijuca, Simas marcou o papo com seu amigo “Beto” Mussa e com a reportagem no Bar Caçador, na esquina da sua casa, na Praça Afonso Pena. É desse tipo de encontro informal, regado a chope e acepipes, que o historiador lança seu olhar analítico sobre a vida no Balneário de São Sebastião.

— O futebol de várzea, a religião e o botequim são mitos urbanos. Tudo que vemos aqui numa mesa de bar é o vestígio para você pensar a história da cidade. Pode indicar o medo urbano, uma relação mais livre com o corpo. Respondi certa vez que o maior símbolo do Rio é um pedaço de pau. É o que dá no corpo, do cassetete, que bateu no escravizado e no índio, mas é o mesmo que virou o pau de dar no coro do tambor, que virou um cotoco para trave de futebol de rua. É uma cidade de flor e faca — conta Simas.

Nei Lopes, autor de 'Nas águas desta baía há muito tempo' Foto: Ana Branco / O Globo
Nei Lopes, autor de 'Nas águas desta baía há muito tempo' Foto: Ana Branco / O Globo

Carioca por excelência, Lopes também teve a Zona Norte como fonte para toda a sua obra, tanto literária quanto musical.

— Nasci e fui criado em Irajá. Mas a Vila Isabel, onde morei de 1982 a 2006, foi minha grande experiência de carioquice. Então, todos os lugares de lá que eu frequentei (e frequentei todos) marcaram minha vida. Aí, incluo um pedaço da Tijuca, bairro do Salgueiro, minha eterna escola de samba, da qual participei ativamente do início dos anos 1960 ao fim dos 80 — conta o intelectual, cujo romance “Rio Negro, 50” (2015) narra sua trama a partir de dois cafés fictícios no Centro. — Eu me inspirei no Vermelhinho, onde se reuniam os intelectuais liderados por Abdias Nascimento.

Compêndio mítico

Também no Centro — onde fica a livraria Folha Seca, na Rua do Ouvidor, local citado por Simas como seu destino semanal — está a Rua da Carioca, inspiradora da obra mais recente de Mussa.

— Costumo dizer que uma cidade se define pela história de seus crimes — conta Mussa, que partiu dessa premissa para escrever seu “Compêndio mítico do Rio de Janeiro”, uma série de cinco romances policiais que foi encerrada com “A biblioteca elementar” (2018). — Fui estudar o nome da rua, vi que antes se chamava Rua do Egito. Queria fazer sobre um personagem cigano. E li num livro do Mello Morais Filho que os ciganos se consideravam originários do Egito. Fui à rua, andei, observei. E assim surgiu.

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Observador dessas vias urbanas, Simas lança na Bienal “O corpo encantado das ruas” (com outro lançamento marcado para o dia 28 de setembro na roda de samba da Folha Seca).

— É um livro de fragmentos de ensaios. Eu ainda faço aula em botequim, tenho um projeto com o Bar Madrid, por exemplo. A cidade que eu falo nas minhas histórias é uma distante da praia, da Zona Norte. A da pipa, do samba do Estácio, da tradição dos doces de São Cosme e Damião e da festa de São Jorge, hoje a grande festa popular da cidade, em Quintino — enumera.

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Apaixonados por livros e pelo Rio, ambos confessam não gostar de viajar muito.

— Eu detesto viagem, acho caro. Por que comprar uma passagem de avião se você pode comprar um livro? — indaga Mussa.