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'Adoráveis mulheres' é motivo para risos, raiva e emoção: Bonequinho aplaude sentado

Greta Gerwig faz nova adaptação do romance 'Mulherzinhas', da americana Louisa May Alcott
'Adoráveis mulheres' Foto: Divulgação
'Adoráveis mulheres' Foto: Divulgação

É um sinal de atraso que um livro publicado pela primeira vez em 1868 continue trazendo temas tão atuais e rendendo adaptações para o cinema com tanta regularidade como “Mulherzinhas”, da americana Louisa May Alcott. Foram pelo menos sete filmes, dois deles ainda na época do cinema mudo, partindo da história de quatro irmãs numa sociedade conservadora que entende o papel da mulher daquele jeito que nossos avós machistas gostavam: delicada, bem arrumada, de bons modos e “feita para casar”. Qualquer coisa fora disso seria obra do capeta.

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“Mulherzinhas”, contudo, trata o atraso social em sutilezas. Por exemplo, a protagonista, Jo March, é carinhosamente chamada pelo pai de “filho” apenas porque não segue o comportamento que a sociedade espera de uma garota: é mais briguenta, não fica sonhando com maridos e quer ser escritora. Na nova adaptação para o cinema, intitulada no Brasil como “Adoráveis mulheres”, a personagem é interpretada pela ótima Saoirse Ronan, atriz que consegue alternar facilmente expressões sérias com as caras de deboche que a gente imagina de Jo lendo o livro.

Oscar 2020: ' Adoráveis mulheres' é indicado nas categorias deMelhor filme,  Atriz, Roteiro Adaptado, Atriz coadjuvante, Figurino e Trilha sonora

Num momento do filme, Jo diz: “As mulheres têm cérebro e almas , assim como têm corações. E elas têm ambição e talento, assim como têm beleza. Estou cansada de pessoas dizendo que as mulheres só servem para amar”. Noutro, ela rebate com ironia a tia (vivida por Meryl Streep) que sugere que Jo precisa se casar com um bom homem: “Mas você não se casou, tia”.

Na sociedade americana do século XIX, Jo, porém, é uma exceção. Suas irmãs agem e pensam diferente, e talvez seja a disposição de pensamentos e desejos distintos, de uma forma equilibrada e sem julgamentos pueris, que garanta a força da história. Enquanto Jo publica textos em jornais para se aproximar da escrita, as outras irmãs têm outros interesses. Meg (Emma Watsson) quer ser atriz; Beth (Eliza Scanlen), pianista; e Amy (Florence Pugh), pintora. Cada uma tem traços de personalidades que geram conflitos, ciúmes e pequenas intrigas familiares que dão mais riqueza à trama.

Além da provocação contra o machismo, o livro é ótimo nessa sua capacidade de compreender e expor os detalhes dessa família com personagens tão próximos da realidade. O filme segue a mesma linha. Aquelas quatro garotas certamente se encaixam em perfis conhecidos pelo espectador. A relação entre elas, nos olhos de hoje, seria uma longa treta no grupo de família no WhatsApp. Com amor, porque irmãs brigam mesmo, mas ainda assim se amam. A força do romance de Louisa May Alcott está em transformar particularidades de comportamento em palavras.

Felizmente a cineasta Greta Gerwig não tentou inventar. Famosa por filmes com protagonistas femininas fortes, tanto como diretora (“Lady Bird”, de 2017), quanto como atriz (“Frances Ha”, de 2012, e “Mistress America”, de 2015), ela levou para o cinema um drama de amadurecimento e crítica social com equilíbrio. “Adoráveis mulheres”, assim como a vida das irmãs, é motivo para risos, raiva e emoção. O filme reflete não apenas problemas do passado que insistem em perturbar o mundo de hoje, mas também as soluções que as irmãs March encontraram e por quais muitas mulheres continuam lutando.

“Adoráveis mulheres” não é, portanto, um filme sobre o sofrimento feminino. É sobre sua força. E que bom que é assim.