Rio Rio de Janeiro

Thomas Troisgros é a quarta geração de chefs da família

O carioca comanda as cozinhas dos restaurantes Olympe, CT Boucherie e CT Brasserie

Thomas: assim que se formou, seu pai o convocou para assumir uma casa: “Uma decisão muito feliz”, diz Claude Troisgros
Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo
Thomas: assim que se formou, seu pai o convocou para assumir uma casa: “Uma decisão muito feliz”, diz Claude Troisgros Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo

RIO - Ele é neto do francês Pierre Troisgros, um dos criadores da nouvelle cuisine, três estrelas Michelin há 47 anos consecutivos. Além disso, é filho do também francês Claude Troisgros, homenageado este ano pela revista britânica “Restaurant”, que elege os melhores restaurantes do mundo. Sobrenome pesadinho esse, hein? Mas Thomas Troisgros, da safra carioca do clã, encarou o desafio de dar continuidade à aclamada excelência da família.

A decisão não foi das mais fáceis. Louco por futebol (principalmente pelo Flamengo), ele pensava, na adolescência, em atuar nos campos ou à beira dos gramados. Considerou também a possibilidade de trabalhar com aviões, uma outra paixão. Além disso, chegou a cursar marketing por três meses. Ou seja, tentou fugir das cozinhas. Mas os genes falaram mais alto e, aos 21 anos, Thomas (hoje com 34) foi para os Estados Unidos estudar no Culinary Institute of America, uma das principais faculdades de gastronomia do mundo. Por vontade própria, diga-se de passagem.

— Meu pai nunca me pressionou, mas foi muito malandro comigo. Ele me condicionou a ser cozinheiro sem que eu percebesse. Sempre que eu queria alguma coisa, como um PlayStation ou viajar com amigos, meu pai dizia “vai para a cozinha uma semana” — conta Thomas.

FORMADO EM INSTITUIÇÃO NOS EUA

Foi na instituição americana, localizada em Hyde Park, cidade a 1.500 quilômetros de Nova York, que Thomas teve a real dimensão da importância da família. Na primeira semana, numa aula sobre história da gastronomia, a professora citou seu avô e o irmão dele, Jean Troisgros, entre os chefs que se tornaram referências para a profissão. Pierre, Jean e nomes como Paul Bocuse criaram, nos anos 1960, a nouvelle cuisine, que revolucionou a gastronomia francesa com pratos mais delicados e bem apresentados.

— Eu falei: “Oi?”. A professora ainda apontou para mim e disse: “A gente tem um Troisgros na sala. Thomas, como é ter nascido nessa família?”. Respondi que meu avô era apenas meu avô, que Paul Bocuse era um tio para mim, mas que eu havia nascido e crescido no Brasil e não tinha essa convivência toda com eles. O mundo da professora caiu, porque ela achou que eu ia revelar podres e segredos da família. Mas eu não tinha o que contar — lembra.

“QUASE DESISTI POR TRÊS VEZES”

Thomas Troisgros comanda as cozinhas do Olympe, CT Boucherie e CT Brasserie Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo
Thomas Troisgros comanda as cozinhas do Olympe, CT Boucherie e CT Brasserie Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo

O sobrenome também pesou nas cozinhas dos restaurantes em que estagiou (ele é pupilo do chef francês Daniel Boulud, que tem dez casas em Nova York, uma delas, estrelada pelo Michelin). Mas não exatamente para o bem...

— Alguns colegas me testavam ou me sabotavam. Cortava um quilo de batata em cubinhos, alguém pegava tudo escondido e eu tinha que cortar tudo de novo — lembra Thomas.

A pressão na cozinha era grande. Fora dela, também.

— Ouvia que eu não seria tão bom quanto meu pai e meu avô. Quase desisti de ser cozinheiro por três vezes. Mas descobri que essa pressão vinha muito da minha cabeça. Depois que passei a aceitá-la melhorei muito. Quanto mais você pratica a cozinha, mais confiança adquire.

A prática começou cedo. Logo que se formou, pronto para ficar mais um ano em Nova York, Thomas foi convocado por Claude para voltar ao Brasil e assumir o 66 Bistrot (no Jardim Botânico, onde hoje funciona a CT Boucherie).

— Meu pai me ligou e disse: “Estou abrindo um restaurante novo e preciso de um chef. Ou você volta ou se vira”. Pensei que, como ele tinha investido quatro anos nos meus estudos, devia essa força para ele — conta Thomas.

Hoje, ele está à frente das cozinhas da CT Boucherie, da CT Brasserie e do Olympe, que leva o nome da avó e que acaba de ser eleito pela “Restaurant” o 17º melhor da América Latina (o mais bem colocado do Rio).

— Há dois anos, decidi deixar os restaurantes com Thomas para ele criar sua própria personalidade, suas próprias receitas. Foi uma decisão muito feliz, ele cresceu bastante profissionalmente — elogia Claude, que também é pai da caçula Carolina, responsável pelo marketing das casas da família.

Thomas ainda é sócio da hamburgueria T.T. Burger, que tem três lojas no Rio (uma quarta, no Centro, deverá ser inaugurada no início de 2017). Além disso, o chef assumiu este ano a presidência técnica da etapa regional do concurso Bocuse d’Or (considerado a Copa do Mundo da gastronomia), realizada na semana passada no Rio. Ficou encarregado de garimpar novos talentos de todas as regiões do Brasil para participar do evento.

— Mas eu seria incapaz de competir num Bocuse d’Or, por exemplo. Não gosto da tensão, do limite de tempo. Quero ter prazer cozinhando — enfatiza ele.

TEMPERO RESERVADO

Thomas Troisgros e o pai, Claude Troisgros Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Thomas Troisgros e o pai, Claude Troisgros Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Thomas é assim, enfático. E reservado. Quem não o conhece pode até pensar que é de poucos amigos.

— Tem gente que diz que eu deveria ser bem-humorado como meu pai, mas não sou (risos). Meu pai conta a vida dele inteira para qualquer um, eu não.

Ele acorda às 8h, leva o filho Joaquim, de 3 anos, à escola, malha (“para não engordar mais”) e parte para um tour pelos restaurantes. No final da tarde vai, invariavelmente, para a cozinha do Olympe. A mulher, a psicóloga Roberta Troisgros, até tem ciúme das panelas. Mas Thomas diz que consegue dar atenção a ela e ao pequeno Joaquim, que, no próximo mês, ganhará uma irmãzinha, Olívia:

— Domingo é sagrado estar com meu filho. Segundo Joaquim, eu sou lelé da cuca. Faço brincadeira, me jogo no chão. Mas, se precisar, dou bronca que nem no Exército.

Apesar de ser cedo para pensar na quinta geração de chefs dos Troisgros, uma coisa Thomas já sabe:

— Meu filho decidirá se vai seguir os meus passos. Meu pai me deixou decidir sozinho.