O Cabo Frio Convention Bureau já detectou a redução da procura por lanchas particulares para alugar nos últimos 40 dias, quando ocorreram três acidentes com essas embarcações — duas explosões e um incêndio. Diretor de serviços turísticos da associação, Emerson Paiva, explica que o uso de barcos privados para locação não está regulamentado pela prefeitura, que, após a sucessão recente de desastres, começou a discutir incluí-los na Lei municipal 1735/2003, que trata do funcionamento dos serviços de transporte de passageiros em embarcações de turismo. A legislação foi criada após o naufrágio do Tona Galea, que deixou 15 turistas mortos.
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— As lanchas dos três últimos acidentes são classificadas como de esporte e recreio. São de uso particular. Porém, a norma de Marinha permite aluguel, charter. Ou seja, a locação por terceiros. Com isso, as pessoas acabam criando um mercado, de locação de embarcações — diz Paiva, acrescentando que cabe à Capitania dos Portos fiscalizar, embora o proprietário e a marina onde os barcos ficam armazenados sejam responsáveis pela sua manutenção.
O diretor do Cabo Frio Convention Bureau acredita que os três casos seguidos sejam coincidência. O hoteleiro Radamés Muniz, ex-secretário municipal de Turismo de Cabo Frio, no entanto, tem hipóteses:
— Estou extremamente desconfiado que isso aí é alguma coisa ou do combustível que estão botando de algum posto, que está com problema, ou da manutenção feita num mesmo local. Alguma coisa tem de errado. Não é possível três acidentes seguidos. Nunca aconteceu isso com essa frequência.
Na segunda-feira, o episódio mais recente deixou dez feridos, incluindo três crianças. Na cidade, esses barcos se concentram no Canal do Itajuru, mas com embarques descentralizados, ocorrendo em marinas particulares ou no Píer Transatlântico.
Passeios custam até R$ 1.800
Uma equipe do GLOBO percorreu a cidade nesta terça-feira e encontrou equipes da Marinha fazendo a fiscalização em embarcações que saíam do Píer Transatlântico, conferindo documentação e número de coletes disponíveis. O local também serve de base para os bombeiros e a Guarda Marítima.
No entanto, a movimentação no local era pequena às 10h. O que se viu foram lanchas navegando já ocupadas por famílias, incluindo crianças, em direção à Ilha do Japonês. Um passeio para dez pessoas numa embarcação como essa pode custar entre R$ 1.250 e R$ 1.800.
Na rua, é difícil encontrar um vendedor oferecendo passeio. O marketing forte é feito pelas redes sociais, informando os contatos telefônicos. Um dos vendedores contatados, ao ser questionado sobre as explosões, confessou ter medo após ter presenciado a explosão que feriu uma família inteira, em 10 de maio.
— Nunca mais quero andar de lancha — conta ele, que segue oferecendo passeios.
O alento, segundo ele, é oferecer serviços em lanchas movidas a diesel, o que ele considera mais seguro que barcos a gasolina.
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Nesta segunda-feira, turistas do Espírito Santo faziam um passeio de lancha. Por volta do meio-dia, eles pararam para abastecer em um dos três postos de combustível para barcos da região. Ele teria deixado a tampa do tanque aberta para “saírem os odores da gasolina". Ao religar a lancha, veio a explosão.
Segundo uma testemunha, o efeito foi como o de acender uma das bocas do fogão após deixar o registro de gás muito tempo aberto. A explosão foi rápida, e seus ocupantes precisaram ser hospitalizados em duas unidades de saúde de Cabo Frio.
Sete deles seguem internados: eles foram transferidos para hospitais estaduais de São Gonçalo (Alberto Torres), Niterói (Azevedo Lima) e Araruama (Roberto Chabo). A lancha, no entanto, não foi afetada, nem consumida pelo fogo. Imagens obtidas pelo GLOBO mostram a embarcação já estacionada em uma marina, com uma bandeira do Brasil intacta, por exemplo.
![O barco da explosão de segunda-feira está numa Marina em Cabo Frio — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/-W_nWgtOLXP2MbGn7S6QAViTnis=/0x0:1280x960/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/x/U/2yKbB8QOeUluS40fOPKg/whatsapp-image-2024-06-18-at-20.54.24.jpeg)
Em 10 de maio, uma família de Minas Gerais ficou queimada. Naquela ocasião, a lancha foi tomada por labaredas. Umas das crianças segue internada.
Já em 17 de maio, outra lancha explodiu em Cabo Frio, dessa vez próximo à Ilha do Papagaio. Todos os ocupantes conseguiram se salvar, pulando no mar.
Inquéritos da Marinha e da Polícia Civil
Questionada se apura haver relação entre os três episódios, a Marinha do Brasil informa que “a Delegacia da Capitania dos Portos em Cabo Frio (DelCFrio) instaurou Inquéritos Administrativos sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN), cujo prazo de conclusão é de 90 dias, com o propósito de apurar causas, circunstâncias e possíveis responsabilidades, sobre os últimos acidentes com as embarcações A Mar I, Bradock e Eye Sea”. Os inquéritos encontram-se em fase de instrução.
“Pontua-se que Ações de Fiscalização do Tráfego Aquaviário (AFTA) são realizadas nas marinas e iates clubes, procedendo uma verificação documental e de equipamentos previstos nas Normas da Autoridade Marítima”, acrescenta a Marinha. Ainda de acordo com instituição, tais ações também ocorrem no mar, com a inspeção na documentação do condutor, da embarcação e nos itens de segurança obrigatórios. Em 2024, foram realizadas mais de 5.840 inspeções, 314 notificações, além de 22 apreensões.
![Lanchas trafegando pelo Canal de Itajuru, em Cabo Frio — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/0e5aeUTG3KZlYMKVPlQ_jGD3QZ8=/0x0:5000x3008/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/a/q/PEFzpfTPuMKOU1Xr77NQ/107357983-ri-rio-18-06-2024-explosao-de-lancha-em-cabo-frio-rj-dia-seguinte-ha-mais-uma-exp.jpg)
O titular da 126ª DP (Cabo Frio), delegado Phelipe Cyrne Mattos Silva, também instaurou inquéritos para investigar os três acidentes em sequência. Por considerar a questão muito técnica, ele prefere não levantar hipóteses para as explosões e o incêndio das embarcações, e aguardar a produção de provas.
Ao longe, no mar calmo da Praia do Forte, uma das principais atrações da cidade, é possível avistar lanchas em passeios. Na areia, no entanto, há quem prefira ficar só olhando.
— Nunca tinha visto isso. Dessa vez, está estranho. É muita incidência de explosões. Eu sou daqui (do estado) e estou cabreiro. Que dirá alguém que vem de Minas, por exemplo — diz o aposentado Amauri Domingues, de 62 anos, que mora na vizinha Araruama.
Há até quem esteja por fora do noticiário e se assuste ao tomar conhecimento das explosões. Foi o caso da professora Mara Coquiola, de 52 anos, que estava acompanhada do marido, o projetista de embalagens Júlio Corquiola, de 57, ao pegar panfletos de passeios de barco.
— Já vim aqui várias vezes e nem sabia (desses episódios). É algo que vai deixar os turistas bastante preocupados — observa Mara, que completa: — Sobre o passeio de lancha, vou pensar com calma.
Reunião na quinta-feira
Segundo Emerson Paiva, em 21 de maio, após o primeiro dos três acidentes seguidos, foi realizada uma reunião do Cabo Frio Convention Bureau com representantes, entre outros, das secretarias municipais de Turismo, Mobilidade e Segurança Pública e da Marinha, para tratar das lanchas particulares que são alugadas em Cabo Frio. Nesta terça-feira, o secretário de Segurança da cidade, André Magalhães, divulgou comunicado convocando para outra reunião na quinta-feira, para “discutir medidas preventivas para evitar que futuros acidentes com embarcações possam ocorrer em nossa cidade”.
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