Rio
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Por — Rio de Janeiro

Márcio (nome fictício), de 36 anos, saiu de casa em uma quarta-feira para dar sua primeira aula como professor concursado da Prefeitura do Rio. Estava preocupado em não se atrasar e em como seria a interação com os alunos. Mas quando chegou ao colégio, no Complexo da Maré, deparou-se com uma cena hedionda: duas cabeças deixadas na porta da escola. O choque daquele primeiro dia nunca saiu de sua memória. Já faz cerca de oito anos que ele leciona no mesmo lugar. E a violência que atravessa o caminho da educação no conjunto de favelas — e em grande parte da cidade — está longe de acabar.

Um levantamento feito pelo GLOBO revela que, apenas na Maré, as escolas estaduais e municipais precisaram suspender aulas por 14 dias entre fevereiro e o fim de maio deste ano, devido a conflitos armados. Isso corresponde a cerca de 18% dos dias letivos no período analisado. Um número que será ainda maior: só na semana passada, mais de 40 instituições de ensino da região ficaram três dias sem aula após operações da Polícia Militar.

Em toda a cidade, já são 368 escolas públicas que precisaram fechar por pelo menos um dia até o fim de maio devido a operações e à violência armada. A maioria delas (346) é da rede municipal, 21 a mais do que no mesmo período do ano passado. Uma única unidade da Cidade de Deus, na Zona Oeste, suspendeu aulas 17 vezes em razão dos confrontos este ano.

É um drama com muitas consequências. Um professor que dá aula para turmas do 6º ao 9º ano na Maré conta que já viu estudantes com vários sintomas de estresse pós-traumático devido aos constantes episódios de confrontos.

— Há alunos que vomitam durante as operações, que têm crises de pânico e começam a chorar. E não são poucos. Teve um dia que um deles se jogou no chão e começou a gritar “Helicóptero, helicóptero!”, e não havia nada — lembra.

Escolas fechadas — Foto: Editoria Arte
Escolas fechadas — Foto: Editoria Arte

Aprendizagem em xeque

Não muito distante dali, em Brás de Pina, também na Zona Norte carioca, o Colégio Estadual Professora Sônia Regina Scudese Dessimoni Pinto precisou fechar 12 noites até o fim de maio devido aos conflitos armados. Foi a segunda escola estadual que mais fechou durante o período examinado. A rua onde está localizada tem pelo menos outras duas unidades de ensino particulares. A manicure Carla, de 37 anos, tem um filho que estuda em uma delas. Ela conta que o colégio abona as faltas em dias de tiroteio e manda atividades para fazer em casa, mas que a sensação de insegurança é constante.

— A gente não sabe a que horas vai ocorrer e o que vai acontecer. Estamos cercados por comunidades com crime organizado. Então, muitas vezes, prefiro que meu filho deixe de ir à aula. Até porque eu mesma me coloco em risco quando o busco na escola. Um dia aconteceu tiroteio na hora do almoço, na saída, e todo mundo precisou se abrigar no colégio — lembra.

Segundo o psiquiatra infantil Gustavo Estanislau, crianças e adolescentes que vivem em áreas com episódios de confrontos armados acabam desenvolvendo problemas de estresse e ansiedade, o que impacta diretamente no processo de aprendizagem.

— A violência representa uma interrupção da rotina. Essa ruptura gera um sinal para o cérebro, que coloca o corpo em estado de alerta. Todo esse processo gera um gasto de energia enorme. Esse gasto significa que os alunos vão sentir mais cansaço e terão dificuldade para se concentrar. A criança que está mais estressada tende a desenvolver ansiedade. Como nesse caso as preocupações giram em torno de acontecer alguma coisa com a escola ou com os pais, isso também os afasta do local de aprendizagem — explica o psiquiatra.

Enquanto isso, educadores e pais buscam estratégias para amenizar o impacto. A professora Thaís (nome fictício), de 49 anos, trabalha na Escola Estadual Professor João Borges de Moraes, na Maré, há mais de dez anos. Ela conta que, lá, são adotadas medidas como compensar o conteúdo em contraturno, manter contato por grupos de WhatsApp e enviar atividades pela ferramenta.

As escolas citam ainda projetos culturais, de arte e esporte como atividades nas quais os estudantes acabam dando vazão aos sentimentos e expressando a condição socioemocional em que vivem.

‘Quando é seguro?’

Professor do departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Laboratório de Análise da Violência, Eduardo Ribeiro explica que o mesmo processo de violência que abala os alunos afeta a vida e a saúde mental dos profissionais da educação:

— Esses professores têm uma rotina muito difícil. Em muitas comunidades, eles precisam interagir com a dinâmica estabelecida pelos grupos armados. Além disso, mesmo que a escola não fique na linha de tiro, elas costumam ter estruturas que não passam tanta segurança. Isso tudo configura um fator de estresse adicional. Não à toa, muitos professores ficam doentes. Isso quando não abandonam o trabalho.

As pessoas que ocupam cargos de direção e gestão ainda precisam tentar antecipar os conflitos e tomar decisões para proporcionar a segurança dos alunos e das equipes. Essa responsabilidade vai desde decidir abrir ou não a escola a cancelar as entregas de fornecedores após “sentir um clima estranho” na comunidade.

— Quando acontece um tiroteio, e os alunos já estão no colégio, eu preciso tomar a decisão de liberar todo mundo no momento certo. Mas como decidir quando é seguro? Graças a Deus, nunca deu nada errado — conta a diretora de um colégio estadual.

Em Santa Cruz, na Zona Oeste, uma diretora relata que, após um racha na milícia da região, os tiroteios aumentaram. No início do mês, ela mesma ficou em meio a um conflito entre milicianos e policiais quando retornava para casa. Na Maré, o carro de uma diretora foi baleado durante um conflito enquanto ela estava na escola.

— Depois de dez anos de experiência, você aprende a identificar um silêncio que grita, o motivo de uma quadra vazia. É um trabalho árduo, mas tudo que quero é que eles (alunos) entendam que existem realidades diferentes desta, onde não existe toque de recolher e tiroteios constantes, e que eles têm direito a conquistar qualquer uma delas — disse, emocionada, uma diretora.

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação informou que desenvolve, em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o programa Comportamento Mais Seguro (CMS), para mitigar os riscos em situação de confrontos. A pasta também avisou que fará, a partir de agosto, em parceria com a UniRio, uma pesquisa multidimensional para avaliação e ações de cuidados socioemocionais com estudantes e professores em toda a rede.

Já a Secretaria municipal de Educação informou que promove um trabalho regular de apoio multidisciplinar para alunos e professores por meio do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Escolas (Niap), que conta com atuação integrada de psicólogos, professores e assistentes sociais. A pasta disse ainda que mantém uma parceria com a Sociedade Brasileira de Psicanálise que atua com profissionais em “territórios onde há intercorrências devido a confrontos armados”.

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