Rio
PUBLICIDADE
Por e — Rio de Janeiro

As fortes chuvas que atingiram Petrópolis, na Região Serrana do Rio, em fevereiro de 2022, provocaram não apenas danos materiais, mas também profundas feridas emocionais. O luto e o trauma psicológico têm sido vividos, desde então, por sobreviventes e familiares dos 241 mortos na tragédia. Dados do Departamento de Saúde Mental da prefeitura da cidade revelam que 2022 registrou um número recorde de atendimento psicossocial em relação aos últimos seis anos, totalizando 75.344 consultas.

Num cenário repleto de sequelas físicas e emocionais, recomeçar nem sempre é fácil. Que o diga Rafaela Braga Pereira, de 33 anos. A dona de casa conta que ainda consegue ouvir o barulho da água e os gritos de desespero das pessoas que estavam com ela no ônibus arrastado pela correnteza para dentro de um rio.

Nos vídeos feitos por vizinhos — que circularam pelas redes sociais — dava para ver pelo menos 13 pessoas lutando pela vida — uma delas, uma criança com a mochila nas costas. Era o filho de Rafaela, de apenas 8 anos.

Escombros no mesmo lugar

Dor eterna. Rafaela Pereira, mãe de Pedro Henrique, de 8 anos, que morreu na enchente: corpo só foi encontrado quase três meses depois, a 21 km de distância — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo
Dor eterna. Rafaela Pereira, mãe de Pedro Henrique, de 8 anos, que morreu na enchente: corpo só foi encontrado quase três meses depois, a 21 km de distância — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

O corpo da criança foi encontrado quase três meses depois, no bairro da Posse, a quase 21 quilômetros do local onde o ônibus estava. Mãe e filho voltavam da escola quando foram surpreendidos pela tempestade. Os dois conseguiram sair pela janela e acessar o teto do coletivo. Mas o menino caiu no rio, não conseguiu se segurar e foi levado pela correnteza.

— Não tenho suporte emocional nem financeiro. Eu fiquei completamente fora de mim depois da tragédia. São marcas que ficam na gente como uma cicatriz invisível. As pessoas não veem, mas nós sentimos. Não consigo mais trabalhar. Não consigo ir à rua. Não consigo voltar a levar a vida que levava. Toda vez que vejo um rio, sinto vontade de me jogar para ficar perto do meu filho — conta. — O Pedro era uma criança alegre e um filho amigo. Ele adorava brincar, ver desenho e tinha o sonho de jogar futebol. Era muito agarrado comigo e todo mundo gostava dele.

Atualmente, Rafaela toma remédios para depressão e epilepsia, doença com a qual convive desde a infância, mas que se agravou com a partida do filho — ela tem uma filha de 15 anos que mora com a avó. Quando o menino morreu, a dona de casa começou a ter crises convulsivas e de pânico. Acabou internada por quase um mês. Nesse período, sua casa foi saqueada. Levaram portas, janelas, fiação e até o vaso sanitário.

— Saquearam minha casa no pior momento da minha vida. Estava tentando lidar com o luto e tive que lidar com a minha casa vazia. Hoje moro num quartinho, que é o que posso pagar. Minha vida perdeu o sentido.

A auxiliar de limpeza Ivonice Batista de Souza, de 52 anos, diz que “a pessoa reage à experiência da tragédia com medo e impotência, revivendo o acontecido em sonhos, pensamentos ou flashbacks”. A declaração reflete a dura realidade que ela e os vizinhos precisam enfrentar dia após dia. Naquela tarde do dia 15 de fevereiro de 2022, ela perdeu a mãe e os dois filhos. Ivonice sobreviveu ao deslizamento que atingiu diversas casas no Morro Chácara Flora porque estava no serviço. Atualmente, ela trabalha numa creche, já que não conseguiu voltar a administrar a loja de material de construção que tocava com a família.

— Eu estava no trabalho, e minha filha ligou dizendo que estava chovendo muito. Minha casa ficava ao lado da casa da minha mãe. A minha foi levada pela lama. A da minha mãe ficou em escombros. A gente nunca pensou que algo assim pudesse acontecer. Perdi tudo de mais valioso e hoje lido com isso do jeito que posso. Tenho problemas psicológicos como insônia e perda de memória. Às vezes também tenho alucinações, que pioram em dias de chuvas — revela.

Diferentemente do que acontecia normalmente, no dia da tragédia todos fizeram questão de falar com ela antes que saísse para o trabalho. O filho mais velho, de 23 anos, estava ajoelhado no quarto rezando e disse: “mãe, vai com Deus. Espero vê-la em breve”.

— Naquele dia, todos acordaram cedo para se despedir de mim. Minha mãe, que tinha problemas para andar, ficou em pé no portão me olhando. Ela disse: “pode ir, filha, quero ficar daqui olhando você ir embora”. Não entendo por que eles foram e eu fiquei. Não aceito ter ficado sem eles. Meus filhos nasceram aqui. A terra onde meus filhos cresceram foi a mesma que os levou. Agora, só resta eu me agarrar às lembranças — afirmou Ivonice, que todos os dias visita os escombros da casa da mãe para fazer orações. Alguns objetos que eram dela permanecem no mesmo lugar, como se fosse um templo.

Samira Younes Ibrahim é psicóloga há 30 anos e há dez se tornou especialista em desastres. Doutora em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS/UFRJ), criou o projeto Rede de Cuidados, formado por psicólogos que atendem vítimas de desastres. Ela afirma que as reações das pessoas que passam por tragédias são diferentes. E, que, em alguns casos, o uso de medicamentos não é o tratamento mais eficaz.

— Comecei a trabalhar com desastres em 2008, justamente por conta do que acontecia na Região Serrana. A partir daí fui buscando outros tipos de desastres em outras regiões do Brasil. Me preocupa que algumas pessoas estejam adoecendo em seu lado físico e emocional. Elas já desenvolveram diabetes, hipertensão, câncer, ansiedade, síndrome do pânico. Mas isso não é regra. Precisamos de mais acompanhamento e estudo para entender se essas condições serão permanentes — explica. —Petrópolis precisa de algum projeto de cuidado para as pessoas sobreviventes, até como um fator preventivo.

Eva Aparecida Soares, de 80 anos, ficou sete horas soterrada com os filhos. No dia em que a casa dela foi abaixo, o genro, que tentava ajudar uma vizinha que também ficou presa aos escombros, perdeu a vida. Atualmente, ela e a filha Janaína Aparecida, de 50 anos, tentam lidar com o luto e as sequelas daquele dia.

Eva perdeu o movimento de uma das pernas devido à queda de um muro. Quase dois anos e quatro meses depois, uma bactéria contraída por meio da água contaminada impede que o ferimento na perna cicatrize. Por isso, ela usa um andador para se locomover pela casa paga com aluguel social, enquanto Janaína tenta cuidar dos irmãos gêmeos, de 61 anos, que, em consequência do desastre, não conseguem mais sair de casa e sofrem com crises de pânico.

— Ainda consigo ouvir o barulho das máquinas cortando as pedras na minha cabeça e sentir o peso da casa caindo nas minhas costas. Todo mundo pensou que eu tinha morrido. Eu pedi para Deus não deixar que meus filhos morressem. Estava tudo escuro. Eu fui cavando um buraco para conseguir respirar — lembra Eva.

Ações da prefeitura

Segundo a prefeitura de Petrópolis, em 2 anos e 4 meses, foram concluídas 125 obras de grande e médio portes na cidade; outras 64 estão em andamento e 19, em fase de licitação. Além disso, o investimento em obras de contenção ultrapassa os R$ 113 milhões — o montante considera as 84 já concluídas (mais de R$ 30 milhões) e as 24 que estão em andamento (R$ 83 milhões, pagos em parcelas, de acordo com o avanço das obras e as medições).

Mais recente Próxima A cada quatro horas, uma criança é vítima de estupro no Rio

Inscreva-se na Newsletter: Notícias do Rio

Mais do O Globo

Jovem armador de 19 anos treinou com Los Angeles Lakers e Phoenix Suns nas últimas semanas

NBA Draft 2024: Filho de LeBron será escolhido? Veja projeções de Bronny James

Agenda

Movimentação gera dúvidas sobre o futuro de um dos maiores templos do futebol

Novo estádio do Flamengo joga luz sobre dificuldades em gerir o Maracanã; entenda o problema

Ex-judoca e Gerente de Infraestrutura Esportiva do COB, Daniela Polzin e sua equipe são os responsáveis pela idealização, planejamento e intervenção de toda a infraestrutura na Vila Olímpica e nas bases do país

Paris-2024: quem é a ex-atleta que 'prepara o terreno' para o Time Brasil na Olimpíada

Cerimônia de escolha de novos atletas da liga começa nesta quarta-feira, com dupla francesa em alta

NBA Draft 2024: de 'gigantes' franceses e destaques universitários, veja os cinco favoritos às primeiras escolhas

Poder Executivo confia que contrato de concessão será cumprido pelo consórcio vencedor da licitação

Governo quer Maracanã 'competitivo' mesmo sem o Flamengo e vê novo estádio somar para população do Rio

O jogo entre Ucrânia x Bélgica acontecerá nesta quarta-feira (26), às 13h (de Brasília), a partida terá transmissão da Cazé TV

Ucrânia x Bélgica: onde assistir, horário e prováveis escalações do jogo da Eurocopa 2024

Em outro trecho da entrevista, Paulo Carneiro afirmou ter 'comprado' um desembargador

Ex-presidente do Vitória afirma ter fraudado exame antidoping de atleta: ‘troquei urina porque era maconheiro’; vídeo

O ranking foi votado pelos viajantes da Tripadvisor; mais de 8 milhões de locais foram inscritos no site

Cristo Redentor está entre as 25 melhores atrações do mundo, diz site de viagem