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Por e — Rio de Janeiro

Automutilação e baixo desempenho escolar foram alguns dos sinais de alerta para que Maria (nome fictício) percebesse que tinha algo errado com a filha. A menina, à época com 11 anos, conseguiu quebrar o silêncio sobre o abuso sexual que sofria do namorado da mãe, um pastor, dentro de casa, numa comunidade da Zona Norte do Rio. O caso da filha de Maria não é isolado. A cada quatro horas, em média, uma criança é estuprada no estado do Rio. Apenas no ano passado, 2.209 meninas e meninos foram vítimas desse crime; em 21% dos casos, o autor era pai, mãe, padrasto ou madrasta.

— Eu a flagrei se mutilando. Briguei na hora, e ela acabou gritando que estava doente porque o pastor estava abusando dela. Eu o expulsei de casa, liguei para o Disque 100, Conselho Tutelar, registrei na delegacia. Mas, até hoje, nada. Nem que seja a última coisa na vida, eu vou fazê-lo pagar pelo que fez — disse a mãe.

O último sábado foi marcado pelo Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data lembra o caso Araceli: em maio de 1973, Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de 8 anos, foi sequestrada, estuprada e morta por jovens de classe média alta em Vitória, no Espírito Santo. Em memória da menina, também foi criado o Maio Laranja, que traz visibilidade para a causa.

‘Não há provas’

Os dados de estupro de crianças (0 a 11 anos de idade) divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que oito em cada dez vítimas são meninas. A maioria é preta ou parda. Dos 2.209 casos, 676, ou 31%, ocorreram na capital do estado, vindo em seguida Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São Gonçalo e Belford Roxo. Na cidade do Rio, os cinco bairros com mais ocorrências ficam na Zona Oeste: Campo Grande, Santa Cruz, Bangu, Guaratiba e Jacarepaguá.

O sofrimento da filha de Maria é recorrente entre outras vítimas de abuso, explica Érica Paes, fundadora do programa Empoderadas, que tem o Empoderadinhas, uma versão voltada para crianças. O projeto presta apoio psicológico, jurídico e social a meninas de 4 a 12 anos, na prevenção e acolhimento de casos de abuso no estado do Rio. Segundo Érica, escutar as crianças é uma forma concreta de protegê-las.

— Os criminosos são extremamente meticulosos e estão dentro da própria família, o que favorece a subnotificação. Na maioria dos casos, não há provas materiais, mas isso não deve ser um empecilho. Eu não vou abandonar a criança só porque não tem provas — afirma. — O papel de acusar é do Ministério Público, de defender é da Defensoria, de condenar ou absolver, do Tribunal de Justiça. Nós, como profissionais e responsáveis, temos o dever de legitimar e acreditar na palavra da criança. Sem isso, os quadros de depressão, tentativas de suicídio e autoflagelo são inevitáveis.

Relatos à psicóloga

Os relatos da psicóloga que atendeu a pequena Carolina (nome fictício) estão nos autos de uma batalha judicial travada pelos pais da menina e corroboram a importância de ouvir as vítimas. Numa das consultas, a criança, à época com 4 anos, desenhou a si mesma, acompanhada da prima, em um chuveiro. As duas estavam de cabeça para baixo, ao lado do pai de Carolina, com o rosto desfigurado e com o pênis aparente, representado de forma abstrata.

À terapeuta, a criança chamou a genitália pelo diminutivo de um animal, como “coelhinho” e “peixinho”, atípico para a idade dela, conforme destacou a profissional em um laudo de fevereiro de 2019. No mesmo documento, ela narra que Carolina falava sobre questões relacionadas a sexo, “sem saber o significado dessa palavra”.

A mãe da menina acusa o pai de ter cometido crime de estupro de vulnerável, imputação da qual ele foi absolvido em primeira e segunda instâncias. Nos tribunais, é discutido se a garota sofreu ou não abusos. Enquanto isso, Carolina cresce, repetindo a história de tantas crianças que passam anos cruciais para seu desenvolvimento sob a mesma sombra, diante do caminho espinhoso na Justiça para comprovar violências do tipo.

Já as denúncias proliferam. A Fundação para Infância e Adolescência (FIA-RJ) sustenta que, nos 15 mil atendimentos realizados ano passado em seus Núcleos de Atendimento à Criança e ao Adolescente (NACAs), o abuso sexual era o tipo de violência mais enfrentado (55% do total).

Só no Hospital municipal Albert Schweitzer, em Realengo, na Zona Oeste da cidade, foram 45 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes (até 18 anos) identificados no ano passado, 66% a mais do que os 27 de 2022.

Visitação sob vigilância

No caso de Carolina, a criança tinha pouco mais de 1 ano quando os pais se separaram. O divórcio aconteceu após uma agressão do homem a Sandra (nome fictício), que conseguiu medida protetiva e a guarda da filha. Após dez meses, em audiência na qual seria discutido o valor da pensão, ele afirmou que gostaria de ter direito a visitar a criança. A Justiça permitiu os encontros, mas com medidas cautelares: sem pernoite e na companhia de alguém da confiança da mãe.

— Minha filha e eu fomos o tempo todo desacreditadas. No único depoimento que ela fez em juízo, três anos após o crime, a juíza não demonstrou a menor paciência. Não queria deixá-la desenhar, pedia objetividade de uma criança de 7 anos. Ela ainda contou que o pai estava numa sala ao lado, o que deixou Carolina extremamente ansiosa. Apresentei todas as provas possíveis, mas nada parece suficiente. Que meios eu tenho de proteger a minha filha? — questiona Sandra.

A defesa do pai nega a acusação e diz que ele é vítima de injustiça e vingança da mãe, inconformada com uma traição na época do casamento.

Falsas denúncias existem, afirma a juíza Luciana Fiala de Siqueira Carvalho, do 5º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, da capital. Mas não são regra. Segundo ela, casos como o de Carolina são complexos, principalmente pela idade da vítima e a dificuldade de se ter uma prova contundente:

— Muitos casos de abuso infantil não deixam marcas nem rastros. Quando de pouca idade, a vítima tende a achar que a violência é demonstração de carinho, afeto, e acaba não contando para a família, que descobre tardiamente. Ela também tem mais dificuldade em narrar com linearidade como o crime aconteceu. Pode fantasiar, misturar lembranças, por isso a importância da educação sexual, dos pais ensinarem os filhos a dizerem “não”, a contar quando uma situação passa do limite, principalmente do corpo, da intimidade.

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