Rio

De danos ambientais a presença de grupos criminosos: veja o mapa de riscos da Baía de Guanabara, que tem nova promessa de despoluição

Óleo, lixo, esgoto e efluentes tóxicos, tudo vai parar nas águas do cartão-postal, centro de diversão promessas de limpeza
Arco-íris gorduroso. Estacionamento clandestino em Niterói: ONG denuncia que a manutenção e a limpeza de embarcações despejam tinta, óleo e até água de lastro com espécies exóticas no mar da Baía Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Arco-íris gorduroso. Estacionamento clandestino em Niterói: ONG denuncia que a manutenção e a limpeza de embarcações despejam tinta, óleo e até água de lastro com espécies exóticas no mar da Baía Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RIO — Na Baía de Guanabara, numa mesma tarde, o mar pode parecer uma lama escura perto do Complexo da Maré, assemelhar-se a um caldo verde em Magé ou refletir um arco-íris numa pegajosa mancha de óleo nas proximidades do Gradim, em São Gonçalo. São aspectos entre os muitos que evidenciam a degradação desse cartão-postal que, mais uma vez, com a privatização do saneamento no Rio, promete-se despoluir. Mas os descalabros que sufocam a Baía vão além do esgoto doméstico. Às suas margens, no espelho d’água ou nas profundezas, proliferam-se riscos e crimes ambientais, de cemitérios de navios abandonados ao despejo de efluentes tóxicos da indústria. E ainda se vive a sombra da tragédia de janeiro de 2000, quando 1,3 milhão de litros de óleo combustível vazaram de um duto entre a Ilha do Governador e Duque de Caxias.

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Patrulhas da Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar) vêm mapeando esses perigos, e seu presidente, Alexandre Anderson, conta que está sendo desenvolvida uma ferramenta para que todo pescador da região possa georreferenciar as irregularidades que encontram. No último dia 3 de dezembro, uma equipe do GLOBO acompanhou uma dessas fiscalizações. E deparou-se com o que Alexandre afirma ser rotina. O derramamento de óleo no Gradim cercava uma região de estaleiros e oficinas, algumas clandestinas, nas imediações também de áreas onde jazem embarcações fantasmas. Perto dali, as tubulações de uma indústria jorravam no mar uma espuma branca de material químico. Já em Niterói, no assoreado Canal de São Lourenço (outro ponto que é cemitério de embarcações), a tinta usada na pintura de um casco de barco escorria para a água.

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No Rio, entre o Caju e o Canal do Cunha, o cheiro fétido exalava numa região de margens tomadas de lixo. E no centro da Guanabara, nas imediações da Ponte Rio-Niterói, a preocupação de Alexandre era outra:

— A baía virou um estaleiro a céu aberto nas áreas de fundeio para embarcações e plataformas de petróleo, muitas que fazem manutenção e limpeza aqui, deixando de tudo para trás: tinta, óleo e, junto com as águas de lastro que despejam, espécies exóticas. Pior que essa é uma atividade que não requer licenciamento, só uma permissão da Marinha.

Lama contaminada

Dragagens para a passagem dos navios são mais uma preocupação para ambientalistas e pescadores. Eles apontam que a atividade revolve lama contaminada com metais pesados e altera até o curso dos cardumes, além de o descarte desse material, em áreas fora da baía, ser questionado, inclusive, na Justiça. No Porto Organizado do Rio, afirma Docas, nos últimos cinco anos foram cerca de cinco dragagens na infraestrutura aquaviária, totalizando 3,2 milhões de m³, a maior parte (cerca de 2,975 milhões de m³ entre 2016 e 2017. A companhia, no entanto, garante que “ todos os pontos de despejo do material dragado são em locais estipulados pelo INEA e INPH, fora da Baía de Guanabara, estabelecidos após estudos detalhados para não causar prejuízos ambientais". E diz, em nota, que as "dragagens realizadas sob responsabilidade da Autoridade Portuária possuem licenciamento ambiental, outorgado pelo INEA e, restrito ao seu objeto, volumes especificados, contando com condicionantes de licença rígidas e que visam preservar a fauna e o ecossistema da Baía de Guanabara". A companhia esclarece que outras dragagens na Baía não são de sua responsabilidade, como as realizadas por estaleiros.

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Neste ano de 2021, são 78 embarcações deixadas ao léu, segundo indica a atualização do livro “Baía de Guanabara: descaso e resistência”, do jornalista Emanuel Alencar. Elas são uma das fontes de derramamentos de óleo que, de acordo com o ambientalista Sérgio Ricardo, do Movimento Baía Viva, são contantes. Ricardo aponta a área entre o Canal do Cunha, a Ilha do Governador e Duque de Caxias, como a mais degradada da baía.

Trabalhadores e dirigentes ligados aos Sindicatos dos Petroleiros do Rio e de Duque de Caxias confirmam que, desde 2000, em todas as áreas ligadas à Petrobras, houve um aumento de investimentos para mitigar riscos de tragédias como a de 21 anos atrás, inclusive na Reduc. Porém, afirmam que, desde meados da última década, há uma diminuição desses aportes, além de redução da mão de obra especializada própria da Petrobras.

— Temos observado um aumento do número de acidentes. Se nada mudar, vamos nos aproximar, sim, de novo acidente catastrófico — alerta Guilherme Hruby, diretor do Sindipetro Caxias.

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Só oleodutos, informa a Transpetro, são 28 na Baía. Sobre eles, o Inea afirma possuir dados geoespaciais e fazer rigorosa avaliação para o licenciamento.

Embarcação com trabalhadores escravos

Entre o que a Ahomar já flagrou, há absurdos como o lançamento de concreto líquido na água; serviços de soldas sem acompanhamento em navio repleto de propeno inflamável; e até embarcação que mantinha trabalhadores amarrados, como escravos.

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O que Alexandre e seus companheiros constatam diariamente é levantado também por pesquisadores, ONGs e os próprios órgãos públicos e empresas que atuam na Baía. As áreas de fundeio são 19, e há uma polêmica proposta de ampliação delas, para regiões próximas a Paquetá e à Ilha do Governador. É uma medida para atender ao ao fluxo de navios na Guanabara, intensificado com as atividades do pré-sal. Segundo a Companhia Docas, só de janeiro a novembro deste ano ocorreram 2.957 atracações no Porto do Rio e 339 no de Niterói.

Em nota, "a Marinha do Brasil (MB), por intermédio do Comando do 1º Distrito Naval (Com1ºDN), informa que a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ), como Agente da Autoridade Marítima, fiscaliza e ordena, diariamente, o tráfego aquaviário nas águas interiores e no litoral do Rio de Janeiro, a fim de garantir a segurança da navegação, a proteção da vida humana no mar e a prevenção da poluição ambiental provocada por embarcações.

No ano de 2018, foram identificados 15 incidentes de derramamentos de óleo na Baía da Guanabara, no ano de 2019, 18 incidentes de derramamentos de óleo, no ano de 2020, 14 incidentes de derramamento de óleo. Por fim, no ano de 2021, até o presente momento, foram reportadas 12 incidentes de derramamento de óleo na Baía de Guanabara, sendo todos os vazamentos, acima mencionados, identificados como descargas de pequeno porte. Para identificação de incidentes de derramamento, ressalta-se a importância da colaboração da sociedade com a fiscalização, denunciando possíveis irregularidades e poluição ambiental provenientes de embarcações, a fim de permitir a investigação dos fatos pelas autoridades competentes.

A CPRJ informa que, no ano de 2021, de acordo com o Sistema de Acompanhamento de Embarcações, navegaram na Baía de Guanabara 2.576 embarcações de médio e grande porte. Além da atividade de Inspeção Naval, que objetiva orientar, instruir e fiscalizar o tráfego aquaviário, contribuindo para a elevação da mentalidade de segurança no mar, são utilizados drones e câmeras de monitoramento do tráfego aquaviário visando identificar irregularidades por parte de embarcações."