Alice Wegmann fala do papel em 'Justiça 2' e da importância de tratar de abuso e assédio na série: 'É uma história minha e de todas as mulheres do país'

— Um caso como esse não tem reparação, é um trauma para sempre. A Carolina vai sempre carregar esse trauma, do início ao fim da vida. O que eu espero para ela nesse final é que ela consiga recuperar a felicidade dela, o prazer sexual dela, a vivacidade, o prazer de viver. Os traumas geralmente a gente não consegue esquecer, mas a gente consegue lidar com eles de uma forma melhor.

• Entrevista: Helga Nemetik fala da estreia de monólogo sobre abuso sexual que sofreu na infância: 'Achava que eu era a culpada'
• E mais: Dudu Azevedo fala da vontade de voltar às novelas e comenta 'saia justa' com revelação de romance com Giovanna Ewbank

Alice lembra que, quando recebeu o convite da autora da série, Manuela Dias, já imaginou que viria "coisa boa", mas não imaginava que seria um trabalho tão impactante:

— Eu particularmente sou muito fã da série. A Manuela Dias tem um jeito de escrever muito especial e diferenciado. Quando ela me falou "estou escrevendo uma personagem para você", na hora eu gelei. Já imaginava que vinha coisa boa. Mas eu não sabia que ia ser um tema tão importante, tão pertinente e tratado dessa forma, na estrutura da família. É muita responsabilidade contar uma história dessa, com atores tão grandiosos no elenco. A gente já tinha a referência da primeira temporada, muito bem executada, muito boa. E a gente queria também deixar o nosso legado de alguma forma no "Justiça 2". E eu acho que a gente conseguiu fazer isso de uma forma que realmente tocou as pessoas. O resultado a gente está vendo nesses números. É realmente a série mais assistida da História do Globoplay, e não é à toa.

A atriz ressalta a importância de abordar temas como o abuso sexual, principalmente quando o agressor é alguém da própria família ou próximo da vítima:

— A gente precisa bater nessa tecla e relembrar a todo momento, porque infelizmente os índices de estupro e casos de assédio ainda são muito altos, principalmente aqui no Brasil. A gente fala também, sobretudo, da maioria dos casos, que acontece dentro da própria família, com pessoas muito próximas. O caso da Carolina, que a gente vê ali televisionado, acontece com muito mais frequência do que a gente imagina na vida real. Então, eu acho muito importante abordar esse tema na ficção de uma forma verdadeira como foi abordado pelo Gustavo Fernandez, nosso diretor, porque infelizmente muitas pessoas vão se identificar, mas, felizmente, muitas pessoas vão olhar a trajetória da Carolina, ver essa denúncia sendo feita e se encorajar para fazer o mesmo.

Assim como acontece com a grande maioria das mulheres, a própria Alice já foi vítima de assédio:

— Todas as mulheres com quem eu já conversei, de alguma forma, já foram abusadas ou foram assediadas. Ao nascer mulher, você já carrega um certo medo, uma insegurança, e isso não pode mais acontecer. A gente não pode mais viver neste tipo de mundo. Todas nós já passamos por algum tipo de abuso, de assédio. Eu realmente nunca conheci uma mulher que não tenha sido assediada moralmente, sexualmente, sofrido qualquer tipo de violência. Então, sim, é uma história minha e é uma história de todas as mulheres do nosso país, infelizmente.

Para compor a personagem, Alice chegou a emagrecer 16kg. Ela conta que a decisão de perder peso surgiu em conversas com a autora:

— A Carolina tem uma coisa frágil, que o rosto principalmente trouxe para ela. No "Rensga hits!" (série que estrelou e que ganhará novas temporadas no Globoplay), pode ver que eu tenho mais bochecha. Eu acho que o abuso sexual pode acarretar várias coisas diferentes. Tem gente que tem tendência a engordar, tem gente que tem tendência a emagrecer, mas sempre fica um rastro do abuso na forma como a gente enxerga o nosso próprio corpo, as nossas inseguranças. Eu quis trazer para a Carolina esse lugar um pouco mais endurecido. Quando eu emagreço, eu fico com uma mandíbula mais marcada, acho que coube para a personagem — diz Alice, que já recuperou seis quilos dos 16 que eliminou.

Além de "Rensga hits!", Alice poderá ser vista no longa "A vilã das 9", de Teo Poppovic, e na série "Senna", da Netflix, em que interpretará Lilian Vasconcellos, primeira esposa do piloto de Fórmula 1:

— Quando eu passei no teste, eu pulava. Para mim, se fizesse uma árvore nessa série, eu ia estar muito feliz. Se eu fizesse uma roda de carro, eu ia estar muito feliz. O Senna foi um cara que representou muito bem o nosso país lá fora, foi um cara extremamente comprometido, extremamente correto. Ele tinha um caráter admirável. A gente estar podendo contar essa história, nos 30 anos da morte dele, é um presente para o nosso país. As pessoas volta e meia me perguntam se eu não tenho vontade de ir para Hollywood, e eu falo que sim, eu tenho, mas o que eu mais tenho vontade é contar histórias do meu país para o meu povo e para fora, para o mundo inteiro. Você saber que o Lewis Hamilton e o Brad Pitt vão estar assistindo a essa série no sofá deles quando lançar... Isso é muito legal. Eles gostam de Fórmula 1, então certamente essa série vai atingi-los. É uma série que fala do nosso país, do amor pelo Brasil, do amor desse cara pela origem dele, que é também a nossa. Então, foi muito especial participar dessa série.

• TV e famosos: se inscreva no canal da coluna Play no WhatsApp

Com 28 anos de idade e 17 de profissão, Alice acumula personagens marcantes, como a própria Carolina, de "Justiça", e a Maria, de "Onde nascem os fortes". A atriz conta que direciona sua carreira para papéis que promovam alguma reflexão e que tenham algum propósito:

— É um direcionamento, sim. A própria Raíssa, de "Rensga hits!", é uma personagem extremamente carismática, mas tem a trajetória do sonho, do desejo, da música, então tem um propósito, uma história. Eu fiz personagens muito diferentes, mas elas têm uma história ali por trás que você quer propagar, que você quer que seja ouvida. Quando eu fui chamada para "Justiça 2", durante o ano, apareceram duas oportunidades de fazer novela das 21h e outras também de outros horários. Eu tenho muito desejo de fazer uma novela das 21h. Eu fiz algumas na minha carreira, mas eu não protagonizei nenhuma. Existe essa vontade, mas, entre as personagens que me ofereceram e as personagens de "Justiça 2", de "Rensga" e de "Senna", eu optei por essas três outras. Por mais que a novela talvez pudesse me dar uma projeção maior, as três outras eram histórias que eu queria contar, não só por mim, não só pela dimensão que a minha carreira ia tomar, mas pela história que eu estava contando enquanto personagem.

Atualmente, Alice está namorando Matheus Seixas. Discreta, a atriz prefere ser mais reservada em alguns aspectos da vida:

— Esses dias eu parei para pensar que as pessoas sabem muito pouco da minha vida, e olha que eu não sou uma pessoa tão low profile assim. Eu até me exponho um pouco, coloco as viagens que eu faço, eu divido algumas coisas. Mas realmente eu acho que eu consigo criar uma defesa minha. Eu gosto de dividir, mas até certo ponto. Tudo bem as pessoas saberem que eu estou namorando, mas não precisam saber detalhes do meu namoro. Eu gosto de ter o meu espaço, eu acho que eu preciso preservar isso de alguma forma, ao mesmo tempo que eu também posso dividir coisas com um monte de gente. Eu tenho a minha vida privada, e ela é muito importante para mim. Até porque a minha vida privada inclui outras pessoas, tem coisas que não necessariamente elas vão querer que eu fale, então é por isso que eu prefiro manter essa discrição mesmo.

Agora Alice se concentra em divulgar os trabalhos conforme eles vão sendo lançados e aproveita o período para recarregar as energias:

— Ano passado tinha dias que eu acordava e não sabia em que cidade eu estava e que personagem eu tinha que fazer. Eu tinha que tirar uns 30 minutos todo dia de manhã para me situar. Eu filmava "Senna" na Argentina, em São Paulo e na Irlanda do Norte, "Rensga" eu filmava em Goiânia e no Rio de Janeiro, e "Justiça 2" eu filmei em Brasília e no Rio. Foi realmente muito para minha cabeça. Este ano fui chamada para fazer outros projetos grandes, seriam ótimas oportunidades, mas eu falei: "Cara, eu preciso parar, porque eu preciso de recurso". Eu preciso ver a vida e me inspirar de novo, tomar um café, ver coisas cotidianas, ir ao mercado, porque senão você não tem mais o que dar para personagem nenhuma, você não tem mais o que construir. Você precisa de tempo para se inspirar, tempo para criar. Eu fiquei meio saturada. Então, neste momento, mesmo com convites legais, vou tirar este primeiro semestre para lançamentos e depois eu começo a pensar em construir uma outra personagem.