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A opinião do GLOBO.

Por Editorial

A tragédia ianomâmi suscitou nas instituições a reação necessária de busca por responsáveis. O ministro da Justiça, Flávio Dino, pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar crimes ambientais, omissão de socorro e genocídio. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou apuração de crimes ambientais, de desobediência, quebra de segredo de Justiça e também genocídio. Os alvos da investigação, ainda sigilosa, estão vinculados ao governo Jair Bolsonaro.

A acusação que desperta a maior controvérsia é a de genocídio, bordão entre opositores de Bolsonaro, ouvido também em declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se do crime mais hediondo, definido nos textos legais como atos cometidos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. No caso dos ianomâmis, está satisfeita a característica mais importante do genocídio: o caráter coletivo do alvo, um grupo étnico indígena.

A definição foi criada pelo jurista Rafael Lemkin em 1944 para tipificar os crimes cometidos pelos nazistas contra judeus e outras minorias enquanto grupos. Mas sempre foi um crime difícil de comprovar. Nenhum nazista foi condenado por genocídio no Tribunal de Nuremberg, como queria Lemkin. Nenhum integrante do Khmer Rouge foi condenado por genocídio, apesar do extermínio de 2 milhões no Camboja. As condenações mais relevantes foram contra a matança dos tutsis em Ruanda e pelo massacre de muçulmanos em Srebrenica, na Bósnia.

No Brasil, a lei de 1956 que pune o genocídio já foi aplicada contra cinco garimpeiros pelo assassinato de 12 ianomâmis, entre os quais cinco crianças, a tiros e facadas em 1993. Desta vez, as acusações sustentam que houve atrocidades como resultado de omissão criminosa do governo. Documentos citados por Barroso “sugerem um quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como (…) ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais”.

Será preciso ainda examinar em detalhes o teor da investigação sigilosa para saber se ela é capaz de embasar acusações tão graves contra autoridades. As dificuldades são imensas. Será preciso primeiro demonstrar com provas eloquentes a responsabilidade de cada elo na cadeia de comando. Em seguida, provar a intenção de aniquilar os ianomâmis, condição essencial para tipificar o genocídio. Nada disso está claro.

Parece evidente, é certo, que a tragédia foi provocada por omissão do governo. Entre abril e novembro de 2022, a Funai recebeu 36 alertas de organismos nacionais e internacionais, entre eles a própria ONU, sobre a gravidade da situação entre os ianomâmis. Ao que tudo indica, pouco — se algo — fez para socorrê-los. Comprovar a omissão, porém, não bastará para mostrar que ela tenha sido intencional, com o objetivo implícito de aniquilá-los. Muito menos que tenha contado com aval ou participação do ex-presidente.

Quando deputado, Bolsonaro lutou contra a demarcação das terras ianomâmis e sempre proferiu disparates contra os indígenas. Na presidência, esvaziou os órgãos de fiscalização e implantou políticas lenientes com o garimpo ilegal, origem da tragédia humanitária. Será difícil para as autoridades comprovar que essa era a intenção dele ou de qualquer integrante de seu governo. Mas isso não significa que a hipótese não deva ser investigada.

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