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Sabe a relação entre o apagão de novembro na cidade de São Paulo e as queimadas no Pantanal? Darei a resposta, mas antes preciso falar de Graciliano Ramos (“O prefeito escritor”, uma obra-prima).

Graciliano foi prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas. Observe o que ele diz, num dos relatórios, sobre a empresa de força e luz: “Aqui se firmou um contrato para fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram às escuras. Pagamos até pela luz que a lua nos dá”.

Também enfrentou problemas ambientais. A água das chuvas, que ele chamou de impetuosa, abria fendas profundas e, em razão da declividade do terreno, formava “verdadeiras torrentes”. Um perigo para quem passava pela estrada que ligava o centro da cidade ao bairro Lagoa. Quando foi resolver o problema, descobriu bastante lixo sob a tênue camada do que deveria ser a estrada. Era, em 1928, um monturo, que hoje chamamos de lixão.

Na raiz das causas do apagão em São Paulo estava uma forte tempestade com ventos que superaram os 90 km/h. Árvores caíram sobre a rede elétrica, derrubando-a. Foi um caos de mais de cinco dias. A tempestade foi logo classificada como evento extremo, força maior e fora da curva, logo atribuída às mudanças climáticas.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor

Sucede que as mudanças climáticas, que hoje servem de muleta para justificar o malfeito, há muito deixaram de ser imprevisíveis. Como a inclinação do terreno no caminho que ligava o centro de Palmeira dos Índios ao bairro Lagoa, as árvores já estavam nas ruas de São Paulo. E a distribuidora tinha pleno conhecimento do trajeto de sua rede, que seguia ao lado das árvores.

Na dúvida sobre quem deveria podá-las, era essencial um plano de contingência, com equipes de prontidão para a tempestade avisada com uns três dias de antecedência. Contudo foi identificado um monturo regulatório, cuja síntese é o oportuno conflito de atribuições — entre o poder concedente, o regulador e o prefeito de São Paulo —, como um contrato feito na escuridão.

Havia coisa mais previsível que as queimadas no Pantanal? Não. Mas imaginava-se sua diminuição. Era o prometido. E há muito tempo, e o tempo todo, somos alertados sobre os efeitos destrutivos do aquecimento global.

Claro que os incêndios são direta ou indiretamente provocados pelo homem, como disseram a ministra Marina Silva no Jornal Nacional e seu secretário executivo em entrevista à GloboNews. Mas já não são fora da curva. Dependem do humano as ações para prevenir e minimizar, quando não evitar, os efeitos das mudanças climáticas. Mas só neste ano são quase 3.300 focos de incêndio, dos quais mais de 2.300 em junho. No ano passado, esses números não passavam de 170 e 80, respectivamente.

O que mais vemos é outro monturo de omissões e decisões descabidas. A prática do greenwishing, ou a promessa não concretizada de defesa do meio ambiente, é uma ilustração. Estendemos o prazo de subsídios para uso de termelétricas na Amazônia, quando deveria ter sido o contrário.

De forma nem um pouco sutil, damos eficácia ao greenwashing, à lavagem do verde. Quando queremos, usamos o argumento de uma matriz elétrica limpa e renovável, mas pouco fazemos contra o desmatamento no Cerrado (o outro lado do Pantanal).

A exploração da Margem Equatorial é o retrato do que prefiro chamar de oportunismo verde. O aval (ou o green) para essas empreitadas é o uso desautorizado da imagem da respeitadíssima Marina Silva e de sua equipe, hoje quase moldura de um quadro mal pintado — um malfeito.

*Edvaldo Santana, doutor em engenharia de produção e professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina, foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica

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