Quem se lembra da agonia dos anos 2014 e 2015 no Sudeste? Na ocasião, eu e o fotojornalista Custodio Coimbra, ambos trabalhando no GLOBO, percorremos diversas cidades do Vale do Paraíba. O cenário era desolador, a poeira vermelha e o chão rachado aludiam a todo momento ao romance de Graciliano Ramos “Vidas secas”. Em Paraibuna (SP), vimos perdas de atividades econômicas, criadores de peixes sem rumo e muita tristeza. Em São João da Barra, a foz do nosso Paraíba, mais problemas: a crise se apresentava em forma de salinização das águas do rio, com a intrusão do mar, e na mortandade de rebanhos bovinos. Era a agonia do Paraíba do Sul, que abastece 13 milhões de pessoas no Rio, em São Paulo e em Minas Gerais.
Em desespero, com seu sistema Cantareira seco, São Paulo pegou 5 mil litros por segundo da Represa de Jaguari, no Paraíba do Sul — por meio de uma tubulação de 20 quilômetros de extensão. Voltou a chover e tudo “normalizou”. Desde então, nada mudou. Avançamos pouco em prevenção, em gestão integrada, em reflorestamento — floresta é sinônimo de água de qualidade.
Há duas formas de fazer armazenamento de água para tempos de crise. Uma é com reservatórios. A outra é garantir a cobertura vegetal de áreas estratégicas. A Bacia do Paraíba do Sul, escrevi à época, precisa ser restaurada em 583 mil hectares para que o Código Florestal seja cumprido. Estamos diante, portanto, de um gigantesco potencial de geração de empregos verdes com captura de carbono — a agenda mais moderna possível.
A passividade nas ações também atinge nossa Bacia do Guandu, que depende das águas do Paraíba do Sul — sim, tudo está interligado. Portentosa obra de engenharia da década de 1950, o desvio do Paraíba do Sul em Barra do Piraí, para abastecer a Região Metropolitana do Rio, possibilitou o crescimento vertiginoso da capital fluminense — cuja população quase triplicou em sete décadas, passando de 2,3 milhões para 6,4 milhões de habitantes.
![Capa do audio - Vera Magalhães - Viva Voz](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/-08Ep1JgF9sdyHjcKwHoeSKUayI=/108x108/https://estaticos.globoradio.globo.com/fotos/2023/04/4d083ca4-635c-475b-aa1e-89b45d20c7a9.png.300x300_q90_box-0%2C0%2C1080%2C1080_detail_upscale.png)
Pois uma obra engavetada há 30 anos é muito importante para garantir a sustentabilidade do sistema Guandu no longo prazo: a construção de dutos subterrâneos que carreguem as águas dos rios Poços, Queimados, Cabuçu e Ipiranga — “vilões da poluição” do Guandu — para um trecho abaixo do ponto de captação da Cedae. A medida contribuiria para a melhoria da qualidade da água tratada. A Cedae gasta na Estação de Tratamento do Guandu, todos os meses, mais de 3 mil toneladas de sulfato de alumínio para tornar a água apta ao consumo humano. Há ainda coagulantes químicos como sulfato de alumínio, cloreto férrico e policloreto férrico. Poluir sai muito caro, e quem paga é o cidadão.
Há muito a avançar em gestão hídrica orientada com práticas que considerem o cenário de incertezas, turbinado pela emergência climática. Política pública, prevenção e soluções baseadas na natureza precisam caminhar juntas. Falecida há meio século, a bióloga marinha, escritora, cientista e ecologista Rachel Carson já sintetizava o desafio do porvir:
— O homem é parte da natureza, e sua guerra contra a natureza é, inevitavelmente, uma guerra contra si mesmo.
*Emanuel Alencar é jornalista e mestre em engenharia ambiental