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A transição energética ganha ainda mais centralidade com o relatório científico que apontou 2023 como o mais quente em 100 mil anos. Todos os dias ficaram 1 °C acima do nível pré-industrial, e metade ultrapassou 1,5 °C, limite imaginado em 2015, no Acordo de Paris, para ser alcançado em 2030. A péssima notícia chegou um mês depois da COP28, cujo documento final já apontava que o mundo precisa “cair fora” (transition away) dos combustíveis fósseis. O Brasil está entre os países que precisam decidir, com urgência, quanto apostam na humanidade.

É fácil entender que a transição �� mais difícil onde as fontes fósseis — carvão e petróleo — estão mais consolidadas. Há muitos fatores envolvidos, como, no caso do Brasil, a dependência dos royalties. A China, onde o carvão representa 60% da oferta de energia, é o país que mais produz eletricidade com painéis fotovoltaicos e torres eólicas. Tanto lá quanto nos Estados Unidos, o crescimento da produção renovável é acompanhado da queda da produção fóssil.

O Brasil anda com pernas em direções opostas. O país que, em 1992, sediou o primeiro grande encontro mundial pelo ambiente já poderia posar como campeão climático. Reduzimos o desmatamento e instalamos velozmente torres eólicas e painéis solares, tornando ainda mais limpa a matriz energética brasileira. Mas o governo tropeça nos próprios pés. Enquanto o presidente Lula fala em liderar o Sul Global na transição climática, o ministro Alexandre Silveira anuncia a adesão à Opep+, o cartel do petróleo, e a Agência Nacional do Petróleo leiloa 471 mil km2 para empresas que só terão lucro depois de 2040, quando cenários da Agência Internacional de Energia apontam demanda crescentemente residual por derivados de petróleo.

O Brasil precisa decidir com qual perna quer avançar. Fósseis são o caminho do ocaso, enquanto tecnologias solar e eólica, além de biogás e eletrocombustíveis, oferecem oportunidades de investimento, empregos, renda, melhora do ambiente e aumento da competitividade em produtos como aço, químicos e combustíveis verdes. Oportunidades com energia renovável apoiam-se no custo baixo. Parques eólicos e solares no Nordeste geram energia por menos de US$ 30/MWh. Uma termelétrica fóssil não faz isso por menos de US$ 60, e mesmo uma hidrelétrica de grande porte por US$ 50. Energia renovável barata e segura é fator mundial de atração para toda atividade intensiva em eletricidade, como produção de chips, metais e química fina.

A decisão de integrar a Opep+ é inócua para a economia real, mas exibe o sinal de governo na contramão de sua sociedade, que aposta em energias renováveis. É o que mostra a capacidade instalada crescente dessas fontes no Nordeste. O número de placas fotovoltaicas em telhados ultrapassa a previsão de órgãos de planejamento. As pessoas buscam energia limpa, barata, com menos custo na produção de bens e serviços. Temos pouco tempo para abandonar o que acabará. O país sediará a COP30 em Belém, em 2025. Até lá, temos de aprender a andar com as duas pernas na mesma direção.

*Roberto Kishinami é gerente do Eixo Transição Energética, Indústria e Transporte do Instituto Clima e Sociedade

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