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No último dia 5, o Ministério da Cultura (Minc) anunciou acordo com a Secretaria de Patrimônio da União definindo um local para a instalação do Museu da Democracia, proposta lançada no seminário Memória e Democracia, promovido pelo MinC em setembro de 2023. O local escolhido é a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, palco de batalhas entre grupos democráticos e antidemocráticos nos últimos anos. É simbólica a escolha do Eixo Monumental de Brasília — uma questão de defesa dos princípios republicanos e de cidadania.

Os museus e o patrimônio cultural sempre cumpriram, nos Estados liberais modernos, uma função de instrução cívica, inspirados pelo exemplo da França pós-revolucionária. Obras de arte, objetos e monumentos apresentados como testemunhos de um passado comum a todos os cidadãos forjam um sentimento de identidade com a nação. Curiosamente, no entanto, hoje existem poucos museus no mundo dedicados à democracia. A versão brasileira de um espaço como esses contará com seções sobre os conceitos de democracia e as liberdades sobre as quais se sustentam os regimes políticos e o funcionamento dos sistemas eleitorais brasileiros, os modos de votar, os partidos políticos, as transformações do perfil do eleitorado e as Constituições brasileiras ao longo da História.

Brasília foi construída por iniciativa do presidente Juscelino Kubitschek para ser a capital do Brasil nos anos 1950, como símbolo da modernidade do país num dos mais longos períodos de normalidade democrática de nossa História (1945-1964). O desenvolvimento material e urbano dos “50 anos em 5” de JK foi materializado na monumentalidade dos edifícios públicos. Suas rampas e vãos livres foram projetados para dar amplo acesso aos cidadãos. Não por acaso ocupam posição central na Praça dos Três Poderes, entre o STF e o Palácio do Planalto, como fiel da balança entre o Judiciário e o Executivo.

Brasília também foi palco da Assembleia Nacional Constituinte, que contou com participações memoráveis de lideranças dos movimentos negros, como Abdias do Nascimento, e indígenas, como Ailton Krenak, e milhares de cidadãs e cidadãos que se engajaram na proposta de emendas de iniciativa popular. Na promulgação da “Constituição Cidadã”, Ulysses Guimarães afirmou em seu discurso histórico:

— Temos ódio à ditadura, ódio e nojo.

Os motivos? A perseguição, a prisão e o exílio de cidadãos brasileiros e, no limite, o fechamento do próprio Parlamento e o cerceamento dos direitos políticos dos representantes do povo democraticamente eleitos. Para que as tradições autoritárias não se repitam, é preciso que nós, brasileiros, façamos uma reflexão sobre os direitos sociais conquistados e os valores republicanos que desejamos defender.

A ideia de criar o Museu da Democracia surgiu como resposta aos ataques promovidos pela extrema direita contra os regimes democráticos. O espaço pode desempenhar um importante papel de monumentalizar o esforço de cidadãs e cidadãos para a defesa de liberdades, a conquista de direitos e o exercício da participação social na política nacional.

*Marcelo Paiva, historiador, é doutor em História e fundamentos da arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Yussef Campos é professor na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás

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