O Kremlin condenou nesta quinta-feira a decisão dos Estados Unidos de implantar pontualmente mísseis de longo alcance na Alemanha — e denunciou o que chamou de um “retorno à Guerra Fria” em meio ao conflito entre Rússia e Ucrânia, que transcorre com apoio de potências ocidentais a Kiev. À televisão estatal, o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, disse que, além de Berlim e Washington, França e Reino Unido também estão “diretamente envolvidos no conflito”, iniciado em 2022.
— Todas as características da Guerra Fria reapareceram, com um enfrentamento, um confronto direto — disse Peskov. — Tudo isso está sendo realizado para garantir nossa derrota estratégica no campo de batalha. Isso não é motivo para ser pessimista, pelo contrário. É motivo para nos unirmos, utilizarmos nosso enorme potencial e cumprirmos todos os objetivos que estabelecemos no âmbito da operação militar especial [na Ucrânia] — continuou o porta-voz.
A Casa Branca anunciou ontem que, a partir de 2026 e de forma pontual, os Estados Unidos enviarão um novo armamento para a Alemanha — o que permitirá ataques a distâncias maiores do que com os sistemas americanos instalados atualmente na Europa. Nesta quinta, o chefe do governo alemão, Olaf Scholz, defendeu a decisão diante do crescente temor de uma nova corrida armamentista em seu país.
De drones de papelão a mísseis de longo alcance: as novas armas projetadas pela Ucrânia miram a Rússia
A medida, que marca o retorno dos mísseis de cruzeiro americanos à Alemanha após uma ausência de 20 anos, no entanto, gerou críticas até mesmo no Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz. O chanceler alemão afirmou, à margem da cúpula da Otan em Washington, nos Estados Unidos, que se trata de uma decisão “necessária e importante”, tomada “no momento adequado” e que “garante a paz”.
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, declarou que a decisão preenche uma lacuna nas capacidades de seu país, que carece de mísseis de longo alcance capazes de serem lançados de terra. Apesar disso, o anúncio provocou indignação na Alemanha, onde a presença de mísseis americanos traz dolorosas lembranças da Guerra Fria. Ralf Stegner, deputado do SPD de Scholz, disse ao grupo de mídia Funke que isso poderia estar dando início a uma nova “corrida armamentista”.
— Isso não tornará o mundo mais seguro. Pelo contrário, estamos entrando em uma espiral na qual o mundo se tornará cada vez mais perigoso — advertiu o deputado.
Sahra Wagenknecht, uma figura destacada da esquerda alemã, afirmou ao semanário Spiegel que o envio de mísseis americanos “aumenta o perigo de que a própria Alemanha se torne um teatro de guerra”.
‘Séria ameaça’
Também nesta quinta-feira, o Kremlin anunciou que a Rússia avalia medidas para “contra-atacar a séria ameaça” da Otan. O comunicado foi feito após a cúpula da aliança ocidental anunciar, na quarta-feira, que o reconhecimento da adesão de Kiev ao grupo militar tomou “um caminho irreversível”. Peskov disse que Moscou analisa “com muito cuidado” as decisões que foram tomadas durante a reunião nos EUA, afirmando que esta é “uma ameaça muito séria para a segurança nacional”
— Isso nos obrigará a adotar medidas estudadas, coordenadas e eficazes para contra-atacar a Otan — ressaltou.
Ao fim do segundo dia da reunião de cúpula de 75 anos da aliança, os aliados da Otan anunciaram uma série de medidas. Um dos principais pontos foi o reforço do apoio à Ucrânia, com a confirmação do envio de caças F-16, baterias de defesa antiaérea e o reconhecimento de que Kiev caminha para ser um país-membro da aliança. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse estar “confiante” de que a ajuda protegerá “melhor os ucranianos dos brutais ataques russos”.
Zelensky se referia ao ataque contra o maior hospital pediátrico do país, ocorrido na segunda-feira, quando mais de 40 pessoas morreram. Na ocasião, o Exército russo alvejou cinco regiões ucranianas com mísseis de diferentes tipos. O Ministério da Defesa da Rússia disse que os alvos eram postos de defesa da Ucrânia e bases aéreas militares. O órgão negou ter instalações civis como alvo e alegou, sem provas, que o dano em Kiev foi causado por um míssil de defesa aérea ucraniano.
Ainda após o segundo dia de cúpula da Otan, o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, chamou a atenção dos parceiros para os efeitos da guerra no Leste Europeu para além da Rússia. Ele afirmou que a vitória da Rússia na Ucrânia encorajaria países como China, Irã e Coreia do Norte, que apoiam o Kremlin. Segundo Stoltenberg, o desfecho do conflito vai “moldar a segurança global pelas décadas seguintes”.
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