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Por O Globo — Haia

Acolhendo um pedido para medidas provisórias da África do Sul, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou nesta sexta-feira que Israel interrompa "imediatamente" o ataque terrestre à cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Os juízes da corte citaram a "desastrosa" situação humanitária no enclave, afirmando que a ofensiva israelense e quaisquer atos que possam causar a destruição total ou parcial dos palestinos devem cessar. Pretória, que acusa Tel Aviv de agir com "intenção genocida" em Gaza perante a corte, classificou a decisão como "inovadora", ao passo que Israel afirmou que as acusações são "falsas, ultrajantes e moralmente repugnantes" e garantiu que "não conduziu nem conduzirá" ações militares em Rafah que possam colocar em risco a população civil.

“A Corte considera que, em conformidade com as obrigações decorrentes da Convenção do Genocídio, Israel deve suspender imediatamente sua ofensiva militar e qualquer outra ação na província de Rafah que possa infligir aos palestinos em Gaza condições de vida que possam provocar sua destruição física total ou parcial”, disse o presidente do tribunal, Nawaf Salam, ao ler a decisão. Do lado de fora da corte com sede em Haia, a Reuters relatou que um pequeno grupo de manifestantes pró-Palestina agitava bandeiras e tocava músicas em um aparelho de som.

O órgão judicial também determinou que a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito, deve ficar aberta para entrada de ajuda humanitária "sem restrições" e também pediu a "libertação imediata e incondicional" dos reféns sequestrados pelo Hamas durante o ataque terrorista em 7 de outubro. Das 252 reféns sequestrados em outubro, estima-se que ainda estejam em cativeiro cerca de 125, incluindo mortos e vivos. Mais de cem foram libertados em novembro, quando esteve em vigor uma trégua temporária.

A decisão da CIJ, que é juridicamente vinculante, atende a um pedido para medidas provisórias da África do Sul apresentado na semana passada e faz parte de um caso apresentado pela África do Sul em dezembro, acusando Israel de genocídio, algo que o Estado judeu rejeita. No fim de janeiro, a corte ordenou que Israel fizesse mais para evitar atos de genocídio, mas não pediu um cessar-fogo. Já em fevereiro, rejeitou pedido da África do Sul para impedir que Israel lançasse a operação em Rafah. A maior parte do caso, que definirá se a operação de Israel em Gaza tem como objetivo o genocídio palestino no território, só deve começar a ser discutido no ano que vem.

Uma declaração conjunta do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores e do chefe do Conselho de Segurança Nacional israelense, divulgada poucas horas após a decisão, argumentou que, depois do ataque em outubro, Israel iniciou uma guerra "defensiva e justa" para eliminar o Hamas e garantir a libertação dos reféns, agindo "com base no seu direito de defender o seu território e os seus cidadãos, de forma consistente com os seus valores morais e em conformidade com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional".

O comunicado afirmou ainda que Tel Aviv "continuará" permitindo que a passagem de Rafah permaneça aberta para a entrada de ajuda humanitária em Gaza a partir do lado egípcio da fronteira, ao mesmo tempo em que evitará que "grupos terroristas" controlem o ponto de trânsito.

Espaço para defesa

O secretário-geral da ONU, António Guterres, através do seu porta-voz, Stéphane Dujarric, enfatizou que as decisões da corte são "vinculantes" e devem ser "devidamente respeitadas". Mas, embora Israel reconheça a jurisdição da CIJ, a corte não dispõe de meios próprios para fazer a decisão se cumprir. Segundo o professor de direito da Rutgers Law School Adil Haque, a decisão restringe o que Israel pode fazer em Rafah e em seus arredores, mas ainda deixa espaço para que o país se defenda no contexto do conflito.

— As operações militares em grande escala em Rafah ou em seus arredores provavelmente estão fora de cogitação porque levarão à morte em massa e ao deslocamento de civis — observou, acrescentando: — Mas as operações direcionadas para responder especificamente a disparos de foguetes ou para resgatar reféns, em princípio, ainda devem ser consideradas.

O juiz sul-africano Dire Tladi concorda com explicação, esclarecendo em um parecer separado que “ações defensivas legítimas dentro dos limites estritos do direito internacional e para repelir ataques específicos” seriam consistentes com a decisão do tribunal. Mas “a continuação da operação militar ofensiva em Rafah e em outros lugares” não seria.

— Israel pode seguir o caminho legalmente seguro e manter suas operações estritamente limitadas, ou pode seguir o caminho legalmente arriscado e testar a paciência do tribunal — ponderou Haque.

Políticos linha-dura do Gabinete do premier Benjamin Netanyahu já afirmaram que a corte não iria ser ouvida caso tentasse se opor aos objetivos militares de Israel. Benny Gantz, ministro do Gabinete de guerra e ex-ministro da Defesa, afirmou em um comunicado que Israel seguirá com sua guerra "justa e necessária" contra o Hamas para devolver os reféns e garantir a segurança dos israelenses "quando e onde necessário, incluindo em Rafah."

Em uma publicação no X (antigo Twitter), o ministro das Finanças, o político de extrema direita Bezalel Smotrich, afirmou que aqueles que "exigem que o Estado de Israel pare a guerra, exigem que este decrete que deixe de existir", acrescentando que "a História julgará quem hoje apoiou os nazistas do Hamas e do [Estado Islâmico] ISIS". Declaração similar foi feita pelo ministro da Segurança Nacional Itamar Ben-Gvir, que defendeu a "conquista de Rafah, a escalada da pressão militar e a destruição total do Hamas até a vitória total".

Membros da oposição ao governo israelense também criticaram a decisão. O líder da oposição, Yair Lapid, condenou a decisão, chamando a medida de "um colapso moral e um desastre moral". Em uma fala registrada pela agência de notícias Reuters, Lapid afirmou que o tribunal fracassou ao não estabelecer uma conexão direta entre o fim dos combates e a exigência de devolver os reféns israelenses mantidos em Gaza.

Hamas saúda decisão

A decisão, por outro lado, foi saudada pelo Hamas, pela Autoridade Nacional Palestina (ANP) e por autoridades da África do Sul, incluindo o presidente Cyril Ramaphosa. O porta-voz do Hamas, Basem Naim, citado pela Reuters, lamentou o fato de a ordem se referir somente à cidade de Rafah, uma vez que a ação israelense, "especialmente no norte" de Gaza, é "igualmente brutal e perigosa". Já o porta-voz da ANP, que administra parte da Cisjordânia, afirmou que a decisão da corte "representa um consenso internacional sobre a exigência de pôr fim à guerra total em Gaza."

Já as organizações humanitárias Oxfam Internacional e ActionAid, bem como o presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil al-Sisi, pediram ao governo israelense que respeite e cumpra a decisão do tribunal. A diretora regional da Oxfam para o Oriente Médio, Sally Abi-Khalil, descreveu a decisão como "uma afirmação do direito à vida do povo palestino", enquanto a ActionAid afirmou que seus agentes e parceiros "testemunharam em primeira mão a devastação causada em Rafah nas últimas semanas".

A cidade, empobrecida até para os padrões de Gaza, chegou a abrigar 1,5 milhão — mais da metade de toda a população do enclave — de palestinos deslocados pela guerra e também era um ponto de acesso fundamental para a escassa ajuda humanitária que entrava no enclave. Desde 6 de maio, quando foi emitida a primeira ordem do Exército para deslocamento, mais de 800 mil palestinos fugiram, segundo a ONU. Segundo dados do Gabinete da ONU para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA), apenas 906 caminhões — cerca de 800 com alimentos — entraram no enclave desde o início da operação militar em Rafah.

Segundo o Guardian, al-Sisi concordou com o presidente dos EUA, Joe Biden, em enviar temporariamente ajuda humanitária e combustível, crucial para o funcionamento de hospitais e usinas de dessalinização, através da passagem israelense de Kerem Shalom. Em seu comunicado sobre a decisão da corte, o Egito afirmou que "Israel tem plena responsabilidade legal pela deterioração das condições humanitárias na Faixa de Gaza enquanto potência ocupante".

Durante um evento em Florença, na Itália, o chefe da política externa da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse que o bloco tem de escolher "o nosso apoio às instituições internacionais do Estado de direito ou nosso apoio a Israel". Já a vice-primeira-ministra canadense, Chrystia Freeland, pediu somente para que todas as partes sigam o direito internacional.

O ministro das Relações Exteriores da Jordânia destacou que a decisão da Corte de Haia "mais uma vez [...] expõe os crimes de guerra de Israel em Gaza" e que, "mais uma vez", o governo israelense reage com "desdém à lei internacional" ao se recusar a cumprir a ordem do tribunal. "O Conselho de Segurança deve assumir sua responsabilidade, pondo fim à impunidade de Israel e aos padrões duplos na aplicação da lei internacional", conclui em uma publicação nas redes.

Isolamento internacional

A decisão da Corte de Haia ocorre quatro dias após o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, solicitar mandados de prisão contra os líderes do Hamas, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant. Em seu pedido, Khan apontou como crimes cometidos pelas autoridades israelenses o uso da fome contra civis como método de guerra, ataques intencionais contra a população civil e "extermínio e/ou homicídio", inclusive no contexto de mortes causadas pela fome. Ao contrário da CIJ, onde o Estado de Israel é alvo de uma acusação de genocídio em processo movido pela África do Sul, o TPI é uma corte voltada a acusações e julgamentos contra indivíduos.

Nesta mesma semana, três países europeus — Espanha, Irlanda e Noruega — tomaram a medida coordenada de reconhecer a Palestina como um Estado. Sem contar, nos últimos meses, com os protestos generalizados que ocorrem nos campi das universidades americanas contra a campanha de Israel em Gaza, bem como às decisões da Turquia de suspender o comércio com Israel, e de Belize, Bolívia e Colômbia de romperem os laços diplomáticos com Israel.

— Este não é o nível de isolamento da Coreia do Norte, da Bielorrússia ou de Myanmar, mas é isolamento — observou Alon Pinkas, antigo cônsul-geral de Israel em Nova York. — Isso cria uma tremenda sensação de pressão.

O antigo embaixador de Israel em Washington Itamar Rabinovich também concorda que as medidas contra Israel mostram o declínio da sua reputação internacional, mas destacou também a diminuição da influência dos EUA, seu principal aliado, o que tdm implicado em uma "mudança nas regras da política internacional". Dentro de Israel, no entanto, as medidas contra o seu governo poderiam reforçar Netanyahu, disseram analistas, observando que as repreensões poderiam proporcionar ao premier outra oportunidade de se apresentar como defensor de Israel, reforçando o seu apoio interno em declínio.

— Isso faz parte de sua narrativa de que o mundo está contra nós e eu estou firme — afirmou. (Com NYT e AFP)

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