O ataque aéreo atribuído a Israel contra o Consulado do Irã em Damasco, a capital síria, poderia desencadear uma escalada da guerra em Gaza pela região — algo que Teerã buscava evitar, na avaliação de analistas ouvidos pela AFP. O bombardeio de segunda-feira destruiu o anexo consular da embaixada iraniana e matou 13 pessoas, incluindo sete membros da Guarda Revolucionária do Irã.
Dois dos mortos no ataque eram comandantes de alto escalão da Força Quds, unidade especial da Guarda Revolucionária: os generais Mohammad Reza Zahedi e Mohammad Hadi Haji Rahimi, vice-comandante no Líbano e na Síria. O primeiro chegou a liderar a Força Aérea da Guarda Revolucionária por alguns meses em 2004, e a força terrestre da organização entre 2004 e 2007.
— Ao atacar uma instalação diplomática iraniana, Israel ultrapassou um limite — avaliou Ali Vaez, do International Crisis Group (ICG).
Após meses de combate na Faixa de Gaza, Israel agora intensifica suas operações contra comandantes iranianos e pró-iranianos no Líbano e na Síria, medida que observadores temem que possa escalar para uma guerra total. Se Teerã até então vinha deixando claro que deseja evitar um conflito em grande escala, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, afirmou nesta terça-feira que o ataque em Damasco “não ficará sem resposta”.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, advertiu que “o maldoso regime sionista será punido”, e o embaixador suíço — que atua como representante americano na ausência de relações diplomáticas entre Teerã e Washington — foi convocado para entregar uma mensagem importante aos EUA: como aliado de Israel, eles "devem responder” pelas ações do país do Oriente Médio. Nas ruas, apoiadores do governo também exigiam um ação contra o Estado Judeu. De acordo com reportagem do New York Times, eles gritavam “morte a Israel” e “morte à América”.
Oficialmente, o Irã nega ter tido qualquer conhecimento prévio do ataque sem precedentes do grupo terrorista Hamas em território israelense em outubro — ação que desencadeou a guerra —, mas é um dos principais apoiadores do grupo e de uma infinidade de outras organizações armadas que atacaram Israel em solidariedade ao Hamas, incluindo o Hezbollah.
‘Em direção à escalada’
Bassam Abu Abdallah, que dirige o Centro de Pesquisa Estratégica de Damasco e é próximo ao governo sírio, disse que antes de segunda-feira “havia regras de engajamento”, mas que agora é “uma guerra total entre Israel e o Eixo de Resistência” — termo é usado pelo Irã e seus apoiadores para se referir à aliança com grupos armados ao redor da região que compartilham uma postura antissionista e anti-americana.
— Agora está claro que a tendência é em direção à escalada — disse Abdallah. — Poderemos começar a ver um aumento dos ataques contra bases dos EUA na Síria, no Iraque ou em outros lugares.
No fim de janeiro, grupos pró-iranianos anunciaram que estavam suspendendo os ataques contra tropas dos Estados Unidos no Iraque e na Síria para evitar uma escalada regional, depois que Bagdá e Teerã disseram que se opunham à campanha dos grupos. Nesta terça-feira, porém, o Hezbollah alertou que o ataque ao consulado iraniano “não passará sem que o inimigo receba punição e vingança”.
— É mais provável que o Irã imponha um custo a Israel, mas provavelmente o fará de maneira indireta e por meio de seus parceiros e representantes na região — disse Vaez. — O dilema do Irã é que a falta de resposta pode sinalizar fraqueza, mas a retaliação arrisca uma ação mais dura dos Estados Unidos ou do governo israelense.
- 'Bandeira vermelha da vingança': Entenda gesto do Irã após atentado que matou 84 no país
O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou os ataques e reafirmou que "o princípio da inviolabilidade das instalações e do pessoal diplomático e consular deve ser respeitado em todos os casos, de acordo com o direito internacional", informou nesta terça-feira o seu porta-voz, Stephane Dujarric.
‘Guerra transnacional’
O ataque em Damasco poderia sinalizar ainda que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, está se preparando para um conflito regional mais amplo. Sob pressão de Washington, Netanyahu estaria ficando sem tempo para conduzir a guerra em Gaza em e, em vez disso, passaria a direcionar esforços para Líbano e Síria na tentativa de enfraquecer o esforço militar regional iraniano, avaliou Nick Heras, do Instituto de Estratégia e Política da New Lines.
— Israel vê os conflitos contra o Hamas em Gaza e contra o Hezbollah no Líbano como duas frentes em uma guerra transnacional contra o Irã que os iranianos comandam de Damasco. Netanyahu acredita que Israel tenha que travar em breve uma guerra regional com o Irã — afirmou. — Os israelenses estão tentando eliminar os comandantes mais importantes e experientes da Guarda Revolucionária para enfraquecer o planejamento e as capacidades iranianas antes dessa guerra.