A despeito das divergências que seguem evidentes dentro do grupo das 45 delegações que participaram dos dois dias de reunião de chanceleres do G20, a avaliação do governo brasileiro é a de que houve avanços, ainda que retóricos. Houve o que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, chamou de virtual consenso sobre a criação de dois Estados como solução para os conflitos entre Israel e Palestina, apontados juntamente com a guerra russa na Ucrânia como maior preocupação das nações presentes. Mas negociadores brasileiros e europeus reconheceram que ainda não surgiu a forma para que isso seja concretizado. O passo à frente foi o que vem sendo chamado de "impulso político".
O tema foi imposto "de fora para dentro" da agenda prevista pelo Brasil, que, sabendo que a tumultuada situação geopolítica internacional corria o risco de dominar a pauta do encontro, deixou para o segundo dia as negociações em torno das propostas brasileiras para reforma o sistema global de governança, uma das três prioridades da presidência do país no G20, citadas no documento de seis páginas circulado pelo Brasil e que tiveram boa aceitação.
— O que há é consenso de que é necessário reformas nas estruturas das principais organizações internacionais — disse um negociador brasileiro.
Algumas estariam, segundo ele, estariam defasadas em décadas. A Carta das Nações Unidas, por exemplo, não fala de meio ambiente e ainda trata três países membros do G20 como nações inimigas (Alemanha, Japão e Itália). Tudo isso precisaria ser atualizado. Questiona-se também a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU, que é defasado e do poder de veto.
— Essas questões são consensuais. O controverso é qual reforma — disse outro diplomata.
Em entrevista na saída da reunião, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, foi um dos participantes que defendeu a entrada de novos integrantes aos foros internacionais, não mudanças nas suas estruturas:
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— Todos parecem estar dispostos a aumentar a representação com mais participantes ao redor da mesa. Mas, em relação a mudar as regras, certamente será mais difícil.
Ele nem tem como defender abertamente uma mudança de governança, pois dentro da UE há países que jogam contra a ideia. É o caso da reforma do Conselho de Segurança, por exemplo, Itália e Espanha são do chamado coffee club, que tenta travar a reforma proposta pelo G4. É a UE sendo a UE, ou seja, tendo de trabalhar dentro das limitações de se administrar 27 países, como admitiu o próprio Borrell.
Também houve concordância sobre a necessidade das reformas dos bancos multilaterais de desenvolvimento e do Fundo Monetário Internacional (FMI). A participação do mundo em desenvolvimento nessas instituições é muito reduzida. E muitas críticas à Organização Mundial de Comércio (OMC), sobretudo miradas em Estados Unidos e China, mais até contra Washington do que Pequim, porque os americanos de certa forma inviabilizam o mecanismo de solução de controvérsia da OMC. Seria necessária reforma para voltar a ter mecanismo funcional.
Outra vitória considerada pelo lado brasileiro foi a confirmação da reunião em Nova York à margem da Assembleia Geral da ONU em 26 de setembro, a primeira neste formato. Tem motivo simbólico.
— Queremos levar o G20 à ONU. O G20 não pode funcionar fora da ONU, que tem legitimidade jurídica, tratado, carta da ONU, um tratado global que fio capaz de preservar a paz mundial por muitas décadas — disse um negociador.
O encontro, que terá por tema a governança, será aberto a todos os 193 países-membros da ONU. É o cuidado para que não se repetia o que o Brasil e outros países do G20 tanto criticaram no G7 — que era um grupo ainda menor querendo discutir as questões globais sozinho.
*Especial para O GLOBO.