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Por — Pequim

O ambicioso projeto chinês de estabelecer uma nova rota da seda completa dez anos com um perfil mais esguio, o olhar mais focado e mais investimentos em tecnologia que infraestrutura pesada. Apesar das oscilações e dos percalços da última década, a iniciativa continua bastante viva na visão estratégica de Pequim, que pretende celebrar o aniversário no próximo mês numa grande conferência com a presença de vários chefes de Estado, incluindo o presidente russo, Vladimir Putin.

Mas a ambição inicial teve que se adaptar às circunstâncias. Num contexto de múltiplos fatores de instabilidade, como a guerra na Ucrânia, a crise de crédito em países mais pobres e a desaceleração econômica na China, já não há mais tanto apetite para empreendimentos grandiosos. A ordem agora, pregam as autoridades chinesas, é uma rota da seda “pequena e linda”, com projetos sustentáveis e de menor risco, de preferência liderados por empresas privadas. No primeiro semestre do ano, pela primeira vez o volume de investimentos em países da nova rota da seda superou o de empréstimos.

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Isso reflete uma “mudança de mentalidade” na condução da iniciativa, resultado de uma aversão maior ao risco e de um ambiente econômico menos favorável, diz Christoph Nedopil, do Centro de Financiamento Verde e Desenvolvimento (CFVD) da Universidade Fudan, em Xangai. É também consequência da transformação vivida pela economia chinesa na última década, diz ele, em que a tecnologia tornou-se central na visão do governo e as empresas do setor ganharam maior proeminência.

— Muitos dos atores econômicos de hoje não existiam em 2013, no setor de tecnologia por exemplo, e eles estão saindo para estabelecer centros de produção e comércio em outros países. Essas empresas não eram tão fortes dez anos atrás — explica Nedopil.

'Projeto do século'

Exaltada como o “projeto do século” pelo presidente chinês, Xi Jinping, a nova rota da seda foi lançada em 7 de setembro de 2013 basicamente como uma iniciativa de infraestrutura, com foco principal no setor energético e na construção de estradas, ferrovias e aeroportos. Para a China, além de expandir sua presença econômica, era também uma forma de usar sua experiência na área de infraestrutura e exportar seu excesso de capacidade no setor.

Trem de carga parte de Dunhuang, na China, para o Laos: ferrovia foi construída como parte da Iniciativa do Cinturão e Rota, em que Pequim multiplicou seus investimentos de infraestrutura em quase 150 países — Foto: Chen bin/Xinhua
Trem de carga parte de Dunhuang, na China, para o Laos: ferrovia foi construída como parte da Iniciativa do Cinturão e Rota, em que Pequim multiplicou seus investimentos de infraestrutura em quase 150 países — Foto: Chen bin/Xinhua

Na época era relativamente fácil obter recursos dos bancos de desenvolvimento chineses para esses grandes projetos. Em cinco anos, empresas chinesas estavam envolvidas em mais de três mil projetos de conectividade, segundo dados oficiais. A sensação era de que todos os caminhos levavam a Pequim. Mas a partir de 2018, a situação econômica começou a mudar, ficou mais difícil obter esses financiamentos, e a nova rota da seda perdeu fôlego.

A pandemia aplicou um novo golpe e em 2020 os compromissos chineses na iniciativa caíram para metade do que haviam totalizado em 2015. Além disso, em muitos países os projetos não avançaram como se esperava, e muitas lições tiveram que ser aprendidas para reduzir não só os riscos econômicos, mas também os políticos e sociais. Empreendimentos com a marca da nova rota da seda enfrentaram protestos populares e oposição política da Ásia Central à África, em meio ao temor de que os financiamentos chineses tornariam os governos locais reféns de Pequim. O pano de fundo era a acusação nascida na Índia e difundida no Ocidente de que a estratégia chinesa era montar uma “armadilha da dívida” para tomar conta de ativos dos países devedores ao conceder empréstimos impagáveis.

Especialistas ocidentais já derrubaram a tese de que a China tem como estratégia uma “diplomacia da dívida”, para explorar países pobres endividados. Ao contrário da imagem de um poder centralizado em Pequim que movimenta as peças de forma coordenada, a realidade é que o sistema de financiamento chinês é fragmentado demais para que possa ser ordenado numa só direção, aponta um relatório do centro de estudos Chatham House, de Londres. Ainda assim, a acusação arranhou a reputação do governo chinês, que ficou mais cauteloso ao lidar com empréstimos.

Marketing internacional

Num balanço destes dez anos, o primeiro sinal de sucesso apontado pelo governo é a expansão geográfica da iniciativa. De acordo com dados oficiais, 148 países assinaram acordos com a China para fazer parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) — nome oficial do projeto da nova rota da seda — entre eles 21 da América Latina (até agora, o Brasil preferiu não aderir). O volume de recursos envolvidos também é expressivo: no primeiro semestre do ano, atingiu US$ 1 trilhão, segundo balanço do CFVD.

Total de compromissos chineses na Nova Rota da Seda na última década — Foto: Editoria de Arte
Total de compromissos chineses na Nova Rota da Seda na última década — Foto: Editoria de Arte

Ao analisar o desempenho da “nova rota da seda”, a primeira dificuldade é estabelecer o que faz parte dela. Na euforia dos primeiros anos, quando havia recursos de sobra para financiar grandes obras em países em desenvolvimento, a ICR era a principal bandeira da diplomacia chinesa, fincada em inúmeros eventos temáticos, de seminários acadêmicos a festivais gastronômicos e de cinema. A sensação era de que a própria política externa da China havia se tornado um evento temático em torno da nova rota da seda.

No ritmo da propaganda estatal, o marketing da iniciativa se estendeu a toda ação internacional da China. Exemplos: a ajuda a outros países na pandemia, com fornecimento de máscaras e vacinas, virou a “rota da seda da saúde”; o programa de satélites passou a ser a “rota da seda do espaço”. Uma anedota contada até hoje traduz a confusão criada pelas intermináveis ramificações: os estrangeiros não sabiam o que era a ICR; já os chineses não sabiam o que ela não era — já que qualquer iniciativa do governo levava sua marca.

Desde o início, países do Ocidente manifestaram preocupação com o potencial que havia na nova rota da seda de expandir a influência econômica, tecnológica e militar da China, abalando a ordem mundial. Para rivalizar com a iniciativa chinesa, um plano de infraestrutura global foi anunciado pelo G7, grupo que reúne sete das economias mais industrializadas, mas a reação geral foi de ceticismo. Toda contribuição aos países desenvolvidos é bem-vinda, mas a iniciativa ocidental não será capaz de competir com os custos mais baixos, os padrões mais flexíveis e a rapidez das empresas chinesas, comentou Caroline Crystal, do centro de estudos Council on Foreign Relations, de Nova York.

Objetivo atingido

O convite a Putin para a conferência de dez anos da ICR ressalta o caráter geopolítico do projeto, presente desde o início nos cálculos de Pequim e sempre o que mais chamou a atenção. Mas essa ideia difundida em meios acadêmicos e políticos, de que havia uma grande estratégia com coordenação centralizada para expandir a influência global da China é exagerada, diz o pesquisador argentino-brasileiro Santiago Bustelo, que se debruçou sobre os financiamentos chineses na América Latina em seu doutorado na Universidade Fudan, de Xangai.

Quem acompanha o funcionamento do governo chinês entende que há muito menos método do que se pensa, diz Bustelo. A ICR foi antes de tudo um arcabouço para organizar um processo que já estava em andamento, mas era muito fragmentado, de financiamento em infraestrutura no exterior com o suporte de grandes bancos estatais, segundo o analista. Mesmo sem uma “grande estratégia” e com problemas em vários países, o objetivo de expandir a presença chinesa no mundo foi bem sucedido, diz ele.

— A iniciativa “pegou”. Consolidou relações econômicas da China em termos globais e deu a sensação de avanço do país. Mas o processo é mais confuso do que parece — diz.

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