A situação no complexo nuclear de Zaporíjia, o maior da Europa, é "grave" após a destruição da adjacente barragem de Kakhokva no último dia 6, disse nesta quinta-feira o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi. Em visita à área no sul da Ucrânia, um dos epicentros da guerra que já dura quase 16 meses, contudo, ele afirmou que o cenário está em vias de se estabilizar, aliviando temores de uma catástrofe maior na região.
Grossi viajou à zona, perto da linha de frente da guerra e em um território controlado pela Rússia, buscando investigar as condições da usina após o episódio do início do mês. Em Zaporíjia, passou horas observando o funcionamento do centro, antes de falar com a imprensa.
— Pôde-se observar, por um lado, que a situação é grave, as consequências estão ali e são reais — disse ele, em sua terceira ida ao local desde que a guerra eclodiu, acompanhado de uma equipe de especialistas. — Paralelamente, foram tomadas uma série de medidas para que a situação fosse estabilizada.
Barragem destruída na guerra entre Rússia e Ucrânia
De acordo com a agência estatal Tass, Grossi afirmou que inspetores da AIEA continuarão nas instalações, mas considera "não ser realista" que ucranianos e russos assinem um pacto garantindo a segurança da usina enquanto há combates ativos. Na terça, o chefe da AIEA já havia se encontrado com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em Kiev.
Russos, ucranianos e a agência da ONU haviam afirmado nos últimos dias que não havia ameaça iminente de um desastre em Zaporíjia, em meio a temores de que a destruição da barragem fosse fatal para o funcionamento da planta. Kakhovka fornecia água para um reservatório menor, rio acima, responsável por resfriar os seis reatores e dejetos da usina atômica.
A destruição do início do mês, contudo, gerou alagamentos e secou boa parte da reserva usada para o resfriamento — e, assim, evitar que a infraestrutura do complexo nuclear derreta. Ambos lados trocam acusações sobre o incidente, com russos afirmando se tratar de uma sabotagem de Moscou e ucranianos, uma tática para dificultar uma aguardada contraofensiva que começou no início do mês.
Em Kiev na terça, Grossi disse que a perda d'água por si só não é um motivo de "perigo imediato", mas que quaisquer problemas com os sistemas de contenção do reservatório poderiam ser desafiadores. Em Zaporíjia nesta quinta, o chefe da agência da ONU assegurou que a planta tem "água suficiente":
— Pude ver a piscina de refrigeração (...), as comportas de irrigação, os canais que constituem o sistema essencial para a refrigeração — afirmou Grossi. — Era muito importante que eu tivesse minha própria avaliação da situação com meus especialistas.
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De acordo com autoridades ucranianas, o reservatório de Zarporíjia está atualmente cheio — sua superfície tem mais de 7,7 km², com uma profundidade superior a 15 metros. Cinco dos seis reatores da usina estão parados, o que também ajuda a reduzir bastante a quantidade de água necessária para mantê-los na temperatura adequada.
Grossi vinha dizendo que havia água suficiente para "vários meses", mas na terça-feira afirmou que "pode haver água para algumas semanas, talvez um mês ou dois". Ele ainda não fez uma análise mais completa desde que sua visita chegou ao fim, mas há preocupações com a profundidade da água, devido a discrepâncias na leitura. Sabê-la exatamente é fundamental para avaliar como responder.
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O maior complexo nuclear do continente é alvo de ataques constantes desde que foi controlado pelos russos nos meses iniciais da guerra, com ambos lados trocando acusações sobre de quem é a responsabilidade. Em ao menos uma ocasião, projéteis atingiram uma área onde é armazenado combustível atômico já utilizado.
Durante boa parte da guerra, Zaporíjia teve — e tem — apenas um cabo de alta voltagem que a abastece com eletricidade, fundamental para garantir sua segurança. A ligação, contudo, tem sido frequentemente comprometida durante o conflito: houve ao menos sete apagões, forçando as pessoas a recorrerem a geradores movidos a diesel, por exemplo.
Ainda assim, na margem do Dniéper ocupada pelos russos, o controle da planta dá vantagem para os russos e pode servir inclusive como um elemento de barganha contra o país que, em 1986, foi epicentro do maior desastre nuclear da História, em Chernobyl. Segundo Grossi, esta é a primeira vez na História que uma planta nuclear se vê no meio de um confronto ativo.
A AIEA passou meses tentando persuadir Moscou e Kiev a firmarem um perímetro de segurança ao redor do complexo nuclear, mas nunca conseguiu fazê-lo. Nas últimas semanas, ambos lados aumentaram suas forças em uma frente ao leste da usina, em preparativo para a contraofensiva ucraniana, cujo grau de sucesso ainda é uma incógnita.
Mais batalhas na região piorariam a instabilidade, afirmou Grossi, após a Inteligência britânica divulgar imagens de satélite que mostram soldados russos no telhado da usina. Moscou também teve mais de um ano para impôr sua própria administração no complexo: há relatos de que funcionários foram obrigados a romper seus contratos com a estatal ucraniana Energoatom e firmar novos termos com a Rosatom, a estatal atômica russa.
De acordo com Grossi, a equipe de 11 mil pessoas é uma uma pequena fração do necessário, e muitos dos funcionários que permanecem no local estão vetados de irem à planta porque se recusam a assinar contratos com a Rosatom. Na terça-feira, a inteligência ucraniana afirmou que Moscou poderia destruir Zaporíjia para tentar postergar a contraofensiva ucraniana, apesar de afirmar que seria praticamente impossível destruir os reatores. Não há mais indícios, contudo, de que isso está nos planos.