Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Rússia, afirma que os conflitos entre o Grupo Wagner e o governo de Vladimir Putin terão impactos internos na Rússia e até na guerra com a Ucrânia, mesmo após um acordo firmado neste sábado rapidamente tentar controlar a situação. E, para ele, Kiev sai ganhando, uma vez que a crise pode afetar o moral dos soldados russos. Veja, abaixo, a entrevista:
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Como o senhor avalia os episódios de hoje na Rússia, mesmo com esse acordo entre Putin e o grupo Wagner?
É difícil dizer ainda os impactos do que ocorreu. Temos que diferenciar um pouco o relacionamento do Grupo Wagner com o governo russo com o de Yevgueni Prigojin, com Wladimir Putin. Progojin e Putin não tinham uma relação ruim, ao contrário, até pouco tempo atrás eles tinham boa relação, quase amigos, muito próximos. Todos os embates que ele teve antes (pedindo munição e apoio, por exemplo), e ele é meio histriônico, era com os comandantes militares russos, os chefes do Ministério da Defesa russo. Ele se batia com eles, até por achar que a tática e a estratégia na guerra na Ucrânia estava errada, mas por pedir apoio e suprimento.
Mas como explicar este movimento de Progojin?
Progojin sabe que não bater Putin ou o exército russo como um todo. Mas ele queria extrair concessões. E essa é a maneira dele, faz uma cena, e depois recua, em troca de alguma coisa. Ele fez isso várias vezes, Mas eu acho que ele errou neste momento no cálculo e colocou até o Putin contra ele. Acho que ele não esperava isso. Ao que tudo indica ele queria derrubar a cúpula do Ministério da Defesa, mas parece que ele errou no cálculo.
Mas quais podem ser os desdobramentos?
Para o Putin também não interessa fazer o que deveria ser feito pela lei, ainda mais depois de Putin ter dito que quem se levanta contra o exército regular russo é um traidor, que seria processá-lo e puni-lo. Mas ao que tudo indica o acordo será algo parecido com o que fizemos no Brasil: uma anistia. Tenho a impressão que ele vai por este caminho, ninguém quer balançar o barco totalmente. O Putin não quer, por precisar manter uma aparência de calma e de controle, e não acho que Prigojin queira se bater contra o Putin. Eles vão tentar uma saída parecida com a brasileira no fim da ditadura militar: fingir que nada aconteceu. E uma solução que pode ter, para que este acobertamento não fique tão na vista, seria fazer o Grupo Wagner sair da Ucrânia e voltar a atuar na África, Ásia, onde já atuaram. Isso seria o melhor pro Putin e para o exército russo. Mas talvez eles sejam mais fortes que a gente imagina.
Mas dá pra imaginar o fim dos conflitos entre Grupo Wagner e o governo Putin?
Olha, certamente a tensão vai continuar, principalmente entre Prigojin e a cúpula militar. Eles têm aquilo que os ingleses chama de "bad blood", uma rixa. Mas guerra é assim. Se em paz temos tantas disputas, em uma guerra a situação é muito pior. É difícil dizer, mas a tendência é que todos tentem "passar um pano". E daí a grande questão é se Prigojin voltará a atuar na Ucrânia ou não.
Estes episódios e o acordo, e não uma punição, não demonstram uma fraqueza de Putin?
São fissuras na parede. Não acho que Prigojin queria tomar Moscou, iniciar uma guerra, mas sim obter vantagens. Mas ele calculou errado e isso criou uma fissura em algo que Putin parecia ter, mais ou menos, um controle. Muita gente que era contra a guerra já havia saído do Exército e do governo. Então este episódio mostra que há um problema sério. mas é difícil fazer previsões, precisamos esperar os desdobramentos das próximas semanas e tudo pode mudar. Mas pegou mal para Putin, no mundo inteiro e dentro da Rússia. É uma fissura na parede. Você pode estancar, mas ela pode aumentar também. É difícil prever agora. Minha aposta é que ele conseguirá controlar, mas é um Putin que mostrou uma fraqueza em sua posição.
E qual o impacto disso para a guerra na Ucrânia?
Certamente a Ucrânia sai ganhando. Putin sai enfraquecido, temos que saber o quão enfraquecido ele ficará. De qualquer modo a Ucrânia ganha, em qualquer cenário, pois seu inimigo, internamente, passou a ter mais problemas. Se isso pode ser aproveitado em termos militares? É difícil dizer, é preciso ver lá na frente como isso ficará na relação do exército com o Grupo Wagner, os mercenários foram fundamentais na guerra até agora, e o melhor exemplo disso foi a tomada de Bakhmut. Agora, de fato, a Ucrânia ganhou no mínimo moralmente, o moral dos russos vai ficar para baixo depois disso.